De dentro do escritório do Distrito Policial, Elya observava seus homens tentando conter a manifestação violenta que havia estourado na avenida em frente ao prédio. Os manifestantes jogavam pedras, pedaços de madeira e tudo o que encontravam pela frente que poderia ser arremessado nos policiais em formação na frente do Distrito, protegendo-o de invasões. Ainda chovia um pouco, apenas algumas gotas finas que embaçavam o prédio de vidro e escorriam por ele melancolicamente.
Elya estava em um dos últimos andares do edifício alto, observando a cena se desenrolar como que protagonizada por formigas. Viu claramente quando um coquetel molotov fora arremessado na parede de policiais e estourou nos escudos transparentes, fazendo-os recuarem devido ao álcool que ardia em chamas aos seus pés. A multidão gritava coisas que ele não ouvia com clareza e, sinceramente, não queria saber o que gritavam. Ele alisava a longa trança castanha posta por sobre um ombro, distraído. Sentia a dor lat— É agora, vou sair de verdade. Prometo.Adelwise estava parada em frente à porta havia quase uma hora, com a mão na maçaneta. Sua respiração secava a garganta e rasgava os pulmões de nervoso. Adel abaixou a cabeça e escondeu-se atrás dos cabelos curtos cor de laranja, cansada. Desesperava-se só de pensar em sair e ter de enfrentar dezenas de pessoas pelo caminho até a farmácia – à dois quarteirões dali. Queria apenas ficar em casa e pintar seus quadros com imagens de seus sonhos ou fazer mais almofadas, mas Anmi não estava disponível naquele dia e Adel precisava de algumas coisas urgentemente. Sentia-se extremamente mal por ter de depender tanto de Anmi, que tinha mil e uma coisas para fazer todos os dias e ainda achava tempo para ajudá-la com os problemas provenientes de seu dom.Adel sentia uma gota de suor escorrer por sua coluna e ser absorvida pelo cós da calça jeans, causando arrepios nela. Dali da porta ela já sentia seu dom entrando em ação, captando os sentimen
A fumaça que se desprendia do cigarro formava coisas estranhas no ar gelado. O inverno chegaria com força naquele ano, dando indícios disso já naquele momento; o frio deixava as ruas quase desertas, o vento cortava o que encontrava pela frente, uivando por entre os prédios e levando o lixo de Ghonargon consigo.Zya levou o cigarro à boca novamente, distraído enquanto olhava pela janela do andar de cima da casa quase em ruínas, observando a rua completamente vazia. Raramente via alguém passar por ali, um veículo ou outro a atravessava, mas nunca se demorava. O ar gélido congelava a pele por baixo da jaqueta escura com as mangas arregaçadas, deixando-a com um tom arroxeado de frio. Ele conseguia ver o reflexo da tatuagem em seu peito pela jaqueta aberta, como se fosse alguma cópia espectral sua refletida no vidro embaçado da janela. Estava escuro demais naquela noite e, embora Zya preferisse permanecer no breu, acendeu uma vela para iluminar o andar superior da pequena casa.
Anmi esperava ansiosamente, parada um pouco depois da entrada da estação de trem abandonada. Ghonargon tinha muitas linhas de metrô, o que fez os trens ficarem obsoletos rapidamente. Ela apertava o cachecol em volta do pescoço nervosamente, olhando para os lados, à espera. Odiava ter que esperar Aksu sozinha ali e se arrependeu de marcar um encontro com ele naquele lugar tão vazio e largado...O lugar onde ela estava serviu, havia alguns anos, como um tipo de estacionamento de locomotivas, estando largadas nas linhas e fora delas. Alguns vagões avulsos se erguiam como esqueletos de casas de metal aqui e ali com plantas crescendo dentro e fora. Uma pequena parcela deles já se encontrava totalmente laranja de ferrugem e o metal estalava quando ventava forte ali embaixo, fazendo Anmi se assustar toda vez.Entediada, ela se pôs a observar e “catalogar” em sua mente o que havia ali embaixo, começando pelo chão cheio de entulho e coisas como saquinhos de lanches e garraf
O corredor estreito e cheio de livros fazia Aiden ter de andar de lado para espanar a poeira deles, limpando um por um com um pano. Herta ficaria no balcão naquele dia, enquanto ele iria passar o dia nas prateleiras menos visitadas dos fundos da livraria. Vez ou outra Aiden tinha uma crise de espirros, pensando que acabaria expelindo o cérebro pelo nariz. O corredor onde estava tinha livros dos dois lados e uma escada de madeira no final, que levava ao sótão da loja onde guardavam mais livros e servia também como uma espécie de escritório de Herta. O chão do corredor era de madeira avermelhada e as estantes eram rústicas e grossas para aguentar o peso dos livros, havia duas lâmpadas de luz amarelada e centenas de exemplares de todo o tipo de literatura. Era um corredor curto e claustrofóbico, mas ele não se importava de ficar um tempo sozinho ali.Aiden limpava os livros de capa dura metodicamente; tirava todos do lugar e empilhava no chão, passava o pano na prateleira e
Era começo de noite quando Louisa saiu do seu apartamento com um flyer de uma boate em mãos. Ela o pegou na rua quando voltava da loja onde trabalhava e, como Lou não foi em nenhum tipo de boate desde que chegara a Ghonargon, decidiu que iria nessa. A entrada ficava em uma rua residencial que era como uma travessa da avenida mais movimentada daquele bairro, em um tipo de sobrado grande com paredes de tijolinho vermelho e portas duplas e grossas de ferro, pichadas com diversos desenhos estranhos e nomes borrados. Acima da porta, fixada nos tijolos vermelhos, uma placa neon zumbia, piscando as palavras Dark Device – o nome da boate – em azul.Durante o dia, aquele lugar passava despercebido como algum tipo de saída de incêndio de algum dos prédios próximos ou até mesmo parecendo ser os fundos de uma simples casa vazia. Louisa passou pelo monte de gente que se encontrava fumando ali fora e entrou, achando estranho o fato de ninguém a ter barrado por causa da pouca idade. Ol
— Se demorar demais, eu desisto de sair.Genesis esperava Aiden se aprontar para comerem fora, pois era aniversário de Genesis; dezoito anos que ele mal vira passar. Ele alisava o colete preto por cima da camisa branca de mangas dobradas, nervoso. Aiden apareceu vestindo algo semelhante e sorriu perante o “par de vasos” no qual haviam se transformado, estando quase idênticos, com exceção do colete de Aiden, que era vermelho sangue.— Que coisa, não... Enfim, para onde vamos? — Perguntou Aiden.— Tem um pub legal do outro lado da avenida, mais para frente.Saíram do apartamento e esperaram o elevador lento, como sempre o faziam quando saíam. Genesis sentia a tristeza quase palpável de Aiden, que se mantinha irredutivelmente mal. Haviam se passado apenas quatro dias desde a morte de Rani e Gen não o forçava a ficar bem, deixando-o se curar em seu tempo, mas sentia-se incapaz de tudo quando percebia o olhar distante e dolorido de Aiden, ao vê-lo chegar da
O sangue escorria como um rio escarlate de seu nariz quebrado, pingando no chão de concreto da sala que os lutadores usavam para se preparar. Aksu tinha total consciência de todos os seus ferimentos: o nariz quebrado, o olho direito inchado e roxo, as costelas doloridas e o supercílio esquerdo cortado. O ar entrava dolorosamente e saía chiando do nariz, levando mais sangue consigo. Aksu arrancou a bandagem das mãos e as passou na cabeça molhada de suor. O cabelo cortado rente estava encharcado.A porta bateu e ele virou completamente a cabeça para poder ver quem entrava, afinal seu olho direito era cego – branco e sensível. Era seu agente, que ele chamava de Chocolate por causa de seu corpo quadrado e grande e sua pele negra lustrosa. Chocolate mantinha os cabelos crespos em tranças enraizadas com fios de lã vermelha e gostava de mostrar seu corpo em forma aos 40 anos usando regatas brancas e calças de moletom. Aksu não gostava do estilo dele, mas não ousava falar nada.<
Anmi saía do elevador de carga andando rapidamente até a porta do apartamento de sua prima, Adel. Anmi bateu algumas vezes e esperou. Adel estava sempre em casa, e quando precisava de algo, pedia à Anmi.Adel abriu uma fresta, espiando lá fora com um olho castanho. Anmi via mechas do cabelo laranja dela no rosto, grudados na pele suada.— Adelwise! Posso entrar? — Perguntou Anmi, alegremente.Adel tinha cara de quem estava tendo problemas naquele dia. Problemas com seu complicado dom. Ele era raro, era algo como captação do sentimento alheio que vinha em ondas, acertando Adel com força. Sair na rua e sentir milhares de coisas diferentes ao mesmo tempo era cruel e horrível, desgastante ao extremo. Em locais muito cheios, Adelwise captava tudo ao redor, sugando o que as pessoas próximas sentiam, enchendo-a. Chegava a vomitar e desmaiar em casos extremos, como quando estava em meio a uma multidão.— Não me chame de Adelwise, Anmi... — Sussurrou