Capítulo 4

                                                    Capítulo 4

                         Como veio parar aqui? Só por curiosidade



            A manhã de sábado despontou nas janelas dos corredores do Instituto Acadêmico. Pouco a pouco, os alunos foram acordando para pôr em prática algumas atividades diárias, fossem elas amenas, fossem elas metódicas. Ainda havia três dias (contando sábado) para o início definitivo das aulas, e alguns alunos estavam tão ansiosos para o começo do ano letivo que corriam para cá e para lá, carregando livros, materiais escolares como cadernos, canetas e lápis, ou mesmo materiais afiados da oficina ou perigosamente explosivos do laboratório de química. As intenções desses alunos eram, no mínimo, dissimuladas dos típicos estrategistas: criar uma boa impressão para os professores logo no começo, que circulavam livremente pela escola, indo cuidar de seus interesses e, vez ou outra, topavam com esses dedicados estudantes tão concentrados em suas matérias favoritas, mesmo antes de o ano letivo se fazer presente.

            Alguns professores conheciam essa tática, achavam graça nesse comportamento jovem que a maioria dos alunos tinha: eles precisavam agradar, queriam garantir boas notas a todo custo, fazer relações amistosas e pacíficas com os professores mais rabugentos, criar um clima de paz entre os professores mais “legais”. Todavia, um grupo menor de alunos estudava porque de fato queria garantir boas notas. E esses eram os verdadeiros alunos favoritos dos professores, que às vezes conversavam com eles, que de tão concentrados nos estudos que estavam, notavam apenas ao fim da conversa que era com os professores que estavam batendo papo.

            Havia, é claro, os raros casos dos prodígios. Os típicos alunos que, não importa o quão mal eles pareçam com relação a estudar e manter a matéria em dia, eram capazes de absorver, feito esponjas, todo o conhecimento que lhes fosse dito ou mostrado. Pedro e seus amigos eram esses casos raros, dentre outros da escola. Pedro detestava cálculos e matérias como matemática ou física lhe eram abjetas. Mas conseguia se sair bem, vez ou outra, com a ajuda de Lincoln. Entretanto, ele era o queridinho das matérias de história, línguas, antropologia, artes, educação física, economia doméstica e outras “mais leves”, mas nem por isso, menos complicadas.

            O que ele estava a fazer agora era, no entanto, comum em seu dia a dia: ficar deitado na cama, gemendo sons estranhos, desconexos e, por vezes, engraçados, e ele ficava rindo sozinho feito um bobo. Seus amigos, às vezes, questionavam sua idade mental, ao que ele respondia com tapas na orelha de cada um deles. E como resultado de sua cantoria matinal de sábado, os amigos acordaram mal humorados e jogando travesseiros e almofadas nele, até que ele desse um gritinho esganiçado de susto e caísse de costas da cama alta do beliche. Isso melhorou os ânimos do grupo.

            Em outro quarto, num dormitório feminino, Ana e suas colegas estavam arrumando-se calmamente para o dia. Seu passeio na cidade ainda estava por acontecer, mas só seria a partir das onze horas da manhã, quando todas estivessem devidamente acordadas para o mundo. Afinal, uma coisa é você abrir os olhos, sair da cama, fazer suas necessidades básicas como qualquer outra pessoa. Outra coisa totalmente diferente é sua mente entrar em foco no mesmo momento em que seus olhos abrem, isso deixa seu corpo agindo no “piloto automático”. Mas Ana era meio diferente disso: ela dormia tarde e acordava relativamente tarde, pois passava a noite escrevendo suas histórias. Uma atividade que, por hora, estava esquecida, ela tinha que se adaptar primeiro ao novo ambiente. E com certeza as colegas acabariam sendo um público para o que ela escrevia (isso se tivesse a intenção de mostrá-las qualquer uma de suas obras).

            E como era de se esperar, em diferentes ambientes, havia uma organização completamente diferente: num dormitório com sete indivíduos masculinos o comportamento beirava brincadeiras infantis com uma estranha ordem sincronizada. Lincoln preparava bebidas quentes para todos, café, chá, cappuccino, e enquanto eles passavam, vestindo-se, iam pegando as canecas e voltando às suas atividades, fossem elas estudar, ler algum livro, jogar no celular, pôr um filme no aparelho de DVD (sim, ainda existiam aparelhos de DVD). Por vezes, um jogava uma almofada no outro, provocava, ou lambuzava o dedo indicador com saliva ao ponto de o dedo pingar e, então, enfiava o dedo no ouvido de algum desavisado. Isso gerava risadas e resmungos indignados, mas nada que uma solidariedade masculina solidamente construída com amizade não resolvesse.

            No dormitório feminino, por outro lado, a “ordem” só se fazia presente após as quatro terem usado o banheiro, uma após a outra. Por Ana ser uma novata no meio de três veteranas, ela evitou ao máximo despir-se para um banho na frente das outras, ou mesmo esperar que uma delas saísse do banho já secando o corpo, para só então, no quarto, pôr uma roupa e ficar “menos indecente”. O hábito entre as três garotas tornou-se uma rotina, então, não fazia mal que elas ficassem sem roupa na frente umas das outras, e até mesmo costumavam zombar das amigas, dizendo que havia visto um pneuzinho na cintura, ou que as pernas dela não estavam depiladas (Judy ficava irritada com isso, afinal, suas pernas eram de carneiro, e, portanto, cobertas de pêlos macios e brancos até a altura da cintura, alguns centímetros abaixo). Elas entenderam a timidez de Ana, ela tinha que se adaptar e, portanto, merecia esse desconto.

            Depois de pôr uma roupa mais confortável (que seria retirada depois e trocada por uma roupa de passeio), havia o dever de escovar e pentear os cabelos. As madeixas das garotas mereciam um cuidado especial: Vivi mantinha o cabelo rente ao maxilar inferior, um corte estilo “Cleópatra”, que combinava com suas grandes orelhas de gato que ela mantinha sempre visíveis (incluindo a cauda no limite da coluna, nas costas); Judy tinha cachinhos de um louro delicado, quase prata, e pequenos chifrinhos que só ficavam visíveis caso ela molhasse (muito) o cabelo; Elise era um caso e tanto, já que, por ser fada, seu cabelo louro tinha uma tonalidade luminosa verde, que só podia ser tratado com produtos vindos da Mãe Terra. E Ana, por sua vez, tinha uma cabeleira de castanho chocolate que era bonito quando bem-arrumado, mas, é claro, cabelos longos sempre levavam mais tempo para ficarem arrumados, e logo, suas colegas a estavam ajudando a pentear o cabelo. Isso ajudou a melhorar o relacionamento das garotas.

            Já os garotos, esses eram um caso perdido: Samuel tinha cabelos pretos cacheados, e não os penteava: bastava uma mexida com os dedos depois de passar um leve creme modelador, e pronto; Capivara era o centro das atenções entre os amigos, pois seu moicano conservado com muito gel era alvo de aviões de papel. O cabelo preto ficava estranhamente mais claro, num tom de caramelo nas pontas; Lincoln, como todo elfo, tinha um cabelo comprido, e o dele era preto e lustroso como a noite, na altura dos ombros; Andrey não tinha do quê se queixar: raspava o cabelo rente, estilo militar, assim como Heitor o fazia, e se o mesmo deixava crescer, era encaracolado e preto; Igor tinha um cabelo preto como piche e deixava-o espetado num topetinho para cima, ou apenas espetado na frente, não que ligasse muito.

            E Pedro, finalmente, houve uma época em que ele deixava o cabelo castanho comprido, na altura dos ombros também. Mas como era realmente enfadonho e difícil cuidar de cabelo comprido, ele cortara o cabelo cada vez mais curto, até decidir raspar as laterais da cabeça até a parte traseira, deixando um corte parecido com o de um protagonista de um de seus jogos favoritos. Então, tingira-o de preto, e agora ou penteava para trás, ou deixava todo bagunçado. Geralmente, quando deixava bagunçado, algumas garotas tentavam mexer no cabelo dele, para pentear ou só pra tocar nele mesmo. Isso o irritava, e ele as afastava com tapas.

            Preparar o café da manhã parecia algo simples, e Ana gostou de ajudar as colegas a fazer sanduíches de geléia ou patê de presunto. Ela amava café com todas as forças, e gostava dele forte e fumegante. Suas amigas se impressionaram com a qualidade do café que ela fez, e logo estavam batendo papo, sentadas em almofadas grandes de cores berrantes, tomando o café da manhã de forma tranqüila.

            Já os garotos, era uma bagunça quase vergonhosa, mas eles se divertiam muito com isso. Ovos mexidos com bacon, geléia de cereja, leite com achocolatado, chá, cappuccino, pedacinhos de mortadela, essa era a estranha decoração momentânea que fazia parte do papel de parede e pintura das paredes do dormitório, ou encontravam esses resíduos em suas camas, ou roupas. E adivinhem quem costumava se livrar disso tudo? Pedro. Ele encontrava um pedaço de comida perdido nalgum canto, logo o devorava, conseguindo grunhidos de nojo dos amigos, e risadas também. Diziam eles que o lobisomem tinha um “estômago de um filho de bode com avestruz”. A afirmação baseava-se na ideia de que as aves, as avestruzes, podiam comer absolutamente qualquer coisa sem se incomodar, tal como os bodes, que são famosos por morderem mobilha cara e peças de roupa. E Pedro fazia jus a esses comentários, como um humorista que não se cansa de impressionar.

            Ao final dos desastrosos preparos de comida, todos se reuniam ao redor da TV e ligavam o videogame, prontos para uma rodada de insultos gratuitos e violência de seus jogos favoritos: tiro, corrida, combate veicular, luta, RPG, entre vários outros. Comendo besteira, comida gordurosa ou aparentemente próxima do vencimento, eles mantinham esse clima e gostavam de sentir-se a vontade, arrotando ou mesmo cuspindo comida uns nos outros. Depois de tudo, é claro, viria o enfadonho trabalho de limpar a sujeira que fosse visível. Pois, veja bem, “o que os olhos não vêem, o coração não sente”. E assim foi, até que o relógio bateu onze horas.

            Na cidade, as garotas estavam andando tranquilamente depois de saírem do táxi que conseguiram. Vivi vestia um macacão jeans preto com butons de bandas, uma blusinha cinza e rosa choque com a imagem de um ursinho de pelúcia desfigurado. Judy usava uma saia média, de tecido cáqui, com uma blusa azul escura e uma jaqueta curta sem muitos detalhes. Ela odiava vestir calças, só o fazia quando era obrigatório, como nas aulas de ginástica, ou preferia mesmo andar com as partes inferiores desnudas, já que seu corpo naquela área era completamente coberto por pêlos, e, portanto, nada de indecente seria visível. Elise vestia o que costumava vestir praticamente todas às vezes: um vestido de cetim verde-claro na altura dos joelhos, indo para tons mais escuros de verde quando chegava ao busto, decorado com florezinhas vermelhas, rosas e amarelas. Já Ana usava um jeans comum, desbotado nos joelhos, um tênis All Star preto, uma camiseta grande demais para seu corpo miúdo e uma jaqueta curta, além de um chapéu que os músicos de jazz usavam quando faziam apresentações. A única característica que salvava Ana de ser confundida erroneamente com uma humana eram seus olhos: mesmo sob a sombra do chapéu, eles brilhavam no tom amarelado e caramelo de olhos de raposa.

            Estavam tentando decidir se valia a pena ir numa sorveteria ou passear pelo shopping primeiro. A discussão era tão banal que logo estavam rindo de comentários bobos e tentando encontrar qual local seria mais perto: a sorveteria ou o shopping. E logo, viram: a sorveteria. Havia cinco delas espalhadas, então, por que não?

– Nem começamos o passeio direito e vocês já querem um sorvete – Queixou-se Elise.

– Nem vem, Elise – Vivi respondeu-lhe – Eu sei que você quer um sorvete de pistache, só não quer admitir.

– Não entendo como você gosta de sorvete de pistache, blergh – Judy fez cara de nojo – Aquele negócio tem um cheiro azedo, o sabor parece de sorvete de milho azedo.

– Por acaso já inventaram sorvete de milho azedo? – Elise retrucou.

– Não – A fauna respondeu – Mas já comi milho azedo.

– E que gosto tinha? – Ana perguntou.

– De sorvete de pistache – A fauna concluiu, triunfante. As amigas, é claro, riram da piada.

            Ao entrarem na sorveteria, que tinha aqueles sinetes irritantes em cima da porta para avisar de mais clientes, algumas cabeças se inclinaram para ver quem eram os recém-chegados. “Parece cena de faroeste, que bizarro”, Ana pensou, vendo alguns olhares tão preguiçosos que pareciam zumbis. Logo elas conseguiram uma mesa, uma garçonete lhes trouxe quatro folhas de cardápio plastificadas e voltou aos seus afazeres.

– E aí, o que vão querer? – Vivi perguntou. Àquela altura, Ana percebera que, no grupo, a felina era tecnicamente a líder.

– Eu vou querer de baunilha com banana – Judy disse.

– Baunilha e banana? Sério? – Vivi levantou uma sobrancelha, acusadora.

– Ué, o que tem de errado?

– Quer mesmo que eu responda?

– O que você quer di- – Judy ia retrucar, mas logo se deu conta, ficando corada e sorrindo atrevida – Duas bolas de baunilha com três de banana, ora essa. Melhor que isso não há.

– E você reclama quando te chamamos de tarada – Reclamou a fada, bufando e revirando os olhos – Eu vou querer de chocolate – Olhou desafiadora para Vivi.

– Uma mudança pra va- – Vivi ia dizendo, quando Elise a interrompeu.

– Com calda de pistache.

            As duas veteranas gemeram de frustração, e Ana só conseguiu rir daquela cena. Elise não ia deixar barato ter seu sabor favorito de sorvete insultado e ignorar tudo tão facilmente. Conquistara sua pequena vingança.

– E você Ana? – A felina se recompôs, olhando para Ana.

– Ah, aqui eles tem de passas ao rum… Acho que vou experimentar. Mas, olha, tenho que dizer uma coisa.

– Algum problema?

– É que eu não recebi ainda o depósito que minha tia-avó mandou pro ano letivo, então, tô sem grana – Ela confessou, esperando ser censurada pelas garotas.

– Ah, nem esquenta – Vivi fez um gesto de desdém com a mão – É por nossa conta hoje, okay? Somos amigas, então não tem problema.

– Obrigada, de verdade – Ana sorriu, agradecida por aquele gesto.

– Acho que eu vou querer de flocos, com uva – A felina disse para si mesma, alto o suficiente para as amigas ouvirem. Depois ergueu a mão e chamou a garçonete. Disse as escolhas de sabores, e logo depois de anotar tudo num caderninho, foi para trás do balcão.

            Naquela sorveteria, você tinha duas opções: uma delas era o self service, você escolhia seus sabores e pagava pelo peso da bandeja, pote, ou casquinha. A outra, mais elaborada (e mais barata) era escolher os sabores no cardápio em combinações predeterminadas, ou apenas escolhia os sabores a esmo e fazia suas “exigências” quanto ao meio que os sorvetes deveriam estar. Como calda, cobertura, etc.

            E logo, a garçonete trouxe as bandejas de sorvetes para as garotas ansiosas. A última a receber a bandeja fora Judy, que recebeu um olhar realmente estranho da garçonete. Aparentemente, ela também vira o significado depravado implicito da escolha da fauna. Elas seguraram o riso, enquanto a garçonete ia para uma porta de rodar até a cozinha. Depois, riram alto, chamando a atenção dos outros fregueses. Em seguida, foram ignoradas, todos voltando aos próprios sorvetes.

            Os sabores estavam, no mínimo, muito bons: frescos, recém feitos nas máquinas daquela loja, macios como o mais puro creme. Aquela era, disparado, a melhor sorveteria que Ana já visitara na vida. E as garotas concordaram com a novata, apreciando pouco a pouco suas escolhas. Judy, é claro, não perdeu a oportunidade de provocar as amigas, e começou a comer o sabor de banana pela “pontinha”: a bola de sorvete da frente que fazia uma linha reta vertical em relação às duas bolas de baunilha que ficavam no “fim da fila”. Ana segurou bastante o riso, enquanto Vivi e Elise censuravam a fauna, rindo também, mas contidas.

            Terminados os sorvetes, decidiram comprar refrigerante e pagar a conta. A garçonete, por sua vez, lançava olhares desaprovadores para a jovem fauna. E, quando estavam saindo pela porta, Judy virou-se e deu a língua para a garçonete, ultrajada atrás de seu balcão. E ela incitou as amigas a correrem, com medo de que a garçonete pudesse vir atrás delas com uma colher de madeira de mexer creme de leite e aplicar-lhes uma surra.

– E aí, aonde a gente vai agora? – Ana perguntou, interessada no programa do passeio.

– Que tal a gente olhar uma loja de música? – Elise sugeriu.

– Boa idéia, talvez uma delas tenha algum aspirante a guitarrista bonitão – Judy comentou, suspirando.

– Judy, você é impossível – Vivi deu-lhe um tapa na nuca – Vamos logo, quero ver se já saiu o novo álbum da minha banda favorita.

            No Instituto, os rapazes decidiam o que fazer. Sendo eles em sete, as votações ficavam por demais desequilibradas. Era quase meio dia, estavam naquele estado preguiçoso do corpo de relaxar para, só mais tarde, fazer algo parecido com uma atividade. Mas, pelo visto, Samuel estava enérgico e queria sair do dormitório. Igor e Andrey também, estavam loucos para dar uma saída. Já Lincoln, Capivara e Heitor queriam ficar por lá, lendo, jogando ou mesmo circulando os arredores da escola. Pedro estava indeciso, então decidiu deixar a votação começar para fazer um suspense.

– Eu quero ficar por aqui, tá quente pra cacete lá fora – Queixou-se o elfo.

– Realmente, eu detesto ficar suado sem motivo. Pra não falar que nem lavamos roupa – Heitor concordou.

– Se o problema é roupa fedida, joga um perfumão aí e um desodorante que passa – O anão disparou, ganhando algumas risadas.

– Além disso – Igor completou – A gente leva garrafas de água, a gente compra um sorvete, sei lá, uma garrafona de refrigerante.

– Nem, chega de refrigerante – Capivara disse – Se for aquelas latas de chá gelado, até posso topar. Se bem que hoje vai ter um evento de luta livre, eu queria ficar aqui pra assistir.

– Você pode deixar a função de gravação e assistir quando a gente voltar – Foi a idéia de Samuel – É só usar aqueles botões coloridos no controle remoto.

– É, é uma boa opção – Heitor concordou – Foda é que eu vou ter que usar bermuda… Odeio usar bermuda. Calor é um mal tão desgraçado…

– Não gosta de mostrar as pernocas? – Andrey brincou, conseguindo mais risadas.

– Cara, eu gosto de calça comprida, bermuda mesmo só quando faço exercícios – o homem urso disse.

– Que você faz quase sempre – O anão argumentou – É só botar uma daquelas bermudas jeans e já era. Mesmo que seja uma das poucas do seu tamanho.

– Aí ó – Samuel disse, triunfante – Outra razão pra gente sair daqui: comprar algumas roupas que não estejam fedendo a suor.

– Tá, pera lá, deixa ver se eu entendi essa lógica – Respondeu o elfo, rindo – A tua solução pra nossa falta de roupas do tamanho certo e limpas, é comprar novas?

– Genial – Disse Igor, rindo pra valer dessa besteira.

– Tá, legal, então temos três a três, como sempre – O jovem orc falou, após todas as risadas cessarem – Agora, o voto de Minerva do nosso lobisomem preferido.

            Pedro olhou nos rostos de cada um, fazendo seu típico suspense e dando um daqueles sorrisos atrevidos que costuma dar. Pulou da cama, levantou o corpo devagar, e disse:

– Capivara, bota pra gravar a tua luta. Vamos dar um rolê nessa selva de pedra.

            Em menos de dez minutos, cada um estava arrumado, tanto quanto era possível estar arrumado num grupo tão desarrumado, e, com tudo nos conformes, os rapazes saíram do Instituto, loucos pra arrumar alguma confusão na cidade. Como, normalmente, os garotos fazem. Mas, mal saíram, e dez minutos depois, já estavam sentido calor. E Pedro, é claro, reclamava pelos cotovelos.

– Argh, me joga dum barranco e me deixa morrer de uma vez – Queixou-se o lobisomem, gemendo sons estranhos de desconforto para irritar os amigos – Calor da peste, cara. Eu tô derretendo nessa merda.

– Tá mesmo quente – Concordou o elfo, abanando uma folha de árvore grande e aleatória que ele arrancou por aí – Parece que esquentou depois que a gente saiu da escola.

– Posso jurar que não tava quente assim – Capivara argumentou – Ou será que é só a gente que tá cozinhando aqui?

– Vai ver, nós é que somos quentes demais e isso é só uma reação de conseqüência – Brincou Igor, fazendo uma pose ridícula de boy band, ao que foi acompanhado pelos amigos, e logo, riram e esqueceram-se do calor por alguns segundos.

– Tô achando que isso é uma conspiração solar – Sugeriu Pedro.

– Que? – Os amigos perguntaram, ao mesmo.

– Pensa comigo, rapeize: olha essa galera na rua, todo mundo alegre, feliz, eles gostam do calor e ficam embriagados nessa sensação horrível de suar, ficar fedendo. A gente, que detesta calor com força, tá sofrendo aqui, morrendo. O sol escolhe quem ele quer matar, porque a gente aqui, que somos pessoas decentes, gostamos de frio.

– Eu gosto de calor – Andrey ergueu a mão, sorrindo inocente.

– Você é um anão, jegue – Capivara disse – É natural você gostar de calor, ao menos ser imune. Já o Pedro, deve ser a roupa que ele sempre usa.

– O que tem de errado com meu guarda-roupa? – Questionou o lobisomem, inocente.

            O grupo era realmente variado nas roupas, mesmo que elas fossem vagamente similares no estilo. Pedro gostava de vestir-se como um rockeiro do ensino médio, com anéis nos dedos, braceletes, colares com pingentes de religiões pagãs, e às vezes, uma boina vermelho-escura ou preta. Suas camisetas eram sempre com estampas de bandas ou personagens de videogames, se não, não possuíam nem mesmo um padrão de cores. Preto, vermelho, azul-escuro, cinza escuro, e só. Além disso, tinha a mania de vestir uma blusa, leve ou não, jaqueta, ou um colete, desde que fosse preto, por cima do corpo. Jeans ou calça de brim, também preto, com correntes amarradas nos puxadores de cinto, botas de caminhada ou coturnos, também pretos.

            Lincoln, por ser um elfo, preferia roupas leves, de lã ou algodão, de cores claras ou, no mínimo, terrosas. Bege claro, marrom claro. As camisas costumavam ser brancas, e ele completava com uma camisa de flanela com botões e estampa xadrez, tudo em verde, marrom, cinza. Os sapatos eram leves, do tipo que não fogem do pé se você sair correndo; Samuel vestia-se com calças largas, cáqui, do tipo skatista, tênis de skate também, camisetas largas, um cinto apertando a calça na cintura magra, alguns braceletes, e só; Andrey era simplista, apesar de ser um anão e sentir-se na obrigação de carregar algumas ferramentas presas ao cinto: jeans cinza escuro, botas na altura dos joelhos, uma camiseta preta justa no corpo, e luvas de motoqueiro com os dedos a mostra; Heitor usava uma regata preta tank top justa, com uma camisa de botões aberta e cinza escuro por cima, uma bermuda cáqui azul escura e botas de caminhada, nada chamativo; Capivara, por sua vez, usava uma camiseta azul elétrico, com desenhos intrincados de nuvens com trovões, um jeans rasgado nos joelhos, tênis de corrida, e uma blusa amarrada na cintura; já Igor carregava uma mochila nas costas, com seu laptop de prontidão, jeans casual, sapatênis cinza, uma camiseta normal, e nada de adereços.

            O grupo misturava-se bem em multidões, mas, como se deve saber, roupas escuras absorvem mais o calor do que as claras. E era exatamente por isso que Pedro sofria com o calor excessivo e maçante do sol. É claro, ele fingia que não era isso, ou realmente não se dava conta ou ignorava o fato. Fosse o que fosse, era seu dever vestir-se a contento, sofrendo ou não com o calor.

– Bom, deixa pra lá – Capivara suspirou – Que tal a gente arrumar algum doce gelado com umas garrafas de suco?

– Doce gelado? – Perguntou Lincoln – Cê diz bomba de chocolate, por exemplo?

– É – Confirmou o orc – Confeitarias e padarias costumam deixar esses doces guardados bem fresquinhos…

– É uma ótima ideia, se não tivessem tanta gordura – Queixou-se o homem urso.

– Ah, pára de chatear. Você nunca vai engordar, não na velocidade com que queima tudo de gordura que tem aí – Argumentou Samuel.

            Concordando, Heitor decidiu que valia a pena comer algo doce, e logo, os sete rapazes dirigiam-se para uma padaria logo na esquina, a mais perto que podiam enxergar que continha sombras no caminho. Eles queriam que Pedro parasse de reclamar do calor, então, deixariam as sombras refrescarem um pouco. E, enquanto mantinham a caminhada, optaram por uma confeitaria que ficava no shopping da cidade, afinal, lá dentro haveria ar-condicionado, além de outras opções de entretenimento. Esse shopping, por sua vez, era o Broken Boulevard: um mega shopping do distrito onde quase todos os jovens não humanos viviam próximos. O local era, em suma, um verdadeiro paraíso de possibilidades, com quatro andares, cada um deles com suas áreas para lazer, compras, descanso, informática, esportes, praças de alimentação, cinemas. Tudo o que uma pessoa, humana ou não, poderia querer, reunido num único local, a preços acessíveis.

            E, uma vez que despendia poucos minutos de caminhada, não era nem um pouco desagradável caminhar num sol quente, mesmo que fosse possível fritar um ovo no asfalto graças ao calor, segundo Pedro. E assim, lá estavam os sete rapazes, um grupo de jovens como qualquer outro, que por acaso chamava mais atenção do que os outros.

            A confeitaria que eles queriam ficava no segundo andar, pois era bem próxima da área de jogos, então, uniram o útil ao agradável.

            Ana, Vivi, Elise e Judy estavam, por acaso, estavam no shopping. Elise e Vivi tinham ido ao banheiro, alguma coisa a ver com “bola de pêlos”, e deixaram a vulpe e a fauna sentadas num enorme pufe, próximo a uma sorveteria da praça de alimentação. Judy estava meio que bombardeando Ana com perguntas, curiosa sobre a garota raposa. Ana respondia algumas, meio sem jeito, embaraçada, e Judy acabou parando de fazer perguntas, mas logo em seguida iniciou um coro de desculpas por ser indiscreta. Isso resultou em risadas da parte de Ana, e após isso, ambas estavam conversando a toa, até que Judy teve uma idéia.

– Espere aqui, já volto – Disse ela, e levantou trotando até a sorveteria.

            Ana só podia esperar, para ver o que a garota faria. E algum tempo depois ela retorna com um copo grande e uma senhora casquinha com um conteúdo roxo, salpicado de granola e chocolate ralado.

– Caramba, o que é isso? – Perguntou ela à Judy.

– Essa, senhorita Ana, é A casquinha de açaí – Responde a fauna, entregando a casquinha à Ana com uma reverência exagerada e engraçada.

– É, é enorme, tem cara mesmo de ser A casquinha – Disse Ana, olhando com certo deslumbre para o tamanho do doce frio. E, assim que provou uma colherada, já estava quase na metade do conteúdo, deixando Judy espantada e rindo.

– Você gosta mesmo disso.

– Ah, eu tenho meus momentos de gordice. Não é todo dia que eu provo uma coisa boa dessas.

– Bom, agora que você tem três amigas, vai ter mais momentos assim.

– Assim espero… – Ana disse, meio cabisbaixa.

– Você não costuma ter muitos amigos, não é? – Judy perguntou, solidária.

– Bem, sim, só que… – A vulpe hesitou um pouco – A maioria dos amigos que tive era um bando de aproveitadores, oportunistas, sabe? Além da minha família… Foi difícil encontrar alguém da família que quisesse ficar comigo, ou que me tolerasse. Mas quero esquecer isso, minha vida vai começar daqui pra frente.

– Otimista da sua parte, imagine o que é ser uma fauna, virgem, numa família ENORME – A fauna disse, dando a entender as entrelinhas de “família enorme”.

– Sério? Qual o problema com ser virgem? – Ana perguntou baixinho.

– É que, sendo eu uma fauna, a fêmea do sátiro, nós somos como o aspecto sexual selvagem, entende? – Respondeu Judy, corando muito – E eu sou muito tímida… Apesar de ser tão “saidinha”.

– Saquei. Não deixa isso ficar na sua cabeça, uma hora acontece, ou você escolhe uma forma de vida mais tranqüila.

– Espero que aconteça, valeu Ana – Ela respondeu, agradecida. Mas logo parou, olhando fixamente numa direção – Não olhe agora, Ana, mas seu cavaleiro negro uivante está indo na direção da praça de jogos.

            Ana olhou na direção que Judy apontava, e viu que Pedro, Capivara, Igor e Samuel estavam andando juntos, tranquilamente, rindo à vontade. Provavelmente Heitor, Lincoln e Andrey estariam em outro lugar. Ela considerou a coincidência de ela e o lobisomem estarem no mesmo shopping uma possibilidade agradável, mas corou ao lembra em como Judy chamara o rapaz. “Seu cavaleiro negro uivante”, isso era quase uma declaração de que Pedro fosse um pretendente. “Nem pensar… Ele não ia querer ficar comigo, e eu nem sei o que sinto por ele ainda”, ela refletiu. Mas continuou olhando para ele, enquanto ele andava, cercado pelos três amigos. O andar dele, a forma como seus ombros subiam ao mover os braços, os olhos verdes como esmeralda que, mesmo distantes, brilhavam.

            Mas, subitamente acordada de seus devaneios, percebeu que Judy estava agora tremendo, e, seguindo seu olhar, entendeu o motivo. Pois seguindo o grupo estava uma mulher, que da cintura para baixo tinha um corpo tubular preto e reluzente, quase roxo, longo e grosso, que ia ficando fino na ponta. Ela tinha cachos negros, pele clara, usava uma saia esquisita de um vermelho vivo, com um cinto prateado e uma blusinha por baixo de uma jaqueta de couro marrom. E, pela reação de Judy, Ana logo deduziu que aquela deveria ser Manuella Poisonheart, a tal da lâmia. “Assim é uma lâmia… Bizarro”, ela pensou.

            Infelizmente, pensou por pouco tempo, porque naquele momento, Manuella reparou nas duas, lançou um sorriso maldoso e continuou seguindo o grupo. Ana não se deixou abalar por aquilo, e encarou de volta até que a lâmia decidisse fazer outra coisa. Dito e feito, a mulher-serpente deu meia volta e foi até uma barraca de comida.

– Ana, você pirou? – Judy gemeu ao seu lado.

– Qual é a dela? – Respondeu a vulpe, ignorando a pergunta da amiga.

– Encarar uma lâmia? Sério? Ainda mais aquela louca da Manuella… – Respondeu Judy, ainda abalada.

– Ah, pára, vai. Ela não me assusta. Agora, se já terminou seu copo de açaí, vem comigo.

– O que? Por quê? Pra onde? – A fauna estava assustada, imaginando que Ana pudesse querer enfrentar a lâmia.

– Vamos até a sala de jogos, ué. É uma oportunidade de você conhecer alguém, ou, pelo menos, esquecer essa cobra maldita – Encorajou Ana, e, apesar dos protestos, arrastou Judy com decisão para a sala de jogos.

            Uma vez lá dentro, ambas foram atingidas em cheio pelo cheiro de comida gordurosa, música, luzes que piscavam, sons de risadas altas e entusiasmadas combinadas com urros de frustração. A sala de jogos era imensa, com várias e várias opções de videogames: tiro em primeira pessoa, luta, terror, arenas de combate com enormes cotonetes de espuma, entre outros. Elas precisaram de alguns segundos para se orientar, e então localizaram Capivara e Igor, que estavam juntos jogando um jogo estranho de RPG. Ana deixou Judy ali, os rapazes reconheceram ambas e permitiram que a fauna ficasse por perto.

            Ana, por sua vez, circulou um pouco para tentar encontrar Pedro. Ela queria dar um oi, conversar, mas era difícil encontrar alguma coisa específica num lugar que, ao que parecia, estourava luzes o tempo todo. Além das vozes, muitas e muitas. “Vou tentar encontrar só a dele…”, ela pensou, e concentrou sua audição, isolando uma e outra voz. Identificou a de Samuel, ou supôs que fosse ele, e quando achava que estava chegando perto, uma mão lhe tocou o ombro, e ela quase pulou de susto.

– Ora, ora, ora… – Disse uma voz feminina, arrastada e meio torpe – Se não é a novata, a bolsssssista… – A estranha voz sibilou.

– Quem… O que você quer? – Ana perguntou, se virando para dar de cara com a lâmia Manuella, vários centímetros mais alta devido à sua parte inferior que podia projetar o tronco dela para cima.

– Ah, você sabe, uma vida estável, boas notas, um rapazzzzzz bonito em quem eu possa me enrolar toda… – Respondeu a lâmia, distraída, e olhou fixamente os olhos da vulpe – É difícil conseguir essas coisas, sabe? Ainda mais quando novatas não conhecem seu devido lugar…

– Garota, me erra, vai? – Ana tentou sair de perto, ao que a enorme cauda da lâmia impediu sua passagem.

– Na-na-ni-na-não. Só vai sair quando eu terminar. Fiquei sabendo que você arrastou asa para Pedro Fenrirsson, quando ele foi seu guia na escola… E eu me pergunto como uma nada, como você, conseguiu uma vaga de bolsa na Acadêmia.

– Do que você tá falando?

– Eu não gosto de rivais, sabe? Já devorei coisinhas mais ameaçadoras do que você… – ela abaixou o corpo, o rosto quase colado ao de Ana – Não seria problema devorar você, só pra deixar claro que não permito concorrência…

– Cacete, esse seu hálito tá horrível, gargarejou com uma rola hoje cedo? – Ana desafiou, já muito irritada.

            Manuella ficou lívida de ódio, e ergueu a mão para desferir um tapa. Mas teve o pulso agarrado subitamente, e ela tentou puxá-lo, em vão. Era como se um torno de aço segurasse seu pulso, e chegou a machucar.

– Se tocar nela, vou perder de vez a paciência contigo, garota – Disse o jovem lobisomem, que olhava a cena num misto de raiva, nojo e pena.

– Sabe que gosto de um pouco de força, mas está me machucando – Manuella sorriu inocente, tentando soltar o pulso.

– Cala a boca, sua idiota – Pedro respondeu, baixo – Me escuta, e escuta bem, só vou dizer uma vez: não toca nela – Apontou com a cabeça para Ana, que estava surpresa e aliviada – Porque, se você fizer isso, vai ter muita sorte se sobrar cinco centímetros desse teu corpo de víbora… – E soltou a mão dela, empurrando o braço para junto do corpo dela. Manuella esfregou o pulso, olhou com ódio para Ana, mas com um dar de ombros, se afastou, coleando e “rebolando” em seu corpo de réptil.

– Você tá legal? – Pedro se virou rápido para Ana.

– Hm? Ah, sim, só um pouco irritada, e assustada… – Respondeu a vulpe.

– Por que ela se meteu contigo?

– Não tenho idéia… – Mentiu, mas, intimamente, ela sabia que Pedro sabia.

– Eu ouvi sua voz, e logo procurei por você aqui. É bem difícil de andar com tanta gente correndo ao redor – Disse o lobisomem – Aí eu fiquei olhando quando aquela imbecil veio pra cima de você.

– Obrigada por, bom, ter vindo me salvar – Ela respondeu, agradecida – Mas, o que você tá fazendo aqui? Pensei que gostasse de ficar no dormitório.

– Ah, você sabe, às vezes eu meio que me obrigo a sair para o “mundo real”, e isso me faz ter certeza que eu sou muito mais feliz enfurnado no quarto.

– Um motivo justo. Eu saí hoje com as meninas, minhas colegas no dormitório, e aí decidimos vir ao shopping.

– Coincidência demais, nós dois, estarmos aqui… – Respondeu Pedro, olhando nos olhos da vulpe.

– Talvez, mas provavelmente foi acaso.

– Talvez… – Concordou ele, baixinho, e então abriu um sorriso amistoso – O que você acha de dar uma escapulida, até o cinema?

– Que? Tá me convidando assim, sem mais nem menos?

– Bom, depois daquele stress com aquela vagabunda daquela lâmia, é justo você ter um momento pra relaxar os ânimos.

– Concordo, mas e o seu pessoal? E as meninas?

            Pedro fez uma expressão cômica, como se tivesse engolido algo muito azedo e seu rosto estivesse tentando dissolver cada partícula salgada. Ana riu disso, e alguns segundos depois, ambos os grupos localizaram seus “desgarrados”, o que deixou o lobisomem bem frustrado.

            E, depois de uma conversa, todos decidiram que poderiam comer juntos numa lanchonete do shopping. E ficaram por quase três horas, conversando, comendo, se divertindo, enquanto Pedro tentava o tempo todo ficar próximo de Ana, conversando com ela. Ela aceitou a conversa com ele, e ficaram entretidos um com o outro por um bom tempo, até que todos decidiram voltar para os dormitórios na Acadêmia.

            Já era um pouco tarde quando saíram, ainda com sacolas de lanches e algumas compras que tinham feito. Judy andava tímida ao lado de Elise, que conversava animadamente com Lincoln. Samuel, Igor, Andrey e Capivara estavam discutindo alguma coisa sobre um novo jogo que seria lançado. Heitor estava andando calado, com Vivi andando por perto, também quieta, ambos meditando sobre algo. Pedro e Ana, por sua vez, estavam mais para trás do grupo, conversando um pouco. Um clima pacífico de tranquilidade agora circulava ambos, que esqueceram o momento de desconforto com Manuella, e ela ria das piadas dele, enquanto que ele ouvia com atenção cada detalhe que Ana contava sobre seus gostos, e assim foi até chegarem à Acadêmia.

            Ambos os grupos se dividiram, se despediram, e cada um foi para o seu dormitório, não sem um olhar demorado entre Pedro e Ana, com sorrisos contidos nos rostos.

– Cara, ela tá tão na sua! – disse Samuel, depois de todos estarem mais confortáveis para ficar dentro do dormitório.

– Como é que é? – Respondeu Pedro, distraído.

– A novata, Ana. Ela tá caída por você – Respondeu o homem-rato.

– Até cego vê isso, logo de cara – Retrucou Capivara – Caraca, você sempre foi um fracasso com garotas, isso eu me lembro quando entrei pra Acadêmia. E agora, do nada, uma garota fica interessada por você.

– E é mútuo, pelo jeito – Adiantou Lincoln – Eu já vi você derretido por garotas, mas, caraca, você só faltou virar fumaça e chover por causa dela, os três estados da matéria: sólido, liquido e gasoso.

– Ah, pára, vai… Ela não tá a fim de mim. Não ainda – Retrucou o lobisomem, contrariado – Até porque, ela não iria ficar afim de um cara como eu.

– Vai começar… – Murmurou Heitor, inocentemente.

– Já passei por muita coisa nessa escola, galera, decepções sem conta, então, por que uma novata haveria de se interessar por mim?

– Você não negou que gosta dela, isso é um sinal – Ponderou Igor, levantando um coro de resmungos de concordância.

– É, é, eu gosto dela. Pra caralho, gosto mesmo. E daí? – Desafiou Pedro.

– Aí ó, é questão de tempo até ela cair no teu charme, cara – Disse Samuel, que foi respondido com uma almofada sendo atirada em sua direção.

            Um coro de risadas levantou no dormitório dos rapazes, e depois disso, todos estavam assistindo à luta gravada que Capivara queria tanto assistir. A torcida pelos lutadores se manteve durante quase toda a noite.

            No dormitório das garotas, Vivi estava tomando um banho realmente demorado, depois de Judy, Elise e Ana terem tomado uma ducha gelada para resfriar os corpos. Já vestidas em seus pijamas, elas jogavam conversa afora, até que Judy resolveu comentar:

– Sabe, o Pedro tava todo caído pela novata… – disse num ar inocente.

– Eu reparei isso, ele não saía de perto da Ana – Elise concordou, olhando para Ana com interesse.

– Eu sei, eu achei ele um cara superlegal, mas ele não tem uma queda por mim.

– Ah, desencana, garota – retrucou a fauna – Você é uma garota bonita, não adianta negar. Um lobisomem se interessar por você? Era questão de tempo.

– Só não esperava que fosse Pedro Fenrirsson, o cara mais emblemático da Academia – Elise completou.

– Vocês acham mesmo que eu acabei fazendo ele se interessar? – Ana perguntou.

– Bom, garotas bonitas fazem isso sem perceber – Concordou a fauna – Mas, poxa, se você não se interessar por ele, não vai magoar o cara.

– Não, qual é? Não é que eu não me interessei por ele – A vulpe corou, ao perceber o que dissera, e então acrescentou – Mas eu não sei o que devo sentir por ele. Óbvio, a gente acabou de se conhecer, somos colegas de escola…

– Isso até serem amigos – Disse Elise.

– E então vocês vão ficar, e namorar… – Judy suspirou, sonhadora, se jogando nas almofadas espalhadas pelo chão. O comentário deixou Ana realmente envergonhada, e vermelha feito um tomate. Elise riu da expressão de pânico no rosto de Ana.

– Não vamos apressar as coisas – Disse a vulpe – Não estou procurando namorado, acabei de chegar, as aulas nem começaram ainda…

– E Pedro não queria sair do seu lado, isso no seu segundo dia por aqui – Retrucou Judy, ainda deitada – Nunca vi aquele cara gostar tanto de alguém que não fossem seus amigos.

– Ele nunca teve namoradas?

– Não, pelo menos é o que se diz – Respondeu Elise – Eu estudo aqui desde que ele também entrou, e eu já o vi jogando asa pra muitas garotas, todas elas desprezaram ele. Aí ele se fechou, ficou recluso, não deixava garota alguma se aproximar mais do que “ajuda nas matérias de escola”, e só.

– Depois disso, ele juntou a turma dele, e então, tornou-se intocável – Judy suspirou novamente, fazendo poses enquanto estava deitada, e Elise acertou-a com uma almofada.

            Ana meditou sobre aquilo, duas horas depois, quando estava na cama, antes de dormir. Um rapaz que, na melhor das hipóteses, poderia ter qualquer garota que quisesse, não teve ninguém, e então não permitiu ninguém por perto. Do nada, ele supostamente teria interesse numa novata. “Não, isso é besteira… Só o tempo mesmo vai dizer, se ele tá interessado pra valer, ou se é só mais um babaca… Mas não parece ser igual aos outros”, ela pensou, enquanto fechava os olhos para dormir.

            Seu sono foi permeado por serpentes que tentavam morder seus pés, mas então, surgia um lobo que devorava as cobras, uma a uma.

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