Capítulo 1

Hadiya 

         Iniciei meus estudos aos quinze anos, tudo graças à ajuda de Maitê. Se não fosse por ela, não consigo nem imaginar como estaria minha vida hoje, nem onde estaria. Sinto que foi um verdadeiro ato de Deus colocá-la em meu caminho naquele momento de extrema necessidade. Ela me abrigou sob seu teto após ser dispensada sem nenhum apoio pela outra família.

Depois que Kevin se foi, as coisas ficaram ainda piores para mim... Dona Cristina intensificou seu ódio por mim, me tratava com hostilidade, proferia palavras ofensivas sem nem ao menos entender o significado delas, me obrigava a lavar um grande volume de roupas e sapatos, além de arrumar os pertences das crianças inúmeras vezes ao longo do dia, dizendo: "— Se você não fizer isso direito, sua m*****a, terá que refazer tudo de novo."

Vivi muitos anos naquela casa suportando maus tratos daquela senhora, que Deus a perdoe por todo mal que ela causou devido ao preconceito que carrega consigo. Não tenho certeza se consigo perdoar, mas tenho certeza que Deus perdoa sim!

Ele absorve todas as falhas que cada indivíduo comete, pois Deus é misericordioso, enquanto eu guardo ressentimento em meu coração. Parti daquele lugar com tanta raiva daquelas pessoas por me fazerem passar dificuldades, além de proibirem Maitê de se aproximar de mim e ameaçarem mandá-la embora caso tentasse me ajudar como Kevin fazia.

Eles conversavam abertamente na minha presença, sem se importar com discrição, e eu permanecia em silêncio para evitar que ela magoasse a única pessoa que me queria bem neste universo.

Maitê, é guerreira e já está envelhecida e com questões de saúde e eu fico me questionando o que farei se a minha única mãe partir, estou apreensiva com essa possibilidade, mesmo assim, saio para o trabalho deixando-a sozinha. Preciso trabalhar, se fosse possível, não a deixaria e ela compreende isso, afirmando:

— Minha querida não se preocupe comigo, eu vou ficar bem como todos os dias eu fico. Vai para o seu trabalho com Deus e que ele sempre te acompanhe, meu amor.

— Amém, minha mãe. Espero que quando chegar aqui, você esteja bem. Vou falar com a vizinha para ficar de olho em você e vir aqui te ajudar no que precisar, o almoço já está pronto e a casa limpa, não quero ver você fazendo nada. Me ouviu, dona teimosa? Tchau, te amo.

— Também te amo, minha filha!

Para mim, ela representa tudo, pois foi quem me incentivou a frequentar a escola e é minha guardiã.

Hoje tenho 24 anos de idade e já exerci diversas funções, incluindo trabalhos domésticos, serviços em São Paulo e atualmente estou empregada em um restaurante de alto padrão. Apesar de não ser uma chef renomada, desempenho o papel de recepcionista no estabelecimento, o que garante minha subsistência.

Atualmente possuo habilidades de leitura e escrita e embora não tenha ingressado na universidade, mantenho a esperança de cursá-la no futuro. Por ora, a falta de tempo tem sido um obstáculo, mas tenho planos de realizar meu sonho de frequentar a faculdade em breve.

Tenho o desejo de me tornar professora, no entanto, devido à minha idade, não tenho certeza se seria viável. Já atuo na área financeira há precisamente seis anos, então pretendo seguir algo nesse ramo.

Jamais tive notícias sobre o destino da minha mãe e dos meus irmãos, não faço ideia do que ocorreu, eles simplesmente desapareceram.

Eu me sentia um fardo para minha mãe e acredito que ela não me queria por perto, no entanto estou bem e contente do jeito que sou. Comentei com minha mãe Maitê que desejava aprender a pilotar uma moto, acho tão elegante e seria prático para me deslocar até o trabalho, considerando o caos do trânsito em São Paulo. Ainda não iniciei minhas aulas de direção e não adquiri minha própria moto, pois os custos são elevados e não disponho de recursos financeiros para isso.

Minha mãe sempre demonstra preocupação em relação a mim devido à depressão que enfrentei, quase enlouquecendo, porém agora encontro-me em controle da situação.

Já não necessito mais fazer uso dos medicamentos, o médico interrompeu o tratamento e afirmou que minha saúde está em perfeitas condições, contudo, alertou que qualquer sintoma recorrente devo procurá-lo imediatamente.

Frequentei o psicólogo por um longo período, felizmente no posto de saúde havia esse serviço disponível, o que me permitiu não interromper o acompanhamento, já que naquela época eu trabalhava como empregada doméstica, ganhava pouco e temia acabar em um hospital psiquiátrico. Como conseguiria pagar por sessões de terapia? 

Foi um começo muito desafiador, antes mesmo de receber o diagnóstico e iniciar o tratamento. Eu não tinha vontade de realizar nada, apenas desejava permanecer no escuro, em solidão, sem me comunicar com ninguém, tomada por uma tristeza no meu coração que nunca parecia desaparecer, com pensamentos negativos constantemente me assombrando naquela fase marcada pela depressão.

Não me dirigia mais ao trabalho, os pesadelos com minha mãe e meus irmãos não me davam trégua. Era uma situação terrível!

Isso ocorreu quando eu completava vinte anos, minha amizade sumiu e eu experimentava um desejo intenso de partir, pois todos aqueles que eu amava haviam me deixado.

Eu me perguntei se eu não estava sendo um fardo para Maitê... Até que sua irmã parou de aparecer para visitá-la, desde que ela me acolheu em sua casa, uma dor profunda tomou conta do meu ser, a melancolia não ia embora.

Apenas derramei lágrimas até me sentir melhor, agradeço a Deus, a Maitê e minha amiga Lara, sem elas, não sei o que seria de mim. Não estou em um relacionamento e só tive relações sexuais porque minha amiga ficava insistindo.

— Minha querida, está na hora de você encontrar um namorado. — Ela comentou.

Naquele período, eu estava interessada em um rapaz chamado Gustavo, uma pessoa bastante agradável que também sentia atração por mim.

Um dia ele me convidou para sair e eu aceitei, depois de um mês de namoro, decidimos ter relações íntimas. Continuamos namorando por mais um tempo, mas logo em seguida decidi terminar tudo. Já não queria mais um relacionamento sério, apenas buscava momentos de prazer quando tinha vontade. É assim que funciona entre nós: quando desejo realizar nossas fantasias e sei que ele está disponível, nos encontramos e nos divertimos juntos. Depois, cada um segue seu caminho, ele vai para casa dele e eu fico na minha. Essa amizade com benefícios é positiva para ambos.

Estou agora no meu local de trabalho refletindo sobre a vida, e como sempre, lembrando do meu amigo de infância, que deve estar agora um adulto. Ainda não abri a carta que ele me enviou, mas em breve irei ler. Não estou com pressa, prefiro mantê-la fechada, como uma lembrança de que um dia tive um grande amigo, o pequeno Kevin, que jamais esquecerei. Espero um dia revê-lo e sentir aquela sensação de proteção novamente, que só ele e mais algumas pessoas, como minha mãe Maitê e minha amiga Lara, me proporcionam. Com ele era algo especial, incapaz de explicar, apenas desfrutava de sua presença.

Ele expressava palavras tão encantadoras para mim, que fico admirada com a sua capacidade de aprender tantas coisas belas para me dizer ou será que ele criava? Acredito que não, pois ele era o rapaz mais perspicaz que já encontrei.

Sinto falta do meu companheiro, sinto um vazio no peito que parece nunca se preencher, tudo por conta da sua falta. Tenho a certeza de que um dia nos encontraremos novamente e poderei dizer o quanto o amo, mesmo que ele nunca tenha expressado esse sentimento por mim.

Será que a afeição que ele sentia por mim era real? A questão é que, atualmente, não sei se seria capaz de reconhecê-lo caso o encontrasse. Parece que a imagem dele foi apagada da minha memória e só consigo lembrar que ele tinha pele clara. O resto do seu rosto não consigo mais recordar, mesmo tendo doze anos quando nos conhecemos. É estranho como essa parte da minha mente bloqueou essa lembrança, pois diversas vezes tento recordar o semblante do meu amigo e não consigo visualizá-lo claramente. A única certeza que tenho é de que ele tratava muito bem de mim.

Ele deixava de lado todas suas responsabilidades para estar ao meu lado, me ensinou a gravar meu próprio nome. Tenho certeza que não era uma farsa da parte dele toda aquela preocupação comigo.

Admirava profundamente ele, mesmo com apenas doze anos de idade naquela época, porém meus sentimentos eram genuínos e continuam vivos até hoje. Kevin sempre terá um lugar especial em meu coração, independentemente de sua idade atual. Minhas memórias mais queridas são da época em que ele era apenas um garoto pequeno.

Por que razão todas as coisas precisam ser tão complicadas? Seria tão bom se ele resolvesse surgir, pelo menos aliviaria a melancolia que habita em meu coração. A simples visão de seu sorriso quando ainda era uma criança era capaz de me trazer imensa alegria. Recordo-me claramente de como ele sorria e conseguia também me fazer sorrir. Incrível!

Desejava muito recordar dele. Sofri de amnésia em relação ao meu amigo, nunca questionei ao médico se isso é comum, não lembrar de alguém de sua aparência.

Onde você se encontra, meu amigo?

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