O corredor estreito e cheio de livros fazia Aiden ter de andar de lado para espanar a poeira deles, limpando um por um com um pano. Herta ficaria no balcão naquele dia, enquanto ele iria passar o dia nas prateleiras menos visitadas dos fundos da livraria. Vez ou outra Aiden tinha uma crise de espirros, pensando que acabaria expelindo o cérebro pelo nariz. O corredor onde estava tinha livros dos dois lados e uma escada de madeira no final, que levava ao sótão da loja onde guardavam mais livros e servia também como uma espécie de escritório de Herta. O chão do corredor era de madeira avermelhada e as estantes eram rústicas e grossas para aguentar o peso dos livros, havia duas lâmpadas de luz amarelada e centenas de exemplares de todo o tipo de literatura. Era um corredor curto e claustrofóbico, mas ele não se importava de ficar um tempo sozinho ali.
Aiden limpava os livros de capa dura metodicamente; tirava todos do lugar e empilhava no chão, passava o pano na prateleira e
Era começo de noite quando Louisa saiu do seu apartamento com um flyer de uma boate em mãos. Ela o pegou na rua quando voltava da loja onde trabalhava e, como Lou não foi em nenhum tipo de boate desde que chegara a Ghonargon, decidiu que iria nessa. A entrada ficava em uma rua residencial que era como uma travessa da avenida mais movimentada daquele bairro, em um tipo de sobrado grande com paredes de tijolinho vermelho e portas duplas e grossas de ferro, pichadas com diversos desenhos estranhos e nomes borrados. Acima da porta, fixada nos tijolos vermelhos, uma placa neon zumbia, piscando as palavras Dark Device – o nome da boate – em azul.Durante o dia, aquele lugar passava despercebido como algum tipo de saída de incêndio de algum dos prédios próximos ou até mesmo parecendo ser os fundos de uma simples casa vazia. Louisa passou pelo monte de gente que se encontrava fumando ali fora e entrou, achando estranho o fato de ninguém a ter barrado por causa da pouca idade. Ol
— Se demorar demais, eu desisto de sair.Genesis esperava Aiden se aprontar para comerem fora, pois era aniversário de Genesis; dezoito anos que ele mal vira passar. Ele alisava o colete preto por cima da camisa branca de mangas dobradas, nervoso. Aiden apareceu vestindo algo semelhante e sorriu perante o “par de vasos” no qual haviam se transformado, estando quase idênticos, com exceção do colete de Aiden, que era vermelho sangue.— Que coisa, não... Enfim, para onde vamos? — Perguntou Aiden.— Tem um pub legal do outro lado da avenida, mais para frente.Saíram do apartamento e esperaram o elevador lento, como sempre o faziam quando saíam. Genesis sentia a tristeza quase palpável de Aiden, que se mantinha irredutivelmente mal. Haviam se passado apenas quatro dias desde a morte de Rani e Gen não o forçava a ficar bem, deixando-o se curar em seu tempo, mas sentia-se incapaz de tudo quando percebia o olhar distante e dolorido de Aiden, ao vê-lo chegar da
O sangue escorria como um rio escarlate de seu nariz quebrado, pingando no chão de concreto da sala que os lutadores usavam para se preparar. Aksu tinha total consciência de todos os seus ferimentos: o nariz quebrado, o olho direito inchado e roxo, as costelas doloridas e o supercílio esquerdo cortado. O ar entrava dolorosamente e saía chiando do nariz, levando mais sangue consigo. Aksu arrancou a bandagem das mãos e as passou na cabeça molhada de suor. O cabelo cortado rente estava encharcado.A porta bateu e ele virou completamente a cabeça para poder ver quem entrava, afinal seu olho direito era cego – branco e sensível. Era seu agente, que ele chamava de Chocolate por causa de seu corpo quadrado e grande e sua pele negra lustrosa. Chocolate mantinha os cabelos crespos em tranças enraizadas com fios de lã vermelha e gostava de mostrar seu corpo em forma aos 40 anos usando regatas brancas e calças de moletom. Aksu não gostava do estilo dele, mas não ousava falar nada.<
Anmi saía do elevador de carga andando rapidamente até a porta do apartamento de sua prima, Adel. Anmi bateu algumas vezes e esperou. Adel estava sempre em casa, e quando precisava de algo, pedia à Anmi.Adel abriu uma fresta, espiando lá fora com um olho castanho. Anmi via mechas do cabelo laranja dela no rosto, grudados na pele suada.— Adelwise! Posso entrar? — Perguntou Anmi, alegremente.Adel tinha cara de quem estava tendo problemas naquele dia. Problemas com seu complicado dom. Ele era raro, era algo como captação do sentimento alheio que vinha em ondas, acertando Adel com força. Sair na rua e sentir milhares de coisas diferentes ao mesmo tempo era cruel e horrível, desgastante ao extremo. Em locais muito cheios, Adelwise captava tudo ao redor, sugando o que as pessoas próximas sentiam, enchendo-a. Chegava a vomitar e desmaiar em casos extremos, como quando estava em meio a uma multidão.— Não me chame de Adelwise, Anmi... — Sussurrou
— Se passar a mão nesse cabelo mais uma vez, ele cairá. — Reclamou Aksu.Zya encarou o reflexo de Aksu atrás de si no espelho, parecendo estranho com aquela roupa que não parecia condizer com ele; camisa social branca com colete cinza, calças skinny e botas pretas lustrosas. Ele parecia alguém de algum dos bairros ricos de Ghonargon, enquanto Zya se misturava bem ao subúrbio, vestindo uma regata bege com centenas de crucifixos pretos estampados, a jaqueta de couro que tanto gostava – jaqueta essa que tinha deixado em seu apartamento quando fugiu para Sunfalls – e calças cargo com os inseparáveis coturnos cheios de fivelas. Aksu mantinha erguida uma sobrancelha, esperando.— Só estou arrumando. Se você parasse de reclamar de cinco em cinco minutos, talvez eu já estivesse pronto.— Sem frescura. Vamos.Saíram do apartamento de Aksu, que trancou a porta e jogou a chave para Zya, pois não tinha bolsos para guardá-la e desceram as escadas que rangiam c
— A Lou está demorando. Ela está aí? — Perguntou Henrik.Ele mantinha o celular encostado na orelha, segurando-o com o ombro enquanto passava as roupas pequenas e delicadas de Louisa. Falava com Janis – apelido da dona da loja onde Lou trabalhava, pois ela era fã da Janis Joplin e se parecia com a cantora.— Não. Tentou ligar para ela? — Disse Janis com a voz ligeiramente distorcida pela ligação.— É claro que liguei. A ligação cai na caixa postal.Henrik dobrou a camiseta branca com uma estampa de um peão de xadrez preto, colocando-a na pilha das camisetas. Henrik era organizado e metódico para algumas coisas e relaxado para outras, mas gostava de deixar as coisas de Louisa limpas e arrumadas; mesmo ela sendo autossuficiente o bastante para lavar as próprias roupas.— Ela deve estar na Anmi. Quer que eu vá olhar? — Ela sugeriu.— Não, tudo bem, Janis. Ligo pra você quando ela chegar.— Está bem. Até mais, Henrik.&nbs
Louisa recobrou a consciência aos poucos, sentindo-se meio fora de seu corpo. Os sons à sua volta estavam abafados e distantes, contrastando com a sensação gelada em seu peito como se sua alma estivesse congelando lentamente. Lou ergueu a cabeça tentando ver através da nuvem de cabelos bagunçados e claros. Tirou-os do rosto com uma das mãos e ergueu o tronco, permanecendo sentada no chão frio, encolhendo as pernas e abraçando os joelhos. Lou deixou os olhos se acostumarem à luz forte e branca do lugar, tentando entender onde estava. Para se situar, refez os últimos passos daquele dia: lembrava-se de estar conversando animada com Anmi sobre a futura lojinha fixa que Anmi queria tanto abrir para vender sua comida e os quadros da prima. Repentinamente, Louisa sentiu uma fisgada violenta em suas costelas e percebeu, tardiamente, que estava incapacitada de se mover direito, sendo arrastada para um caminhão estranho. Levou minutos para perceber que Elya a havia encontrado.Virando a
Aksu se sentia como um touro preso em uma baia estreita de metal. Ele observava com pavor os homens de farda liquidarem os invocadores indefesos presos dentro das jaulas. Os tiros ecoavam até ele como badaladas de um sino infernal, lembrando-o do exato momento em que dezenas de pessoas inocentes eram massacradas sem chance de defesa. Fazia quase uma hora que Aksu estava desperto, embora ainda levemente desorientado. Se tivesse mais alguns minutos poderia invocar fogo, derreter a fechadura da jaula, sair e tentar a sorte para libertar a todos ali.Um homem calvo e fora de forma, na casa dos cinquenta anos, preso na jaula ao lado, abaixou-se e colocou os braços entre as grades para alcançar o chão, murmurando palavras de incentivo para si próprio. Ele havia dobrado as mangas da camisa social molhada de suor e acariciava o concreto molhado, feliz. Aksu pensava que o homem havia enlouquecido quando notou várias outras pessoas fazendo o mesmo. Ele se aproximou da grade mais p