Noite de Natal Macabro

Rubens Sanches foi abandonado pelos pais quando pequeno por ter nascido com uma deformidade congênita que tornava sua fisionomia facial grotesca. Esteve em vários orfanatos até que aos 12 anos de idade passou a residir na Santa Casa do Menino Jesus, um lugar bem administrado com ótimas condições estruturais e acadêmicas ás crianças órfãs, localizado no interior de Minas Gerais.

Era meados de Dezembro e o clima Natalino tomava conta do ambiente, as crianças ajudavam as Madres e Noviças do orfanato na decoração tradicional da época, porém Rubens, mantinha-se isolado o quarto coletivo, sentado em sua cama, cansado da zombaria de seus colegas internos que por vezes caçoavam lhe chamando de monstro, esquisito, retardado ou até mesmo de “cara de meleca”. O terror do bullyng causava-lhe dores estomacais, ânsia de vômito e muita revolta. Seu desejo por vezes era de que todos aqueles delinquentes pagassem por tanta crueldade.

Na véspera de Natal, todos no orfanato estavam agitados ansiosos pela ceia natalina que era cheia de guloseimas e pela entrega de presentes ao pé do pinheiro que estava enfeitado no salão recreativo. O jovem Rubens incontido em sua revolta pessoal e cheio de ódio por aqueles que o destratavam e pelos que podiam lhe defender, mas eram inertes aos fatos, decide fugir. No final da tarde, em um descuido da Madre responsável pelo escritório administrativo que saiu deixando a porta destrancada, ele aproveitou para invadir o local sorrateiramente e com muita cautela pegou um molho de chaves para poder abrir as portas e o portão de acesso á rua, por acaso, na mesma gaveta havia um envelope com certa quantia em dinheiro que ele não titubeou em pegar e guardou em sua pequena mochila. Cauteloso e pelos cantos escuros do orfanato o garoto foi alcançando as portas até o portão de saída, parou, olhou para trás com a chave já na fechadura, ouviu as risadas daquelas crianças de índole ruim que mesmo fazendo todas aquelas maldades receberiam presentes de natal, Rubens sentiu o ódio percorrer lhe por todo o corpo e um sentimento de injustiça divina tomou-lhe a alma, girou a chave abrindo o portão e partiu pela estrada de terra. O local era muito afastado da cidade, o garoto que inicialmente corria, agora caminhava cansado, a noite ia dominando tudo á sua volta, quando ouviu sons de sirenes vindo do horizonte, automaticamente percebeu que se tratara da polícia que certamente as irmãs do orfanato acionaram. Rubens entrou na mata para não ser visto, e algo o foi atraindo cada vez mais para dentro daquela floresta densa, era quase inconsciente, ele não sabia por que, porém, queria seguir cada vez mais para dentro da mata, após alguns minutos de caminha chegou a uma clareira onde havia uma cabana abandonada, como já escurecera ele não teve dúvidas, passaria a noite naquele lugar. Após certificar-se de que era um lugar abandonado, entrou, pois a porta estava aberta, lá dentro tudo estava sujo, empoeirado com teias de aranha, havia poucas coisas no local, sentou-se no chão e ali ficou remoendo sentimentos de ódio e vingança enquanto se lembrava da zombaria pela qual passava até pegar no sono.

“_Garoto!” – Uma voz sinistra e grossa ecoou pela cabana.

Rubens acordou assustado, correu para olhar pela janela, pensou ter sido descoberto por alguém do orfanato ou pela polícia, mas não havia ninguém na casa tão pouco do lado de fora, após a voz ecoar o que restara era apenas o som de grilos, sapos e do vento. O garoto assustado voltou a sentar-se no mesmo local, desta vez assustado, sem saber se estava ouvindo “coisas” ou sonhando.

“_Não tenha medo garoto.” – Novamente aquela voz entrou em sua mente arrepiando lhe todos os poros.

_Quem é?

“_Fique calmo, sou amigo.”

_Onde você está?

“_Com você, sempre estive com você.”

_Estou louco?

“_Não garoto, sou seu ódio pedindo vingança sobre aqueles que lhe zombam por sua deformidade.”

Aos poucos uma criatura foi materializando no canto escuro do cômodo da casa, apenas uma silhueta

sombria, muito grande, chegava a curvar-se para não tocar no teto da cabana. Assustado Rubens se encolheu no canto onde estava.

“_Acalme-se garoto, não lhe farei mal algum, estou aqui para ajuda-lo.” – Após dizer isto a sombra sinistra mostrou sua face adiantando-se em um feixe de luz quem invadia o lugar através do vidro de uma janela, um rosto cheio de cicatrizes, uma boca enorme com grandes dentes pontudos á mostra e um par de olhos amarelados e cintilantes.

Rubens deu um grito enquanto aquela criatura lhe

estendia a mão.

“_Sou seu amigo e posso vingar sua honra, você

aceita?”

Rubens estava horrorizado com o que via ao mesmo tempo em que algo lhe agradava.

_Porque faria isso por mim?

“_Porque sou seu amigo, e amo carne fresca de crianças malcriadas.” – A criatura sorriu de forma sinistra

e completou. “_Mas só farei algo se você me autorizar e for junto para presenciar tudo.”

Após um período tenso o ódio de Rubens foi mais

forte e ele aceitou a oferta.

Já passava da meia noite e as crianças do orfanato estavam dormindo, as irmãs haviam terminado de colocar os presentes sob a árvore de natal, apenas a irmã Adélia estava acordada no escritório aguardando notícias da polícia sobre Rubens. O tempo estava revolto, trovões e relâmpagos passaram a cortar o céu daquela noite de Natal. O grande quarto onde as crianças dormiam em 12 beliches, clareava a cada estalo de um novo relâmpago, como se recebesse flashes de fotos, de repente um estouro muito forte abriu a porta do quarto e uma voz acordou todas as crianças.

“_Hou Hou Hou! O “Papa” Noel chegou.” – Um

clarão de relâmpago estalou iluminando quarto e revelando a criatura que estava vestida com roupa de Papai Noel, enquanto seus olhos amarelos brilhavam e de sua boca escorria uma baba gosmenta de quem está apreciando uma comida saborosa, a criatura e Rubens entraram e em seguida a porta se fechou com um forte baque. A gritaria de desespero foi geral, as crianças queriam saltar pelas janelas na tentativa de fugir daquele monstro, mas as persianas se fecharam e era impossível abri-las, o demônio entrou avançando sobre as “pestinhas” zombadoras de crianças deformadas enquanto Rubens ficou encostado na porta olhando, apreciando e sentindo prazer no que via. As irmãs batiam e gritavam desesperadas do lado de fora sistematicamente, elas não conseguiam abrir a porta. Dentro do quarto a gritaria era aterrorizante, chegou a ponto de uma poça de sangue escorrer por baixo da porta transformando o pavor de uma das irmãs em desmaio. Repentinamente o barulho de gritos e pedidos de socorro cessou, a porta deu um estalo e ficou entre aberta, o horror era nojento, uma carnificina capaz de embrulhar o estômago de qualquer médico legista, a primeira a entrar horrorizada com a mão na boca e olhos arregalados foi a irmã Adélia, lentamente ela foi se virando e no canto do quarto estava Rubens, com o gorro do Papai Noel, uma faca na mão e em estado catatônico sorrindo.

Um ano depois, na ala infantil do sanatório Ararat, Rubens Sanches, costumeiramente sentado e isolado na mesa do café, escuta uma voz familiar.

“_Oi amigo, hoje é noite de Natal e estou com muita fome.”

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