O Porsche de Christian parou suavemente em frente à minha casa. O motor desligou, deixando apenas o silêncio entre nós, tão pesado que parecia uma terceira presença no carro. Pela janela, vi minha casa exatamente como a tinha deixado dias atrás – modesta, familiar, um mundo completamente diferente das vinícolas e mansões que havíamos deixado para trás.A viagem de volta tinha sido quase toda em silêncio. Algumas tentativas de conversa morreram rapidamente, como se ambos soubéssemos que qualquer palavra dita poderia romper a frágil trégua que estabelecemos. Christian tinha sido educado, perguntando se estava confortável, se precisava parar em algum lugar. Eu tinha sido igualmente polida, respondendo com monossílabos. Fingimos que não havia acontecido nada. Que não tínhamos dormido no mesmo quarto, compartilhado histórias pessoais, dançado juntos, nos beijado.Fingimos que não haveria saudade.— É isso — Christian disse finalmente, as mãos ainda no volante, embora o carro estivesse para
As palavras pairaram entre nós, carregadas de significado. O ar dentro do carro parecia denso, elétrico. Christian continuava próximo, tão próximo que eu podia sentir sua respiração, ver cada pequeno detalhe do seu rosto – o leve sombreado da barba por fazer, o brilho intenso em seus olhos, os lábios ainda úmidos do nosso beijo.Por um momento – um glorioso, esperançoso momento – pensei que ele diria sim. Que sairíamos do carro juntos, entraríamos em casa de mãos dadas, e talvez, apenas talvez, começaríamos algo real. Algo nosso.Sua mão acariciou meu rosto, tão suavemente que quase doeu. O olhar em seus olhos era diferente de qualquer um que eu já tivesse visto – vulnerável, quase reverente.— Zoey... — Meu nome saiu como uma prece de seus lábios. — Eu quero. Mais do que você imagina.Meu coração disparou. Inclinei-me em direção a ele, pronta para outro beijo, para levá-lo para dentro, para continuar o que havíamos começado. Mas suas mãos seguraram gentilmente meus ombros, mantendo u
~TRÊS MESES DEPOIS~Três meses podem mudar muita coisa.Ajustei a gravata de um dos promotores que distribuiriam amostras do novo Merlot da Vale do Sol, verificando se o logo estava perfeitamente alinhado.— Lembre-se de mencionar as notas de cereja e o tempo de barrica quando os convidados perguntarem — instruí, passando para o próximo promotor na fila.O saguão do hotel onde aconteceria a degustação já estava quase pronto. As mesas estrategicamente posicionadas para criar um fluxo natural, as taças de cristal milimetricamente alinhadas, os displays informativos elegantes mas não excessivos. Eu tinha passado as últimas duas semanas planejando cada detalhe deste evento. Não era grande como os da Bellucci, mas era meu. Completamente meu.— Zoey, esses arranjos florais estão no lugar errado! — gritou Lisa, minha assistente de 22 anos recém-saída da faculdade. — O planejamento dizia que ficariam perto da fonte, não da entrada!Respirei fundo e sorri. Há três meses, eu era a vendedora de
— Confirme com os promotores do Cabernet que eles devem ficar na estação três, não na dois — instruí Lisa, enquanto ajustava o pequeno broche com o logo da Vale do Sol em meu blazer azul-marinho.O salão do evento estava impecável. As luzes indiretas criavam uma atmosfera sofisticada, destacando os displays de vinhos e os infográficos sobre o processo de produção da vinícola. Os primeiros convidados chegariam em dez minutos, e minha equipe se movia com eficiência coordenada, fazendo os ajustes finais.— Zoey, Eduardo quer falar com você no lobby — disse um dos assistentes, passando rapidamente por mim.Encontrei meu chefe perto da entrada principal, ajustando nervosamente sua gravata. Eduardo Mendez era um homem de quarenta e poucos anos, com uma energia constante que tornava difícil ficar parado perto dele.— Ah, Zoey! — Seu rosto iluminou-se ao me ver. — Está tudo perfeito. Você superou minhas expectativas mais uma vez.— Obrigada. A equipe trabalhou duro.— A equipe seguiu suas ins
Guiei Christian até um pequeno espaço mais reservado, próximo às janelas que davam vista para o jardim do hotel. Era um canto pensado para conversas privadas entre compradores e representantes, mas naquele momento, servia como nosso refúgio temporário do burburinho do evento.— Um evento impressionante — ele comentou, olhando ao redor. — Mas não estou surpreso, considerando quem o organizou.— Obrigada. — Ofereci um pequeno sorriso profissional, mantendo minha postura firme apesar do turbilhão interno. — Gostaria de conhecer nossas novas linhas?— Na verdade, queria saber como você está.A pergunta sincera me pegou desprevenida. Não era o CEO falando com uma representante da concorrência. Era Christian perguntando sobre Zoey.— Estou bem — respondi automaticamente, então hesitei. — Na verdade, estou ótima. Encontrei meu caminho.— Posso ver. — Ele assentiu, seus olhos percorrendo discretamente meu traje profissional, a nova confiança na minha postura. — Eduardo Mendez teve sorte em te
O táxi serpenteava pelas ruas da cidade enquanto eu mantinha o olhar fixo na janela sem realmente ver nada. Minha mente continuava presa naquele momento entre as janelas do salão de eventos, com Christian tão perto que eu podia sentir o calor de seu corpo."Porque ele merecia uma explicação. Porque não queria que você enfrentasse isso sozinha. Porque..."Porque o quê? O que Christian teria dito se Francesca não tivesse aparecido naquele exato momento? A pergunta martelava em minha mente como uma melodia incompleta, esperando por sua resolução.Após a chegada de Francesca, tudo havia mudado. O brilho em seus olhos quando olhava para Christian era impossível de ignorar. E o pior? Ele sorriu para ela. Não o sorriso educado que oferecia aos outros convidados, mas algo mais genuíno, quase íntimo.O táxi parou em frente ao meu pequeno prédio. Paguei a corrida e subi os três lances de escada lentamente, cada degrau pesando como se carregasse concreto nos pés.Dentro do apartamento, o silênci
O cheiro de churrasco invadiu minhas narinas assim que abri o portão da casa dos meus pais. O almoço de domingo da família Aguilar era uma tradição imutável – meu pai na churrasqueira e minha mãe reclamando que ele estava assando carne demais.Matheus gritou do quintal:— Finalmente! Pensei que ia perder a picanha!Minha mãe apareceu da cozinha, secando as mãos no avental. — Como você está magra! Não tem comido direito naquele apartamento minúsculo? — Bom te ver também, mãe — respondi, deixando a bolsa no sofá.No quintal, Annelise já servia cerveja ao pai. Dei um beijo na bochecha dele, sentindo o cheiro familiar de fumaça.— Impossível estar ocupada demais para seu churrasco, pai.— E você sabe valorizar as coisas boas da vida — Matheus disse. — Ao contrário de certos ricaços por aí que não sabem apreciar uma boa costela.O olhar significativo que Annelise me lançou não passou despercebido. Qualquer menção a Christian fazia meu estômago dar uma volta completa.O almoço transcorreu e
O carro da empresa serpenteava pelas estradas sinuosas da Serra Gaúcha, cada curva revelando paisagens que faziam meu estômago apertar. Não pela beleza — embora os vinhedos banhados pelo sol da manhã fossem de tirar o fôlego — mas pelas memórias que cada colina esverdeada despertava.Três meses atrás, eu havia percorrido essas mesmas estradas no Porsche de Christian, ansiosa e nervosa por um motivo completamente diferente. A lembrança de suas mãos no volante, do perfil concentrado enquanto dirigia, da conversa leve pontuada por momentos de silêncio confortável... tudo isso parecia ter acontecido em outra vida.— A vista é realmente impressionante — comentou Lisa do banco traseiro, fotografando compulsivamente com o celular. Como minha assistente, ela estava mais animada com a viagem do que seria apropriado para uma profissional. — Nunca estive na Serra antes!— Espere até ver o complexo do evento — respondi, forçando um tom entusiasmado. — O Altos da Serra é um dos melhores centros de