Hadiya
15 anos antes
Minha vida nunca foi fácil. Comecei a trabalhar cedo em uma casa de família cuidando de crianças. Não frequentei a escola porque tinha que cuidar dos meus dois irmãos enquanto minha mãe trabalhava.
Não brincava como as meninas da minha idade porque não tinha tempo para isso.
Minha mãe foi obrigada a me entregar para uma família, pois nossa situação estava cada vez mais complicada e não tínhamos alimento suficiente. Ela fez isso para o meu próprio bem, já que ver os filhos passando fome é algo que nenhuma mãe deseja.
Meus outros irmãos, por serem meninos, não foram aceitos pela família, então ficaram com minha mãe. Ela planejava matriculá-los na escola para ver se conseguia um emprego, o que estava muito difícil, segundo ela.
Era complicado demais não ter o que comer e ver meus irmãos menores passando fome. Muitas vezes, quando minha mãe saía em busca de emprego, eu pedia comida aos vizinhos, pois essa era a única maneira de não passarmos fome.
Eu desejava que meus irmãos não sofressem, pois meu coração doía ao vê-los com fome ou pedindo comida e não termos nada em casa. Muitas vezes, vi minha mãe chorando por não ter conseguido um emprego e por não haver alimento em casa. Coitada, ela sofria muito com essa situação.
Um dia, enquanto caminhava, minha mãe ouviu que alguém precisava de uma menina da minha idade para brincar com seus filhos e ajudar nas tarefas, como cuidar das coisas das crianças e levar elas à escola. Essa senhora prometeu colocar-me na escola para estudar junto com seus filhos, mas isso nunca aconteceu.
Completei um ano nessa posição e essas pessoas, para quem minha mãe me entregou, nunca me deram nem mesmo um centavo, o que acho horrível. Quem trabalha merece receber algo em troca.
Eu sempre ouvia minha mãe dizer que ganhava pouco, mas estava satisfeita porque pelo menos recebia. Ela sempre deixava claro que não era escrava para trabalhar de graça, e que seus patrões precisavam pagar a ela. Agora, esse povo aqui não me paga nem me dá roupas. Ainda estou com as mesmas três peças de roupa com que cheguei.
Faço tudo o que eles pedem, e ainda me tratam mal. A patroa não gosta de mim, e eu não sei por quê. Não entendo por que ela não fala para a minha mãe vir me buscar.
Essas pessoas são muito ruins. Espero que ninguém mais passe pela situação em que me encontro, porque lugar de adolescente é na escola, e não como eu, sem estudo e sendo maltratada. Quando esse povo vai ao restaurante, me deixam do lado de fora brincando com as crianças, mas não me dão o que comer. Só sinto o cheiro da comida, enquanto meu estômago ronca.
Não era possível habituar-me a essa situação, mas qual era a alternativa?
Absolutamente nenhuma!
Eu estava na fase de crescimento e só queria frequentar a escola e aprender a ler.
Acho lindo quem sabe ler. A garotinha daqui tem só sete anos e sabe ler tudo, até em um aparelho chamado celular. Eu nunca nem peguei em um na vida. Eu nem assisto TV aqui, imagina pegar em um celular.
Meu sonho é estudar e me tornar professora. Mas não sei quando isso vai acontecer, porque a dona Cristina só fala que vai me colocar na escola, mas diz que ainda não há vagas. Ela sempre diz isso.
É muito difícil ficar aqui nesta casa sem minha mãe e meus irmãos, que amo tanto. Minha mãe costumava me dizer que, para alcançar algo na vida, é necessário se dedicar aos estudos. No entanto, como eu poderia conquistar algo se nunca fui matriculada em uma escola? Fico pensando no meu futuro, sempre desejando aprender, e nunca deixarei de desejar isso. Mas às vezes a vida é tão desigual, com algumas pessoas tendo tudo, enquanto outras não têm absolutamente nada.
Entretanto, é fundamental persistir com os nossos sonhos, pois sem eles, qual será o nosso destino?
Eu não tive a oportunidade de concluir minha educação formal, mas mantenho a esperança de que um dia conseguirei ler e escrever. As crianças merecem ter acesso à educação, aproveitar a infância e não serem obrigadas a trabalhar. Deveria ser assim, ao contrário do que vivi, sempre forçada a trabalhar, seja nesta casa onde não sou bem-vinda, ou na minha verdadeira casa, onde todos me amavam.
Aqui, as crianças se sentem constrangidas com a minha presença e evitam minha companhia. Uma vez, quando estavam a caminho de uma festa de aniversário, fui convocada para ajudar, embora minha função fosse apenas carregar as coisas das crianças. Quando nos aproximávamos da casa onde seria a festa, uma das meninas pediu que eu me abaixasse.
Decidi permanecer no meu lugar, sem abaixar a cabeça, apesar dos olhares desaprovadores de Dona Cristina, que optou por não dizer nada.
Vivemos em uma sociedade peculiar que não me aceita simplesmente devido ao tom da minha pele.
— Sua negra nojenta! — Eu ficava triste por ser tratada como se tivesse alguma doença de pele contagiosa. Entretanto, o importante é que eu, Hadiya, gosto da minha cor e me amo. Não posso fazer nada se eles não gostam. Sequer me importo com esse povo, mesmo que doa.
Ah!
Minha mãe já arrumou emprego, mas ainda não me levou para casa. Não sei por quê. Quero muito ver meus irmãos e ficar perto da minha mãe. Não estou acostumada a ficar tanto tempo longe dela, e agora já faz tanto tempo.
Por que não posso ser permitida fazer isso também?
Eu realmente desejo estar com minha família, mas minha mãe entra em conflito comigo sempre que menciono meu desejo de retornar. Desconheço o motivo pelo qual devo permanecer sofrendo naquele local terrível, sendo maltratada por pessoas pelas quais não tenho afeto e que igualmente não nutrem simpatia por mim.
Ainda sou menor de idade e não tenho autoridade para me virar sozinha. Se tivesse, pegaria um ônibus e iria embora, mas nem sei como fazer isso.
Só o Kevin é gentil comigo. Ele é o único que não me despreza e sempre me trata com cortesia e amabilidade. Ele me ajuda secretamente, enxuga minhas lágrimas quando choro e me abraça com carinho, como se fosse meu irmão mais velho. Mesmo sendo apenas um adolescente de treze anos, ele provém de uma família rica, embora saiba que dinheiro não define o caráter de alguém.
Ele mencionou que no futuro, eu conquistarei todos os meus desejos, e tenho fé nisso. Em algum momento, me tornarei quem eu quiser, mas ainda não defini meus objetivos!
Não possuo habilidade para redigir meu próprio nome, mas acredito que algo positivo está por vir. Não sei o que será ou quando ocorrerá, contudo, a certeza de que algo bom acontecerá persiste em meu íntimo.
Hadiya LopesNossa! Esqueci de mencionar! Às vezes ele me ajuda a aprender algumas letras do alfabeto, é o que ele chama, para que eu possa aprender a escrever em um papel. Isso só acontece quando espera todos adormecerem para ficar comigo no meu quarto. Não aprovo que ele minta para ficar comigo, mas os pais dele não deixam que ele se aproxime de mim. Ele fica aqui, conta uma história que eu nunca ouvi falar, de um tal de Peter Pan… Nem sei quem é, só sei que gosto muito da história e a gente conversa muito. Todos os dias, ele vem para meu quarto, fazer carinho no meu cabelo, é tão bom quando estou com meu melhor e único amigo.De tempos em tempos, Kevin prefere ficar ao meu lado em vez de sair para dar uma volta, compartilhando comigo o que aprendeu na escola. Estou absorvendo um pouco do conhecimento dele, pois ele é como um anjo protetor para mim, sempre disponível para ajudar. Tenho apreço por ele e ele será a única pessoa da qual sentirei falta.Queria tê-lo por perto incess
Hadiya Iniciei meus estudos aos quinze anos, tudo graças à ajuda de Maitê. Se não fosse por ela, não consigo nem imaginar como estaria minha vida hoje, nem onde estaria. Sinto que foi um verdadeiro ato de Deus colocá-la em meu caminho naquele momento de extrema necessidade. Ela me abrigou sob seu teto após ser dispensada sem nenhum apoio pela outra família.Depois que Kevin se foi, as coisas ficaram ainda piores para mim... Dona Cristina intensificou seu ódio por mim, me tratava com hostilidade, proferia palavras ofensivas sem nem ao menos entender o significado delas, me obrigava a lavar um grande volume de roupas e sapatos, além de arrumar os pertences das crianças inúmeras vezes ao longo do dia, dizendo: "— Se você não fizer isso direito, sua maldita, terá que refazer tudo de novo."Vivi muitos anos naquela casa suportando maus tratos daquela senhora, que Deus a perdoe por todo mal que ela causou devido ao preconceito que carrega consigo. Não tenho certeza se consigo perd
Hadiya Lopes — Oi mãe Maitê, cheguei! — Fui ver minha protetora, eu sempre falo isso para ela e para minha amiga quando me pergunta. Tenho uma amiga incrível que me faz muito bem, chama-se Lara e, assim como eu, está solteira e tem 21 anos de idade.Ela me ajudou muito no colégio, enquanto os outros alunos falavam que era um absurdo, uma moça do meu tamanho e minha idade estar na primeira série, nunca tive uma amiga antes e é ótimo ter alguém para conversar.Gente, cadê essa mulher que sumiu?— Mãe? — Gritei pela casa toda e nada. Entrei em seu quarto e a minha mãe estava caída, gritei por ajuda, mas ninguém apareceu.— Você não pode me deixar, por favor! Deus… não leve ela também, todos que eu amava se foram e me abandonaram. — Gritava chorando, os vizinhos ouviram e vieram ver o que estava acontecendo, quando eles chegaram e me viram com a minha querida e amada protetora com a cabeça na minha perna chamaram a ambulância que chegou logo, mas eu já sabia que elaEla se foi e meu uni
Hadiya Escuto meu celular tocar e é minha amiga doidinha, Lara, quem eu amo muito!— O que devo a honra dessa ligação?— Amiga, hoje tem uma inauguração de uma boate e quero que você vá comigo.— Ótimo, preciso mesmo sair para me distrair um pouco.— Como é seu novo patrão? — É o homem mais lindo que já vi na vida.— Uau, você está falando assim de um homem, o achando lindo. — Falou minha amiga com deboche.— Ah, por favor, eu acho outros bonitos também.— Mas não falar com toda essa empolgação toda.— Para de pensar bobagem, ele é um homem casado, ok.— Sério? Ah! Droga minha amiga.— É uma droga mesmo e ele tem até uma filha.— Ah, amiga, mas não tem nada, vamos para essa boate e vai aparecer um super gato para você transar à vontade.— Para de falar tanta bobagem, Lara.— Está bom. As dez horas passo aí para te pegar. Está certo?— Ok.Descansei por um instante, não estava com fome, não entendo o que está acontecendo com meu coração. Aquele sujeito, parece que eu já o vi antes,
Kevin Passaram-se quinze anos desde a última vez em que me encontrei com eles. Já fazia um bom tempo que eu não conversava com meus pais, pois eles me afastaram dela. Aquela garota era a única que me importava profundamente na vida, minha amiga e meu amor, ela significava muito para mim.Com apenas quatorze anos, eu já tinha consciência dos meus sentimentos. Sentia meu coração se entristecer pela maneira como meus pais racistas a tratavam. Para estar com ela, precisava mantê-la em segredo. Desejava estar sempre ao seu lado, mas guardava isso só para mim.Desde que ela veio para minha residência, eu a percebia observando com desejo as nossas lembranças do colégio, o que me causava profunda tristeza e um sentimento de desolação.Eu me perguntava o motivo dela não se dedicar aos estudos. E por qual motivo meus pais não a matriculavam em uma escola? Realmente, era responsabilidade deles providenciarem isso, entretanto, ao invés disso, ela era mantida em reclusão e durante nossas idas ao
Kevin — Papai, a gente vai para onde? — perguntou minha filha.— Vamos para cidade natal do papai, São Paulo, meu amor. — falei.Desejei que ela adquirisse meu idioma, ela conversa fluentemente tanto em português quanto em alemão, mesmo tão novinha, ela já frequentava a escola e é tão perspicaz que aprendeu a falar português com facilidade.Neste momento estou a bordo da aeronave refletindo sobre a minha cidade natal, onde não retorno há mais de quinze anos, meus pais já não residem lá, o que é uma bênção.Retornar à minha cidade me fez recordar daquele período e dela, já fazia bastante tempo que não refletia sobre aquela fase, quando eu era extremamente feliz apenas por estar junto da minha amada.Constantemente meu pensamento estava nela, no entanto, ao retornar para minha cidade hoje, algo despertou dentro de mim e do meu cérebro, fazendo com que eu não consiga parar de pensar nela. Será que ela ainda reside em São Paulo? Ou teria se mudado para algum outro local? É angustiante n
Hadiya Ao despertar, fiquei desorientada quanto ao local em que me encontrava, mas logo percebi que estava em minha própria casa. Como cheguei até aqui ainda é um mistério para mim, porém, levanto-me, dirijo-me ao banheiro e realizo minha rotina de higiene.Visto uma calça de moletom e um casaco de frio, vou preparar café enquanto percebo que a porta do quarto de visitas está aberta. Ao me aproximar, levo um susto: meu chefe está lá. O que ele está fazendo aqui? O que será que eu fiz?Por qual razão meu chefe casado está presente em minha residência?Caramba, que situação complicada, ele está com a sua filha, que é tão adorável e acordou. Ai, meu Deus, agora estou em apuros! Não posso fugir, afinal estou em casa. A menininha me notou e veio em minha direção, fechando a porta onde o pai estava dormindo.— Oi, sou Samantha e você é amiga do meu papai, né? — Falou a garotinha.— Sim, minha linda e eu me chamo Hadiya. Vamos tomar café, minha flor?— Gostei desse nome, tia Hadi.
Hadiya Minha amiga não está disponível o tempo todo, ela tem sua própria rotina. Ela até me convidou para sair, mas não estou interessada. Prefiro deitar na cama, dormir e esquecer os pensamentos que me entristecem, ao observar de perto o Sr. Martinez, ele me faz recordar do meu amigo que se afastou.— Hadiya, você está bem? — indagou o gostoso que não sai da minha mente.Sentia a angústia crescendo dentro de mim, mas precisava manter as lágrimas escondidas, desejava apenas desabafar em silêncio, porém a presença dele só tornava a situação mais complicada.— O que você tem? Você está bem? — ele perguntou.— Sim, estou. — menti. — Está bom, vou embora e amanhã nos vemos no restaurante.— Está bem e obrigada por ter me trazido para casa. Eu agradeço mesmo.Dei um abraço nele que me surpreendeu naquele momento, pois senti uma vontade imensa de permanecer ali para sempre e a emoção de chorar, de repente tomou conta de mim e chorei enquanto estava abraçada, sem perceber a presenç