Parte de mim...

Tomas Cilfford

O silêncio do meu apartamento sempre me recebeu com conforto. Hoje, me engolia.

Joguei a chave sobre a bancada da cozinha e fui direto para o quarto, tirando a camisa pelo caminho. A cidade estava viva lá fora, cheia de luzes e sons abafados, mas aqui dentro tudo parecia estagnado. Como se o tempo estivesse em suspenso desde que a deixei naquela mansão.

O chuveiro quente ajudou a relaxar os músculos, mas não a mente. A mente, essa, continuava presa a ela.

Depois do banho, tomei as medicações em silêncio, quase automático, o comprimido azul para dormir, o branco para conter a dor nas articulações, e o comprimido que me mantia estável no tratamento, desde que eu havia descoberto minha doença sem cura. Tudo isso para manter o controle. Porque se eu me perdesse, eu voltava. Corria até a mansão dela e esquecia qualquer limite que eu mesmo me impus e que meu corpo também possuía.

Me deitei, sentindo o lençol frio contra a pele quente. E fechei os olhos.

Foi inevitável. A lembrança veio com força.

A primeira vez que vi Isabella na universidade, ela estava atrasada para a aula. Os saltos batiam rápido pelo corredor, e ela carregava uma pasta vermelha pressionada contra o peito como se aquilo fosse algo importante.

— Vai entrar? — perguntei, quando ela parou ao meu lado, espiando pela janelinha da porta.

— O professor já começou?

— Há dez minutos.

Ela bufou, ajeitando os cabelos soltos e lançando um olhar de desespero e arrogância

para a porta.

— Ótimo. Primeira impressão arruinada.—disse ela com seu olhar intrigante enquanto mordia o canto dos seus lábios.

— Pode ser a segunda, se você quiser — falei, sorrindo. — Me chamo Tomas. E já estou impressionado.

Ela me lançou aquele olhar que viria a se tornar familiar, o que dizia “não me subestime” e “não tente me ganhar com charme barato”. Mas mesmo assim, sorriu de lado.

Naquele dia, sentamos juntos. E depois de algumas semanas, já não era mais por acaso.

A gente se provocava, se desafiava, se entendia. Eu percebia a dor escondida nos olhos dela, mesmo quando ela fingia que nada a atingia. E ela… ela enxergava através de mim. Sempre enxergou.

Abri os olhos de novo, de volta à realidade.

Ela não era só uma lembrança. Era uma parte de mim. Uma parte que eu nunca quis, mas que nunca consegui evitar.

Isabella pode tentar se proteger, pode tentar me afastar, pode fingir que dá conta sozinha. Mas eu conheço o jeito que ela olha quando está com medo. Conheço o silêncio que ela faz quando está prestes a quebrar.

E eu não vou desistir.

Porque ela está carregando dois filhos. E mais do que isso: está tentando carregar o peso de um mundo inteiro nos ombros.

E eu… eu quero estar ali. Nem que seja pra lembrar a ela que não precisa carregar tudo sozinha, enquanto eu ainda posso.

Nem que seja pra lutar com ela, ou por ela.

Mas acima de tudo, quero estar lá quando ela finalmente entender que o amor não é uma fraqueza. É a arma mais forte que temos. Sorri, amargo.

— Você me ferrou, Isabella Ricci. E eu nem me importo, sei que vou partir feliz por ter te amado.

Fechei os olhos outra vez. E dessa vez, deixei que o sono viesse.

Porque amanhã, se ela me permitir, estarei de volta.Ao lado dela. Onde sempre foi o meu lugar.

A manhã chegou devagar, com a luz suave atravessando as persianas e desenhando linhas no meu peito nu. Ainda era cedo, mas meu corpo já não me deixava dormir mais. Talvez fosse a dor. Ou talvez fosse a ausência dela.

Levantei sem pressa. Preparei um café amargo demais e engoli a primeira xícara como quem cumpre um ritual. A segunda veio com mais calma, acompanhada do celular na mão e do dedo hesitante sobre o nome dela na tela.

Meu coração deu o mesmo salto que dava desde a primeira vez que ouvi esse nome: Isabella Ricci. Desde o primeiro olhar.Mas eu não liguei. Ainda não.

Ela precisava de espaço. E eu precisava respeitar isso.Ou tentar.

Me vesti com mais cuidado do que o necessário. Camiseta preta, jaqueta de couro, calça jeans escura. Queria parecer forte, estável. Queria que ela visse em mim alguém em quem pudesse confiar.Peguei as chaves e saí.

A cidade já estava viva, o trânsito era um caos, mas tudo parecia distante. O mundo poderia desmoronar e, ainda assim, eu saberia qual era o meu destino, a mansão.

O portão de ferro era imponente, como se tivesse sido feito para afastar o mundo inteiro. Mas ali dentro… ali estava a mulher que eu amava. E as duas pequenas vidas que ainda nem tinham visto a luz do dia, mas que já me ensinavam o que era amor incondicional.

Toquei a campainha. Uma. Duas vezes.

O tempo parecia se arrastar até que a porta se abriu.

E lá estava ela.

Isabella usava um vestido largo, os cabelos soltos, o rosto limpo. E mesmo cansada, mesmo tentando esconder a exaustão, ela continuava sendo a mulher mais bonita que meus olhos já viram.

— Tomas — ela disse, como se meu nome fosse um mistério que ela ainda não tinha decifrado.

— Vim ver como estão.—disse enquanto observava como ela estava cercada por homens que estavam nos observando, mas logo imaginei que seria assim, já que ela é de família de mafiosos e também uma mafiosa.

Ela hesitou. Por um segundo, eu achei que ela fosse me mandar embora.Mas então, ela se afastou da porta, deixando espaço para que eu entrasse.

— Entra. Mas não promete nada que não possa cumprir.

Parei na porta , olhando bem dentro dos olhos dela.

— Eu prometo só o que posso cumprir. E hoje, eu prometo que vou ficar ao seu lado.

Ela não respondeu. Mas também não fechou a porta.

E às vezes, isso já é o começo de tudo.

continua...

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