Capítulo 2 – Reconhecendo o ambiente

─ Ok. Vamos pensar um pouco. Eu tenho certeza de que o caminho não é esse. – Rachel disse, irritada por passar pela quarta vez no mesmo conjunto de pedras em forma de prancha na praia. ─ Não sei onde eu estava com a cabeça pra confiar em vocês duas para nos levar pra ver a piscina natural!

─ Eu não sei de nada. Apenas segui a Anabele – Poliana se defendeu.

─ Claro! A culpa é minha, como sempre! Rachel, dá uma olhada ali, não é o Dylan e a Miranda? – Anabele apontou com a mão para um lugar ao longe, no meio do mar ─ Mas o que eles estão fazendo lá?

Rachel se aproximou e viu aquela cena erótica se desenrolando e se irritou, não sabia ao certo o porquê, mas certamente as duas horas de caminhada pela orla sem ter tomado café da manhã  tiveram muito a ver com esse humor.

Ela procurou algo que pudesse chamar a atenção dos dois, encontrou um graveto perdido, sobra de uma antiga fogueira, e atirou rumo aos dois que se entrelaçavam.

─ Dá pra vocês se vestirem e virem aqui? – ela disse, colocando as mãos na boca, para formar um arco e amplificar o som.

Tentou não olhar, mas o corpo escultural e nu de Dylan não podia ser facilmente ignorado. Que bom que ele se esquivou atrás de Miranda, que apesar de usar apenas calcinha e sutiã, estava mais apresentável que ele.

Ela se virou rumo às meninas e avisou que tinha encontrado a piscina natural e o casalzinho perdido também.

─ Eu estou exausta e faminta, Anabele, preciso comer alguma coisa – Poliana reclamou com a nefilim.

─ Eu também. Vamos Rachel, vamos entrar e comer algo, por favor! O sol já está no céu e está ficando cada vez mais quente aqui. – Anabele disse, caminhando pelo longo corredor de cadeiras de praia que já estava ficando Xeio.

Poliana fez sinal de positivo com a cabeça, seguindo a amiga. Rachel também queria comer, mas antes disse a Dylan:

─ Precisamos conversar mais tarde. Tem algumas pessoas chegando, acho que estão procurando por Miranda – ela disse, apontando para o seu celular.

Ele assentiu, dessa vez vestido, segurando as mãos de Miranda com um sorriso que ultrapassava os lábios. Sorriso esse que durou pouco.

─ Dylan o que é isso? – Miranda gritou, ao perceber algumas pessoas vagando sem rumo para dentro da floresta. Ela podia sentir o Xeiro de morte e os gritos de desespero ecoando de dentro do mato, mas, por mais que ela tentasse enxergar, não conseguia distinguir corretamente os rostos das pessoas.

A parte da praia em que essas pessoas iam era muito diferente da parte onde o hotel ficava. A mata era tão densa naquela área que o sol não conseguia chegar ao solo, deixando tudo muito úmido. Ruídos de animais selvagens podiam ser ouvidos e Miranda teve a sensação de conseguir distinguir o som de uma cobra venenosa se esgueirando para dentro do mato, o que era um absurdo. Quem consegue ouvir uma cobra fugindo pelo mato?

─ Calma Miranda, você tem que se acalmar. – Ele disse, abraçando-a e guiando-a rumo às cadeiras do hotel. ─ Você se lembra de quando viemos para o farol?

─ Sim. – ela disse, ainda com medo.

─ Lembra que falei que você precisaria ter muita atenção para distinguir o que seria o mundo real e o Inferno?

─ Sim.

─ Pois bem. Aqueles gritos, gemidos e Xeiro forte não são de pessoas que estão vivas e sofrendo, também não são Demônios da agonia – ele riu – na verdade, são almas. Almas de pessoas que cometeram suicídio.

─ Almas?

─ Elas vêm pra cá, porque aqui é o Vale dos Suicidas. Estamos em território Luciferiano agora. Estamos em segurança. – Ela não aguentou e deixou escapar uma risada.

─ Seguros, no Inferno? Bem no território do Demônio?

─ Miranda, agora que você está aqui, você tem que aprender. Aliás, se lembrar de que Demônios, Anjos Caídos, almas penadas e seres humanos estão todos por aí, convivendo juntos. Alguns humanos que estão aí sabem disso, mas a maioria não. Só que, definitivamente, eles não são a mesma coisa. Você não pode misturá-los.

─ Nossa, nem tinha me dado conta disso…

─ Isso colocaria você em risco, – ele pegou em sua cintura – e nosso bebê também.

Ela o envolveu com seus braços e se encontraram em um beijo carinhoso, rápido, mas delicioso.

─ Vou tomar mais cuidado. – Ela disse, se afastando ─ Mas me conta, Dylan, por que aquelas almas sofrem ainda? E pra onde elas estão indo?

─ Elas sofrem porque fugiram do sofrimento do corpo, de quando estavam vivas. Mas agora, o verdadeiro sofrimento, o da alma, as aflige. E esse sofrimento não se mata. Agora, eles estão longe de seus entes queridos, estão impossibilitados de curar a dor da alma.

Ela nada conseguia falar a respeito. Antes que pudesse pensar em mais uma pergunta, o garçom do hotel chegou perto de onde eles estavam, interrompendo-os.

─ Perdão, senhores. Sinto interromper, mas um distinto senhor, há pouco, solicitou que lhes fosse entregue esse bilhete. – E ele entregou o bilhete dobrado ao meio, fechado com um selo que Dylan identificou imediatamente como sendo de Abaddon.

─ Obrigado – ele disse, abrindo o cartão.

“Um anjo caído sempre reconhece outro. Especialmente quando esse outro é o famoso Dylan Wooth. Espero sua presença em minha casa. O presente servirá de entrada, em duas semanas. Esse convite é estendido à bela dama que o acompanha. Endereço abaixo.”

“Rumo ao Portal Nove, quinta rota dourada.”

─ O que é isso? – Miranda quis saber.

Ele riu, se lembrando de que, em todo o Inferno, o único que sabia seu nome completo era Amduscias, mas Dylan não fazia ideia de que ele estava aliado a Abaddon.

─ Temos uma festa mais tarde, com um velho amigo.

Miranda não sabia o que pensar, apenas decidiu seguir com ele.

─ E pra onde vamos agora? – ela perguntou. Ela começava a sentir frio, devido ao corpo molhado e à água escorrendo por sua roupa.

─ Vou te deixar no quarto, daí você descansa. Enquanto isso, vou falar com Rachel. Ela queria me dizer alguma coisa e me pareceu importante.

Eles seguiram de mãos dadas pelo corredor oeste do hotel. Pelo caminho, quadros antigos, de pessoas mais antigas ainda, enfeitavam o ambiente. Uma em especial chamou a atenção de Miranda. Era um quadro na vertical, assinado por L., retratando uma bela mulher de pele branca, corpo longo e cabelos negros escorrendo pelos seus ombros. Ela usava um vestido preto agarrado ao corpo, que ia até os pés, mas na altura do joelho abria um rasgo, revelando a panturrilha dela. Carregava no colo um bebê envolto em um pano branco, e sorria para a criança que sorria de volta para ela. No fundo, havia fogo, muito fogo. A cena era linda, e o quadro era quase do tamanho de Miranda, ela calculou. Na parte Inferior direita do objeto, ela pôde reparar em algo escrito numa língua que ela não compreendia.

Omari tessala marax, tessala dodi porhepax, amri radara poliax, armana piliu, amri radara piliu sound, mari narya barbiton, madara anaphax sarpedon andala hriliu.

Próximo dali, Anabele, Poliana e Rachel tomavam café sentadas na mesa do hotel. Como Helena havia sido convocada a prestar contas de sua incursão, Rachel havia ficado responsável por tentar não deixar as meninas surtarem.

─ O negócio é o seguinte: falem quando falarem com vocês. Respondam quando perguntadas, obedeçam às ordens. Assim vocês manterão suas cabeças em cima do pescoço. – Rachel falou, enquanto mordia um croissant.

As meninas apenas se olharam. Estavam assustadas demais, inclusive para observar a quantidade absurda de seres (anjos caídos, demônios e almas) misturadas aos hóspedes naturais daquele Resort.

─ Outra coisa. Aqui é uma colônia de férias, mas não para nós. Certamente, essa hospedagem não será vitalícia, então é melhor aproveitarmos logo o que temos aqui e já nos prepararmos para ir cada um resolver o seu problema. – Rachel parou os olhos em Poliana.

─ Eu não faço ideia de como começar, Rachel – a menina disse.

─ Eu já imaginava. É por isso que Benjamin está vindo.

─ Como assim? – Poliana engasgou ao perguntar.

─ Ele quer encontrar Jheremy tanto quando a gente. Ele me mandou uma mensagem ontem enquanto eu dormia, ele está vindo. Deve chegar ainda essa semana, suponho. Não sei se ele virá através do portal ou de avião, então, é melhor esperar o prazo mais longo.

─ Enquanto você dormia? – Anabele repetiu, sem acreditar.

─ Viagem astral, querida. Vocês não fazem ideia do que anjos podem fazer, acordados ou dormindo – ela deu uma piscadela para a amiga, e voltou a comer o croissant.

Após o café, Rachel se retirou deixando Anabele e Poliana em seus respectivos quartos. A nefilim se sentou no sofá que ficava em frente a cama, e sacou o celular. Ela estava com saudades de Helena e tinha tanta coisa que ela queria contar… coisas que ela não se sentia a  vontade para falar nem com Rachel, com quem tinha tanto apresso.

[10:35]

Está tudo bem com você, Helena?

[10:37]

Bele, que surpresa. Sim, está sim. E aí? Algum problema?

[10:38]

Ben está vindo. Não sei o que fazer. Preciso falar com você sobre… O portal.

[10:41]

O portal? Não estou entendendo. Ah não! Pera. A memória devolvida? O que aconteceu? O que você se lembrou?

[10:42]

Me lembrei de meu pai. Ele era um anjo, e ele não me abandonou quando nasci. Ele teve que me abandonar. Ele foi obrigado.

[10:50]

Assim que eu voltar conversaremos.

Nada tinha mudado, mas Anabele se sentiu melhor em desabafar com alguém a respeito. Ela não tinha segredos com Rachel, apenas sentiu que não era hora de envolver a amiga em mais um drama da sua vida pessoal.

Toc Toc

─ Entre, Dylan.

─ Como você sabia que era eu? – ele perguntou, fechando a porta do quarto de Rachel.

─ Imaginei... – ela disse, sem se virar para olhá-lo.

─ Fale, o que você descobriu.

─ Duas coisas. A primeira, que você certamente já esperava, Benjamin está vindo.

─ Ele já chegou, Rachel. Encontrei com ele perto da caverna de Kalian. Ele trouxe Miranda. – bufou ao constatar.

─ Certo. Você já sabe quem Miranda é?

─ Sim. Temo ter que dizer a ela.

─ Aconselho que o faça, Dylan. A outra coisa que descobri é que a guarda Luciferiana está chegando. Ouvi quando a boboca da recepção atendeu ao telefone. Eles estão vindo atrás dela. – Rachel disse olhando firmemente nos olhos dele. Depois voltou a se virar para contemplar a paisagem vista pela janela.

─ Como eu faço isso, Rachel? Como vou falar que Lúcifer é o pai dela?

─ Como você sempre faz, Dylan. Não esconda nada dela. Benjamin já fez isso. Ela merece saber.

Dylan se colocou ao lado dela, também contemplando a paisagem. Ele não sabia como falar essas coisas. Mas o silêncio, naquele momento, seria pior.

─ Eu vou falar, eu vou falar! Só espera um tempo…

─ Você que sabe, mas ela ficará puta da vida se souber por outro. – ela voltou a contemplar a paisagem. ─ Assim que Benjamin chegar, vou partir com ele  atrás de Jhey. Eu preciso encontrá-lo, Dylan. Infelizmente não vou ficar muito aqui para ajudar a Miranda e a você. Então, por favor, cuida dela pra mim.

Ele realmente se espantou. Não fazia ideia, até aquele momento, de como Rachel se importava com Miranda.

─ Cuidar da Miranda é minha prioridade máxima, Rachel. Aqui e em qualquer lugar do Universo.

─ Isso foi fofo. – Rachel disse, dando uma meia risada. – Eu não tenho agido muito bem com ela, temo que quando ela descobrir vai me odiar. Não quero estar aqui quando isso acontecer… – ela continuou.

─ Eu espero que você um dia encontre alguém que te ame assim, Rachel. – Ele a abraçou, fraternalmente. ─ Agora preciso ir. Boa sorte.

─ Boa sorte, Dylan.

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