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Um encrenqueiro sedutor

Capítulo 1

Um encrenqueiro sedutor

Meia noite e meia. Sexta-feira. O rapaz de cabelos longos castanho-claro até abaixo dos ombros e de olhos azuis escuros se esforçava sobre o corpo de uma modelo muito bonita, loira, de olhos castanhos. Os outros frequentadores do motel de luxo, deveriam estar ouvindo os gritos de prazer da mulher que suava sobre os lençóis caros enquanto emitia grunhidos sem se importar com a vizinhança. O homem deslizava as mãos pelas ancas largas e alvas da loira a puxando contra seu corpo enquanto ouviam o barulho surdo de seus corpos se chocando no meio da noite. O casal já estava ali há horas entre o suor e os aromas que subiam de ambos os corpos naquele frenético sexo rude e grosseiro.

Os cabelos longos dele molhavam-se no suor do peito tatuado por vezes grudando e ficando presos as gotas que desciam do pescoço enquanto no rosto alguns fios se colavam à bela barba bem cultivada. Alguns tapas eram desferidos das mãos habilidosas e experientes do homem ordenando que a loira chegasse a seu clímax. As pequenas mãos da mulher apertavam o lençol enquanto ela mordia os lábios aguentando aquelas investidas rudes contra seu corpo, porém deliciosas. A loira empinava seu quadril sentindo toda aquela pegada gostosa, deixando-se cada vez mais entregue. Assim que atingiu o clímax, a loira se jogou na cama, deslizando as mãos para frente pelo lençol sendo interrompida.

- Não, meu bem, eu ainda não fui.

O homem disse com aquela voz grave num tom passivo agressivo a puxando de volta. Apesar de ter sentido os espasmos da companheira daquela noite, ele não conseguia chegar lá. Embora a achasse linda e gostosa, sua cabeça estava em outro lugar naquela noite. Imagens da empresa que gerenciava junto com a mãe pulavam a sua frente como um filme, contas a pagar e acionistas tentando comprar mais ações. Como se não bastasse aquilo tudo, Vitor tinha que lidar com o anúncio de um casamento precoce do irmão mais novo com a namoradinha recém saída das fraldas e que com certeza deveria ser uma golpista. Vitor se afastou da loira e se jogou na cama de barriga para cima olhando o teto com um dos braços sobre a testa. A loira o olhou, quase sem fôlego.

- Conheço esse seu olhar, está preocupado...

- Não, não - Tentou disfarçar e começou por se levantar - Você está satisfeita, Laís, é isso que interessa, eu tenho muitas coisas na cabeça essa semana.

- Eu disse, preocupado, mas você tem que primeiro dizer não para depois confirmar o mesmo só que com suas palavras...desse jeito, assim vai continuar sozinho.

Ele a olhou fazendo expressão de enfado e entrou no banheiro para tomar um banho. Vitor se escorou no vidro do box pensando na vida enquanto passava a mão pela barba e pescoço. Não queria que tivesse acontecido o que aconteceu com a loira, mas andava bastante estressado com a família. Ele não era um homem de escritório. Estava lá pela mãe e pelos dois irmãos mais novos. Quando o pai faleceu de infarto há cinco anos, Vitor assumiu as ações da Assis Ferreira Construtora e todos os seus contratos, mas bem contrariado. O homem de trinta e um anos gostava mesmo é de suas motos e do vento da liberdade batendo no rosto no meio da estrada. Sentia falta mesmo do seu grupo de motoqueiros, de bandanas na cabeça e colete de couro, cheio de cordões e pulseiras de prata e couro pendurados. Vitor Assis era um homem que amava sua liberdade e tudo que o roubava dela o irritava. Metia-se em confusões as vezes só para sentir a adrenalina de novo. Não era um homem inconsequente, pelo contrário, tinha muita responsabilidade com a família, mas não gostava de viver como um pássaro de gaiola.

Vitor tomou seu banho e saiu já apressando a companheira. Laís era uma amiga com benefícios, mas daquelas apaixonadas por Vitor mesmo sabendo que não tinha qualquer chance com ele. Ela sabia do amor dele pela estrada e a vida sem compromissos então respeitava isso. Considerava que o que tinha dele era suficiente e isso a deixava feliz e triste ao mesmo tempo. Sabia que ele tinha muitas pretendentes, mas já que não podia fazer nada quanto a isso, pelo menos tentava se manter no topo das favoritas. Se algum dia ele se interessasse por ficar firme com alguém, ela estaria ao lado dele como uma ótima opção.

Vitor viu a garrafa de champagne que o motel sempre disponibilizava para ele ali sobre a mesa da sala de jantar do quarto e a pegou para sair bebendo no gargalo. Laís balançou a cabeça.

- Não vai dirigir? Pára com isso Vitor, me dá essa garrafa, você pode cair numa blitz!

- Meu bem, fica tranquila, vamos embora, vou te deixar em casa.

Laís já estava vestida. De forma rápida tinha se enfiado na sua calça jeans e no corpete preto com o qual tinha se encontrado com ele e calçava os saltos altos ainda andando tentando o acompanhar. Laís saiu prendendo os cabelos descendo as escadas da garagem do motel, fazendo um rabo de cavalo nos cabelos loiros achando que Vitor jamais teria respeito por mulher alguma.

Lá fora estava calor e já no Jeep renegade dele, Vitor se sentava jogando um gole de champagne goela abaixo enquanto a esperava. A loira se sentou ofegante com a bolsa no colo o olhando.

- Você não toma jeito, não, é caso perdido. - Disse virando o rosto para a janela, sentindo os olhos encherem d'água.

- Eu não fiz nada de errado com você, o que queria de mim?

- Que você...você...né?

- Gozasse? Laís, você gozou, não foi? Por que não está bom assim? Por que nunca está bom para as mulheres? Depois as pessoas reclamam que sou solteiro...

Ele ligou o carro e saiu dali para passar na recepção do motel e deixar claro que o pagamento seria mensal como sempre. Vitor visitava pelo menos duas ou três vezes o motel por mês e o dono era seu conhecido. Algumas vezes as despesas ficavam por conta do motel devido a sua influência. O carro tomou conta das ruas em alta velocidade. Era quando Vitor se sentia satisfeito, a velocidade, o vento batendo no rosto quando abria a janela. Os cabelos, quando voavam e batiam em seu rosto era a sua sensação preferida na vida. Laís chorava em silêncio ao seu lado sem que ele notasse.

Ao chegar à frente do prédio dela na Gávea, Vitor se virou e colocou o braço sobre o encosto do carona a olhando. Quando viu os olhos molhados da amiga, sua feição se transformou em uma expressão mais carinhosa.

- O que foi? - Perguntou

- Nada, Vitor, eu só vou entrar e esquecer você.

Vitor suspirou fundo. Não sabia por que do drama, uma vez que tudo entre eles tinha sido combinado. Olhou a rua, uma possibilidade maravilhosa de fuga e liberdade. De madrugada as ruas ficavam deliciosamente vazias, do jeito que ele gostava.

- Laís, - Ele se voltou para ela - Não entendo você, uma hora você nem atende minhas ligações, outra hora você me liga e pede para sair, outra hora diz que está namorando um cara, eu não sei o que pensar mais...

- É.. - Retrucou ela - É que eu evito te dizer que sou apaixonada por você para não te afastar, mas aí eu me aproximo de novo e não sei o que fazer.

Vitor baixou os olhos para o chão do carro e viu ali a garrafa de champagne do motel. Apaixonada... Não era bem o que ele queria, devia lembrar a ela que tinham um acordo de amigos com benefícios? Ele a olhou com dó.

- Eu acho lindo que esteja apaixonada, mas sabe como eu sou e que pretendo continuar sendo como eu sou.

- Claro, com todas as mulheres lindas aos seus pés a hora que quer, eu também seria como você... ia me casar com cinquenta anos e comer todas as mulheres que eu pudesse durante vinte anos, esse é você!

Laís abriu a porta do carro furiosa e bateu com toda a força.

- Ei, minha porta!

- Fica com sua porta, fode com seu carro e pisa no meu coração, seu desgraçado!

- Laís?! - Ele ainda gritou.

Logo Vitor retrucou.

Mulher é atraso de vida, merda...

Vitor ligou o carro e saiu cantando os pneus. Então abaixou-se rapidamente e pegou a garrafa retirando a rolha com uma das mãos para virar nos lábios. Em seguida ligou o dvd do carro em Creed "Freedom fighter".

- The mouths of envious

Always find another door

While at the gates of paradise

They beat us down some more

Ele começou a cantar alto e chacoalhar a cabeça no melhor estilo grunge de Seattle da década de noventa. Acelerou o carro com o som alto, cantando para si mesmo enquanto sentia o vento gelado da proximidade da praia em seu rosto. Assim que chegou em casa, apertou o botão da garagem e a viu subir para entrar com o carro. A mansão cor verde em que morava no Leblon abrigava toda a família e certamente não queria acordar ninguém. Desligou o som antes de entrar na garagem e não bateu a porta do carro. Vitor carregava a garrafa de champagne nas mãos e andava com seu coturno pelo jardim tentando não fazer barulho. Uma luz se acendeu no quarto do andar de cima, o da sua mãe. Assim que ele viu a luz tratou de correr para dentro de casa. Se sua mãe o pegasse com uma garrafa de álcool nas mãos depois de dirigir, seria bronca na certa e ele estava farto de sermões.

Assim que passou pela porta, escondeu a garrafa de champagne em um vaso de flores. Era ainda um moleque de trinta e um anos, adorava a vida e detestava muitas responsabilidades embora as encarasse bem e apropriadamente sempre. A mãe apareceu do alto da escada. Uhumm A senhora pigarreou e Vitor ergueu o olhar. Ela estava com um robe de seda cor creme, tinha os cabelos tingidos de cor de ovo, ou pelo menos era assim que ele a via e dormia de maquiagem quando esquecia de remover. A mãe tinha encontros as cegas as vezes. Embora soubesse que era perigoso, o fogo da jovem senhora ainda ardia bravamente e ela precisava aplacá-lo. Vitor subiu as escadas lentamente.

- Nem estou bêbado, dona Vânia...

- Eu não disse nada, mas sei que bebeu ou estava de farra. Você comeu pelo menos Vitor?

- Comi, dona Vânia! - Entrou para seu quarto passando pela mãe com cheiro de cigarro e champagne.

Vânia, a mãe de três adultos já bem crescidinhos não conseguia dormir enquanto não estivessem em casa, a salvo. Ele evitava fazer barulho, mas ela ouvia tudo apuradamente com o seu ouvido e intuição de mãe. Olhou a casa toda. Todos os alarmes pareciam em ordem, a casa jazia naquela penumbra que ela amava, em tons de branco e marrom. Aquele marrom jacarandá, caríssimo que fazia parte de toda a mobília da casa onde não havia a predominância do branco.

Vãnia abriu a porta do quarto do filho e o pegou já nu. Vitor pegou rapidamente uma toalha e colocou na frente do corpo. A mãe correu os olhos pelo quarto muito bem arrumado do filho mais velho e cruzou os braços. Eles se olhavam de pé.

- Melhor a senhora dar logo sua bronca e sair que eu preciso dormir, amanhã tem uma reunião na empresa de manhã.

- Eu sei, eu vou estar lá, esqueceu?

- Então... - Ele a encarava com os olhos azuis acinzentados que herdou do pai. Os demais irmãos tinham olhos castanhos.

- Então Vitor... - Ela pausou - Você está com trinta e um e seu irmão mais novo vai casar primeiro.

Ele deu de ombros.

- Não entendi por que eu devo me importar. Aliás, mãe, a senhora já não acha que sou adulto o suficiente para bater na porta do meu quarto antes?

- É minha casa, não sei se sabe, mas enquanto estiver sob o meu teto, não tem essa coisa de mulher na minha casa e bebedeira.

Ele sorriu com sarcasmo.

- Dona Vânia...

- Mãe!

- Mãe... - Ele pausou rindo - Eu não estou bêbado, não bebo quando saio com amigas e se é tão incomodo assim, amanhã mesmo eu procuro um apartamento para mim, mas devo lembrar a senhora que eu voltei porque a senhora me pediu, depois que meu pai...enfim...

- Vai usar meu luto contra mim? - Vânia apertou os lábios mostrando a expressão triste em lembrar do marido que amava.

- De forma alguma, mas eu vim pela senhora minha mãe, eu estou sob o seu teto agora porque por mim eu estaria sob o meu. Eu vim lhe socorrer na sua depressão e estou aqui nesses três anos, não é justo jogar isso na minha cara.

- Não estou jogando, mas será que você não reconhece minha preocupação, filho? Você gosta de andar por aí e é responsável, eu reconheço mas se você casasse...isso acalmaria meu coração, tem certeza que não tem uma garota nesse mundo que te interesse nem um pouco?

- Para que? Para só querer meu dinheiro e andar atrás dela comprando colares e jóias ou viver pagando academia para uma garota fútil que vai ficar se exibindo no i*******m com uma poddle no colo?

- Você também vive em academia...isso não é pretexto.

- Eu sou o cara que tem dinheiro, mãe, elas são todas vazias e sem estudo, sem ambição na vida.

Ele caminhou em direção ao chuveiro e tirou a toalha. Sua mãe virou o rosto.

- Meu Deus, Vitor! Então porque não se empenha em achar uma mulher do seu nível, com estudo, bonita, sei lá, do jeito que você gosta.

Vitor tentou imaginar, sob o chuveiro, uma mulher do tipo que gostasse. Dentre todas as ficantes e pretendentes que o rondavam como mosca na sopa, nenhuma delas tinha uma conversa inteligente, edificante, engraçada, sem querer agradar a ele a todo custo.

- Não, infelizmente não mãe...vá deitar, amanhã cedo temos reunião, pára de pensar em esposa para mim e pensa na sua felicidade, eu sou feliz assim.

- Eu espero mesmo que seja, meu amor, porque eu ia detestar te ver infeliz e sozinho no final da minha vida.

Vânia saiu do quarto e Vitor ficou pensando no que ela dissera. Infeliz e sozinho. Ele já era um pouco assim. Fazia tudo que não gostava por causa da responsabilidade familiar e profissional. Já seria demais também se casar só para agradar a mãe que tinha medo de que ele enfiasse a cara em um poste em uma madrugada qualquer. Casamento não impede acidentes ou tragédias. Lembrava do dia em que seu pai morreu, o dia mais infeliz de sua vida. Uma tragédia já era suficiente para sua mãe. Vitor era selvagem, gostava da vida livre, da velocidade, do perigo mas não a ponto de matar sua mãe de medo. Os seus riscos eram calculados. Ele se sentia uma alma selvagem, mas não a ponto de morrer pela liberdade.

Do outro lado da cidade, no bairro de São Cristovão, uma moça chegava em casa depois de cantar na noite. Era uma morena não muito alta, um metro de sessenta e oito, de cabelos cheios de luzes loiras e de olhos bem maquiados e cansados. Os pés ardiam no salto alto. Ela tinha ficado em pé o dia todo como instrutora de dança e depois das vinte horas saía de casa para mostrar seus dotes de cantora no bar. Era seu dever esperar o caixa fechar para pegar seu couvert e ir para casa. O dono do bar nem esperava fechar para pagar a sua cantora, pois sabia que sua rotina era cansativa. Assim que o carro do aplicativo parou em frente a sua porta, dois homens numa moto pararam ao lado deles.

- Passa tudo, perdeu loirinha!

Um deles apontava a arma para a cabeça da jovem.

- Pelo amor de Deus, leva tudo! - Gritou ela.

O motorista do aplicativo ergueu as mãos e assim que foi ordenado deu sua féria toda do dia para os assaltantes. Ela deu o celular e o couvert todo da noite. Os assaltantes foram rapidamente embora arrancando o celular da mão dela e do motorista. A sensação de ódio e perda era tão imensa que ela começou a gritar no meio da rua assim que eles se afastaram. O motorista do aplicativo saiu do carro ainda por cima brigando com ela.

- Moça a senhora devia ter me avisado que sua rua era perigosa e agora como eu fico?

Ela o olhou tão indignada que tirou o salto alto o ameaçando.

- Olha aqui, seu imbecil, eu não sabia, eu fui tão assaltada quanto você, idiota!!

- Temos que ir à delegacia!

- Eu não vou a nenhum lugar essa hora da noite e eles nem vão se mexer mesmo, já era meu celular, vou ter que me virar, ódio!

Ela entrou em casa largando o homem falando sozinho na calçada, mas ele prontamente entrou em seu carro e foi embora para não ficar tempo à toa ali, ainda por cima chamando a atenção de vizinhos que começavam a acender as luzes de casa.

- Mariana?

A voz doce familiar a encontrou na sala, de camisola branca e os cabelos presos no alto na cabeça, com cara de sono.

- Mãe! Eu fui assaltada! Aqui na porta!

- Meu Deus, minha filha, você está bem?

Mariana andou com pressa para seu quarto, jogando as chaves no criado mudo e começando em seguida a se despir. A mãe a seguiu, preocupada.

- Filha, o que eles levaram?

- Meu couvert todo mãe, e meu celular! Ódio!

A loira falava entrando no banheiro da suíte e se enfiando sob a água gelada.

- Eu ainda estou tremendo mãe, como está o papai? Não me diz que a gritaria acordou ele!

- Não, não acordou, ele dorme igual uma pedra mas eu que não durmo, não é melhor você parar de cantar na noite minha filha? A cidade está muito perigosa.

- Mãe, eu complemento meu salário com isso, eu tenho o meu sonho, a senhora sabe... e depois a aposentadoria de vocês não dá para tudo.

- Eu sei filha. Quer um leite quente? Uma vitamina?

A senhora se afastava em direção a porta do quarto.

- Não mãe, eu quero só dormir e amanhã tentar comprar outro celular no shopping. Te amo, boa noite, não se preocupa.

Mariana continuou tomando seu banho, esfregava cada parte lembrando dos olhos dos assaltantes, então deixou o choro tomar conta. A tensão enfim dava lugar a tristeza e a liberação dos sentimentos. Mariana não queria continuar na academia de dança, isso era certo, mas precisava ter renda para ajudar os pais. Era uma bailarina, mas seu maior sonho era cantar, profissionalmente e estudar Direito. Como isso se tornaria possível com uma renda tão baixa? Ser a única filha de um casal tem seus prós e contras. As vezes lembrava de como algumas outras professoras de dança de salão conseguiam carros e benesses de alguns estudantes de dança de meia idade e aquilo embrulhava seu estomago. Não eram todas, mas da sua academia, pelo menos duas tinham acordos com sessentões ricos da zona sul, muitas vezes casados e que facilitavam a vida delas. Eram mulheres bonitas, com corpos invejáveis já que viviam de sua boa forma. Mariana não era diferente, mas aquela vida não era para ela, jamais conseguiria beijar um homem por interesse, tinha raiva deles.

Mariana terminou seu banho e foi se deitar. Logo de manhã teria que sair para comprar outro celular.

Meio-dia e meia. Sábado.

Vitor almoçava com a família à mesa. Estavam todos presentes, parecia uma reunião diferente da reunião de negócios pela manhã, mas a seriedade estava presente como em uma reunião de negócios. Todos se olhavam e olhavam Vitor, sentado a cabeceira da mesa se servindo. Ao erguer o olhar o tom fúnebre de todos estava no ar.

- Quem morreu? - ele perguntou.

- É que não sabemos como te dizer isso - Disse Vinícius, o caçula noivo.

Vitor parou o que fazia e seus olhos azuis percorreram todos tentando entender o que acontecia.

- Estão me deixando nervoso mais do que na reunião de hoje. Alguém quer sociedade na construtora? - Ele tentou adivinhar.

- Não, nada disso - Vinicius olhou a irmã Valéria e a mãe - É que eu preciso te dizer uma coisa sobre meu casamento.

- Aham, não, não vou liberar mais dinheiro para o seu casamento.

- Não tem nada a ver com dinheiro, irmão, eu vou falar logo, você foi convidado para padrinho certo?

- Certo - Respondeu calmamente já esperando algo estranho.

- Então, você vai precisar dançar com uma madrinha.

Vitor olhou o irmão e em seguida olhou todos. Achou que era uma brincadeira.

- Era isso? Essas caras feias todas?

Valéria finalmente deixou escapar uma risada. Vitor a olhou e deu um meio sorriso sem saber o que significava.

- Vão ficar com essas caras e não me dizer nada? Você já sabe minha resposta, é não. Eu não sei dançar. Escolhe outro.

Ele deu uma garfada despreocupada na salada e Vinicius começou a falar.

- Nossas caras eram por isso, Vi...você nunca nos leva a sério, nunca levou. Por que não pode aprender a dançar para meu casamento? Vai te matar, cara?

Vitor o olhou.

- Só a minha honra. - Deu um sorrisinho sarcástico.

Vinícius se levantou da mesa, contrariado, empurrando a cadeira e Vânia baixou a cabeça.

- Por que isso Vitor?

- Isso o que, dona Vânia?

- Eu sou sua mãe! Por que não pode agradar seu irmão uma vez na vida? É tão contra seus princípios dançar no casamento do seu irmão? Sabe muito bem que a referência masculina que ele tem desde os vinte anos é você, droga! - A mãe se levantou da mesa e o almoço foi mais uma vez estragado pelas constantes brigas em família.

Vitor olhou a irmã Valéria.

- Vai levantar também?

- Não, eu vou almoçar, eu já sabia que você é um "pé no saco" e que ia dar nisso.

Vitor parou de comer e ficou pensativo, cruzando os dedos a frente do rosto, com os cotovelos apoiados a mesa.

- Você pensa também que eu sou a referência dele? Que não ligo para o Vini?

Valéria o olhou com medo das palavras, então a irmã do meio se pronunciou seriamente.

- Vi, ele te adora, ele quer que você faça parte de uma coisa importante para ele que o papai não pode fazer. Ele sente falta do papai. Assim como todos nós - Ela levou os dedos aos olhos molhados da emoção. - Mas é muito difícil para você entender isso.

Ele ficou calado e sério. Baixou o rosto olhando o prato e deixou os cabelos longos escorrerem pelo rosto, devia conter a emoção ao falar do pai. Nenhuma palavra dita ali era justa contra ele. Era o irmão que mais se preocupava com os outros. Tirou Vinicius de brigas de boate incontáveis vezes depois que o pai morreu, esteve no hospital com a irmã por dias a fio quando operou um cisto no ovário, buscou a mãe em bares, bêbada umas duas vezes, praticamente obrigou a mãe a se tratar do alcoolismo. Tudo que falaram ali, todos sabiam que não era verdade. Era do irmão que todos achavam um desviado, o mais responsável e presente que existia.

- Pode avisar a ele que vou fazer as aulas de dança. - Empurrou a cadeira com força e subiu para seu quarto.

Assim que entrou no quarto foi até o criado mudo e buscou um maço de cigarros para acender um. Vitor não fumava com frequência, mas quando ficava nervoso, descontava nos cigarros para se acalmar e ligava o som no rock. As vezes bem alto e as vezes apenas baixinho. Então se sentou em frente ao computador para ver mensagens e e-mails, sem camisa e só de cueca como gostava de fazer. Vitor tinha o corpo adornado de imensas tatuagens, nos braços e uma fechada nas costas com uma Fênix toda em preto. As asas do místico animal estavam abertas e a cabeça terminava onde começava seu pescoço. A cauda do animal era desenhada até o meio das costas. As chamas saíam de suas penas para representar o fogo dos períodos finais da Fênix e de quantas vezes ela precisou renascer das cinzas. Assim como Vitor se sentia. A Fênix tinha uma importância fundamental em sua vida. Vitor já tinha superado o álcool e o cigarro e agora era viciado em malhar o corpo. O fato de trocar de vícios não importava para ele desde que se mantivesse focado no propósito de se sentir mais relaxado. Isso era tudo que mais importava para ele no momento pois queria muito ainda curtir a vida livre na sua moto com seus amigos. A saúde também seria fundamental para isso.

Então o poderoso empresário do ramo da construção decidiu pesquisar academias de dança na internet. Já que tinha que agradar o irmão, o faria em grande estilo, com um professor e tudo que tinha direito. Ele sabia que ia odiar cada detalhe porque era um rockeiro, porque era antisocial, porque detestava casamentos pomposos e por muitos outros detalhes, mas faria seu melhor para não envergonhar ou entristecer seu irmão caçula. Assim que achou a academia perto de casa, anotou no bloco de notas do celular e o guardou. Iria pessoalmente na segunda-feira falar com a academia. Depois de tudo anotado e agendado em sua cabeça, Vitor se deitou para dormir. Rapidamente pegou no sono.

Vinte e uma e trinta. Segunda-feira.

Vitor havia saído do trabalho já cansado de tantas reuniões e problemas com sua mãe. A empresa ia muito bem, mas ela era muito preocupada com o casamento do irmão, queria tudo impecável e como acionista majoritário da AF Construtora e tesoureiro, Vitor não queria liberar mais milhares de reais para um casamento que ele achava que ia terminar no próximo semestre. Saiu da empresa no seu Audi A5 preto mas deixou longe da academia. Vitor evitava ostentação, principalmente se precisasse pagar algo ou conhecer pessoas novas. Vestia uma calça cinza jogger e uma camisa de meia manga preta. Usava seus habituais cordões de prata pendurados no peito peludo e pulseiras de couro legítimo marrom. Vitor não gostava de relógios, só via as horas no celular e, portanto, não olhava muito o horário. Ao chegar à escola de dança Junior Monteiro fit em Ipanema, subiu as escadas olhando para a rua como era de seu hábito pois tinha medo de assalto quando sentiu seu corpo trombar com o de outra pessoa.

- Mas que Por...! - Vitor olhou a moça e seus olhos ficaram estáticos em sua beleza.

- Ai, não olha por onde anda não, seu imbecil?! - Gritou ela.

Ambos ficaram se olhando como que examinando o outro e esperando um pedido de desculpas.

- Eu...me distraí, desculpa - Disse Vitor

- Está desculpado, mas o que veio fazer aqui? Está quase na hora de fechar!

- Ah é mesmo? - Ele tirou o celular do bolso e olhou as horas - Merda. Vou ter que voltar amanhã? Você é aluna?

- Eu sou a professora de dança. Volte outro dia, boa noite. - Ela ia terminar de descer as escadas e ele segurou seu braço.

Mariana olhou a mão dele em seu braço e em seguida olhou seus olhos. Vitor percebeu que a segurava largando rapidamente.

- É com você que eu preciso falar. Será que não tem meia hora? Sei lá quanto precisa, dez minutos?

- O que você deseja? Se matricular? - Ela o olhava de cima a baixo. Não parecia muito com alguém que faria aulas de dança.

- Sim, só preciso de algumas aulas, é que meu irmão vai casar, podemos conversar lá dentro?

Mariana olhou o relógio de pulso, já que não tinha conseguido ainda comprar o celular novo.

- Olha, eu deixei meu último aluno agora, terminou meu horário.

Eles ficaram se olhando. Mariana o achou bonito demais para ficar esperando apenas por uma resposta no dia seguinte.

- Tudo bem, vamos entrar, cinco minutos ou perco meu ônibus. Já fui assaltada essa semana.

- Putz que chato isso - Ele entrou logo atras dela comentando - É muito perigoso aqui?

- Não foi aqui, foi na frente da minha casa. Venha.

Ela cumprimentou novamente a atendente da recepção e passaram pela catraca depois de Mariana explicar a situação. Então ela o levou a uma sala com espelhos por todas as paredes, barras para ballet, pole dance e som. O ambiente era predominantemente branco, com alguns sofás brancos de dois lugares espalhados pelos cantos. Mariana guiou Vitor até um deles.

- Prazer, meu nome é Mariana Lopes, e o seu?

Ela se sentou para ouvir a história do homem.

- Eu sou Vitor Ferreira, e preciso aprender a dançar valsa para o casamento do meu irmão, que saco... - Olhou para o lado e em seguida para as pernas dela na bermuda jeans.

- Certo, Vitor, nossa especialidade não é valsa, é meio antiquado - Ela respondeu sorrindo - Mas eu entendo.

- O meu irmão é antiquado...vai casar na igreja, quem faz isso hoje em dia?

Mariana sorriu e olhou o teto do salão.

- Pessoas que se amam?

Vitor deu uma risada alta.

- Amam? Ela quer a gra...é... - Tentou disfarçar a frase que diria - Você pode me ensinar essa dança?

 - Posso - Pensando "Porque você é gato demais" - Faz a sua ficha na recepção e podemos começar na segunda feira.

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