Hadiya Lopes
Nossa! Esqueci de mencionar! Às vezes ele me ajuda a aprender algumas letras do alfabeto, é o que ele chama, para que eu possa aprender a escrever em um papel. Isso só acontece quando espera todos adormecerem para ficar comigo no meu quarto. Não aprovo que ele minta para ficar comigo, mas os pais dele não deixam que ele se aproxime de mim.
Ele fica aqui, conta uma história que eu nunca ouvi falar, de um tal de Peter Pan… Nem sei quem é, só sei que gosto muito da história e a gente conversa muito.
Todos os dias, ele vem para meu quarto, fazer carinho no meu cabelo, é tão bom quando estou com meu melhor e único amigo.
De tempos em tempos, Kevin prefere ficar ao meu lado em vez de sair para dar uma volta, compartilhando comigo o que aprendeu na escola. Estou absorvendo um pouco do conhecimento dele, pois ele é como um anjo protetor para mim, sempre disponível para ajudar. Tenho apreço por ele e ele será a única pessoa da qual sentirei falta.
Queria tê-lo por perto incessantemente, pois ao lado dele sou plenamente feliz. Meu coração transborda de alegria, é como se estivesse repleto de borboletas coloridas. Não sei por que são borboletas, porém recordo que certa vez, em minha casa, escutei-o dizer palavras apaixonadas.
Na televisão da casa ao lado, uma jovem está se comunicando:
“Quando estou na companhia dele, sinto um turbilhão de emoções! É como se houvesse um enxame de borboletas voando dentro de mim.” Deve ser por isso que meu coração fica assim quando estou perto de Kevin. Quando eu sair dessa casa, que mais parece uma prisão, vou morrer de saudade do meu único amigo.
— Hadiya, não se importe nunca com o que os outros falam de você. Você é muito especial para mim e para a sua família também. — Ele diz. — Não deixe ninguém te humilhar, nunca! Ano que vem eu terei que te deixar aqui, meus pais vão me mandar para estudar em outro lugar.
— Não! Você não pode me deixar aqui sozinha, Kevin. Por favor! — falei enquanto as lágrimas desciam pelo meu rosto.
Sempre tenho Kevin ao meu lado e ia perder meu único amigo, aquele que me ensinou a escrever meu nome e que me protege, eu sempre me sinto segura e muito feliz ao seu lado, inclusive me ensinou a escrever o seu nome.
— Não se preocupe, vai ficar tudo bem! Você vai ver. — Kevin me falava enquanto me abraçava.
Não tenho ideia de como as coisas vão se acertar, no momento em que meu amigo se afasta de mim!
Ele pretende me abandonar nesta casa, desamparada, sem sua presença para me trazer alegria e segurança.
Eu implorava para que o tempo não voasse, pois assim teria mais oportunidades de aprender e compartilhar momentos com ele. Seu rosto é encantador, com a pele suave e olhos da cor do mar, ou talvez verde, embora as nuances das cores ainda me sejam desconhecidas.
Infelizmente, da forma que não esperava, o ano se foi rapidamente.
Completei treze anos há aproximadamente seis meses, Kevin adquiriu um pequeno bolo em segredo, acendeu uma vela e cantou os parabéns para mim.
Meu coração b**e mais forte por Kevin!
Desconheço exatamente o significado do amor, porém acredito que seja o que tenho por ele. É tão agradável estar ao lado dele, porém ele está prestes a partir.
Os pais dele organizaram uma comemoração de quinze anos em sua homenagem, eu desejava intensamente estar presente nesse evento, contudo, após o encerramento da festa e com todos já dormindo, o meu belo amigo veio ao meu encontro e compartilhou comigo todos os detalhes do que havia na festa.
— Feliz aniversário, Kevin! — falei. — Eu nunca, em toda a minha vida vou te esquecer. Eu amo você! — Acabei chorando de novo, estava muito emocionada.
— Por favor, não fique triste. Eu vou voltar todo ano, prometo. Venho aqui só para te ver. — Ele falava para me confortar. — Não quero que você fique triste, nunca! Não chora, por favor. — Kevin me abraçou e me beijou no rosto. Até hoje eu não sei o motivo de ele ser tão bom comigo, com ele me sentia protegida e amada.
Chegou o momento da despedida do meu amigo, infelizmente, e eu não pude me despedir dele, fui novamente deixada trancada dentro da casa.
Era frequente essa situação, quando havia pessoas em casa, eu era obrigada a me isolar, não podia me mostrar de forma alguma, eles me castigavam se eu me mostrasse. No entanto, eu já não derramava mais lágrimas e isso os deixava ainda mais zangados, por eu não demonstrar tristeza diante das punições que recebia em minhas mãos, que ficavam doloridas e extremamente vermelhas.
Constantemente, Kevin ocupava meus pensamentos e eu recordava do modo como ele me tratava. Por isso, evitava derramar lágrimas, pois ele havia pedido que eu não chorasse e eu obedeci. É uma pena que ele tenha partido sem me visitar antes, mas procurei não me abalar com isso. Já nos despedimos e estou confiante de que ele retornará no ano seguinte para me ver.
Com o decorrer dos dias, comecei a perceber que ele não tinha tanto apreço por mim como demonstrava. Poucas pessoas se importam comigo, além da minha mãe, meus irmãos e Maitê.
Acredito que eles não têm mais o mesmo carinho de antes, pois desapareceram. Estou sem saber o paradeiro de minha mãe, ela não veio me buscar, assim como meus irmãos.
Estou extremamente ansiosa em relação a eles!
Será que não terei a oportunidade de vê-los novamente?
Ainda bem que eu sei andar sozinha por aí e posso ir até a minha casa. Acredito que dê para ir a pé, pois não tenho dinheiro. Aliás, nunca peguei dinheiro na minha vida. Contudo, preciso ir ver minha mãe e meus irmãos. Isso se eu conseguir chegar lá.
Anos antes…
Atualmente tenho catorze anos e recebi uma carta de Maitê, que é a funcionária gentil da casa. Ainda não a mencionei, mas ela é muito atenciosa comigo, inclusive mencionou que gostaria que eu fosse sua filha. Prometeu que quando se aposentar, irá me levar para viver em sua casa.
Como eu ansiava por isso!
— Minha filha, o menino Kevin deixou para você.
— Mas, eu não sei ler. Maitê quem vai ler para mim?
— Minha filha, ele pediu para te falar, que ele não quer que você a abra enquanto não aprender a ler e escrever muito bem e realizar o seu sonho. Que é para o desculpar, pois, os pais o proibiram de te ver.
— Mas Maitê, como os pais dele sabiam que ele vinha ao meu quarto? — Perguntei.
— Eles descobriram, minha filha, mas, fica calma, eles não vão te bater mais. O Kevin pediu e eles podem ser ruins, mas respeitam o filho. Ele só foi para esse lugar para se afastar de você, os pais não gostavam de vê-lo com você e é por isso também que Carina e Micaela não conversam com você, os pais não deixam.
— Maitê, conta.
Qual será o meu destino neste lugar? Já não há mais necessidade de permanecer aqui, as meninas já estão crescidas. Vou escapar pela janela e procurar por Kevin, para onde ele terá ido? Mesmo que a janela esteja muito alta, estou disposta a pular para ver meu amigo, o único companheiro que já tive.
— Vou encontrar meu amigo, Maitê! — Falei.
— Não fala bobagem, criança. Ele foi para outro país. Muito longe meu amor, agora pare de chorar, vou fazer o almoço e daqui a pouco eu trago o seu. — Ela fala e vai para cozinha.
Maitê é uma mulher deslumbrante, com um olhar incrível que nunca vi igual, embora os olhos mais bonitos fossem os de Kevin, mas ele se foi e agora os de Maitê me cativam como um horizonte de água azul. Eu nunca nadei em uma piscina, mas consigo imaginar sua beleza, pois meu amigo me mostrou uma foto no celular.
Foi exatamente o nome que ele mencionou, nesse aparelho conhecido como celular, eu presenciei uma piscina pela primeira vez e era muito parecida com os belos olhos de Maitê.
A saudade que sinto dele é tão intensa que parece que meu coração vai saltar do peito a qualquer momento.
— Os patrões falaram que você vai embora, pode deixar as roupas aí.
— A nova empregada disse, se referindo às três peças de roupas que eu tenho para vestir. — Vou dar para outra moça que vem para cá.
Eu me encontrava em prantos sem direção, quando Maitê se aproximou, entregou-me uma chave e algum dinheiro. Inexperiente com valores monetários, fiquei encantada ao receber aquilo e percebi que ela também me entregou um papel com um local indicado.
Ela me informou o itinerário do ônibus que devo tomar até chegar ao terminal, e ao descer do coletivo, eu teria que solicitar orientações para encontrar o caminho até o destino indicado no papel, uma vez que tenho dificuldades com a leitura.
Deixo para trás a casa onde vivi durante tanto tempo, sentindo-me aliviada por finalmente conquistar minha liberdade tão almejada, porém ao mesmo tempo melancólica pela ausência de Kevin ao meu lado.
Após chegar ao ponto, verifiquei o número do ônibus. Quando o ônibus certo finalmente apareceu, entrei e busquei um assento. Enquanto me acomodava, pensei que, agora longe daquela multidão, teria a oportunidade de estudar e quem sabe até frequentar a faculdade no futuro, mesmo que eu já esteja mais velha na época.
Ao alcançar o destino final conforme orientações da Maitê, exibo o endereço ao motorista do ônibus e recebo as instruções de que direção seguir. Caminho por um trecho e alcanço o número apontado no papel, tratava-se de uma casa encantadora. Abro a porta e adentro imediatamente.
Maitê possui uma boa situação financeira?
Hadiya Iniciei meus estudos aos quinze anos, tudo graças à ajuda de Maitê. Se não fosse por ela, não consigo nem imaginar como estaria minha vida hoje, nem onde estaria. Sinto que foi um verdadeiro ato de Deus colocá-la em meu caminho naquele momento de extrema necessidade. Ela me abrigou sob seu teto após ser dispensada sem nenhum apoio pela outra família.Depois que Kevin se foi, as coisas ficaram ainda piores para mim... Dona Cristina intensificou seu ódio por mim, me tratava com hostilidade, proferia palavras ofensivas sem nem ao menos entender o significado delas, me obrigava a lavar um grande volume de roupas e sapatos, além de arrumar os pertences das crianças inúmeras vezes ao longo do dia, dizendo: "— Se você não fizer isso direito, sua maldita, terá que refazer tudo de novo."Vivi muitos anos naquela casa suportando maus tratos daquela senhora, que Deus a perdoe por todo mal que ela causou devido ao preconceito que carrega consigo. Não tenho certeza se consigo perd
Hadiya Lopes — Oi mãe Maitê, cheguei! — Fui ver minha protetora, eu sempre falo isso para ela e para minha amiga quando me pergunta. Tenho uma amiga incrível que me faz muito bem, chama-se Lara e, assim como eu, está solteira e tem 21 anos de idade.Ela me ajudou muito no colégio, enquanto os outros alunos falavam que era um absurdo, uma moça do meu tamanho e minha idade estar na primeira série, nunca tive uma amiga antes e é ótimo ter alguém para conversar.Gente, cadê essa mulher que sumiu?— Mãe? — Gritei pela casa toda e nada. Entrei em seu quarto e a minha mãe estava caída, gritei por ajuda, mas ninguém apareceu.— Você não pode me deixar, por favor! Deus… não leve ela também, todos que eu amava se foram e me abandonaram. — Gritava chorando, os vizinhos ouviram e vieram ver o que estava acontecendo, quando eles chegaram e me viram com a minha querida e amada protetora com a cabeça na minha perna chamaram a ambulância que chegou logo, mas eu já sabia que elaEla se foi e meu uni
Hadiya Escuto meu celular tocar e é minha amiga doidinha, Lara, quem eu amo muito!— O que devo a honra dessa ligação?— Amiga, hoje tem uma inauguração de uma boate e quero que você vá comigo.— Ótimo, preciso mesmo sair para me distrair um pouco.— Como é seu novo patrão? — É o homem mais lindo que já vi na vida.— Uau, você está falando assim de um homem, o achando lindo. — Falou minha amiga com deboche.— Ah, por favor, eu acho outros bonitos também.— Mas não falar com toda essa empolgação toda.— Para de pensar bobagem, ele é um homem casado, ok.— Sério? Ah! Droga minha amiga.— É uma droga mesmo e ele tem até uma filha.— Ah, amiga, mas não tem nada, vamos para essa boate e vai aparecer um super gato para você transar à vontade.— Para de falar tanta bobagem, Lara.— Está bom. As dez horas passo aí para te pegar. Está certo?— Ok.Descansei por um instante, não estava com fome, não entendo o que está acontecendo com meu coração. Aquele sujeito, parece que eu já o vi antes,
Kevin Passaram-se quinze anos desde a última vez em que me encontrei com eles. Já fazia um bom tempo que eu não conversava com meus pais, pois eles me afastaram dela. Aquela garota era a única que me importava profundamente na vida, minha amiga e meu amor, ela significava muito para mim.Com apenas quatorze anos, eu já tinha consciência dos meus sentimentos. Sentia meu coração se entristecer pela maneira como meus pais racistas a tratavam. Para estar com ela, precisava mantê-la em segredo. Desejava estar sempre ao seu lado, mas guardava isso só para mim.Desde que ela veio para minha residência, eu a percebia observando com desejo as nossas lembranças do colégio, o que me causava profunda tristeza e um sentimento de desolação.Eu me perguntava o motivo dela não se dedicar aos estudos. E por qual motivo meus pais não a matriculavam em uma escola? Realmente, era responsabilidade deles providenciarem isso, entretanto, ao invés disso, ela era mantida em reclusão e durante nossas idas ao
Kevin — Papai, a gente vai para onde? — perguntou minha filha.— Vamos para cidade natal do papai, São Paulo, meu amor. — falei.Desejei que ela adquirisse meu idioma, ela conversa fluentemente tanto em português quanto em alemão, mesmo tão novinha, ela já frequentava a escola e é tão perspicaz que aprendeu a falar português com facilidade.Neste momento estou a bordo da aeronave refletindo sobre a minha cidade natal, onde não retorno há mais de quinze anos, meus pais já não residem lá, o que é uma bênção.Retornar à minha cidade me fez recordar daquele período e dela, já fazia bastante tempo que não refletia sobre aquela fase, quando eu era extremamente feliz apenas por estar junto da minha amada.Constantemente meu pensamento estava nela, no entanto, ao retornar para minha cidade hoje, algo despertou dentro de mim e do meu cérebro, fazendo com que eu não consiga parar de pensar nela. Será que ela ainda reside em São Paulo? Ou teria se mudado para algum outro local? É angustiante n
Hadiya Ao despertar, fiquei desorientada quanto ao local em que me encontrava, mas logo percebi que estava em minha própria casa. Como cheguei até aqui ainda é um mistério para mim, porém, levanto-me, dirijo-me ao banheiro e realizo minha rotina de higiene.Visto uma calça de moletom e um casaco de frio, vou preparar café enquanto percebo que a porta do quarto de visitas está aberta. Ao me aproximar, levo um susto: meu chefe está lá. O que ele está fazendo aqui? O que será que eu fiz?Por qual razão meu chefe casado está presente em minha residência?Caramba, que situação complicada, ele está com a sua filha, que é tão adorável e acordou. Ai, meu Deus, agora estou em apuros! Não posso fugir, afinal estou em casa. A menininha me notou e veio em minha direção, fechando a porta onde o pai estava dormindo.— Oi, sou Samantha e você é amiga do meu papai, né? — Falou a garotinha.— Sim, minha linda e eu me chamo Hadiya. Vamos tomar café, minha flor?— Gostei desse nome, tia Hadi.
Hadiya Minha amiga não está disponível o tempo todo, ela tem sua própria rotina. Ela até me convidou para sair, mas não estou interessada. Prefiro deitar na cama, dormir e esquecer os pensamentos que me entristecem, ao observar de perto o Sr. Martinez, ele me faz recordar do meu amigo que se afastou.— Hadiya, você está bem? — indagou o gostoso que não sai da minha mente.Sentia a angústia crescendo dentro de mim, mas precisava manter as lágrimas escondidas, desejava apenas desabafar em silêncio, porém a presença dele só tornava a situação mais complicada.— O que você tem? Você está bem? — ele perguntou.— Sim, estou. — menti. — Está bom, vou embora e amanhã nos vemos no restaurante.— Está bem e obrigada por ter me trazido para casa. Eu agradeço mesmo.Dei um abraço nele que me surpreendeu naquele momento, pois senti uma vontade imensa de permanecer ali para sempre e a emoção de chorar, de repente tomou conta de mim e chorei enquanto estava abraçada, sem perceber a presenç
Hadiya Minha amiga não está disponível o tempo todo, ela tem sua própria rotina. Ela até me convidou para sair, mas não estou interessada. Prefiro deitar na cama, dormir e esquecer os pensamentos que me entristecem, ao observar de perto o Sr. Martinez, ele me faz recordar do meu amigo que se afastou.— Hadiya, você está bem? — indagou o gostoso que não sai da minha mente.Sentia a angústia crescendo dentro de mim, mas precisava manter as lágrimas escondidas, desejava apenas desabafar em silêncio, porém a presença dele só tornava a situação mais complicada.— O que você tem? Você está bem? — ele perguntou.— Sim, estou. — menti. — Está bom, vou embora e amanhã nos vemos no restaurante.— Está bem e obrigada por ter me trazido para casa. Eu agradeço mesmo.Dei um abraço nele que me surpreendeu naquele momento, pois senti uma vontade imensa de permanecer ali para sempre e a emoção de chorar, de repente tomou conta de mim e chorei enquanto estava abraçada, sem perceber a presen