Hades, alfa da Alcateia de Prata, não podia acreditar no que via. Dois dos filhos do seu maior inimigo estavam ajoelhados perante ele; implorando-lhe para derrubar ninguém menos que o seu pai. Isso sim era uma piada de muito mau gosto. Ele não era um homem tacanho, mas gostaria de dar uma boa lição naqueles dois cachorrinhos que se atreviam a gozar com ele. Ou talvez fosse apenas uma manobra do pai para se apoderar do seu poder. Ele era conhecido por ser gentil com os filhotes, mas não com aqueles que tentavam manipulá-lo. De momento, ele alinhava no jogo. Ninguém sabia onde isso poderia levar. -E qual é o objetivo de me vires perguntar uma coisa dessas? -Sentado no trono do grande salão, impunha respeito como o magnata que era. Os presentes sentiam-se desconfortáveis com a situação, mas não faziam nada sem uma ordem dele. Os dois mais novos baixam o olhar para evitar o do líder, símbolo de total submissão, embora as mãos do que parecia ser o mais velho se fechem sobre os joelhos,
O calor era sufocante. A garganta doía-lhe ao engolir de sede, não se lembrava da última vez que o precioso líquido tinha passado por ela. Os grilhões roçavam na pele gretada dos seus pulsos e tornozelos, fazendo tremer todo o seu corpo. As chicotadas no seu abdómen multiplicavam-se a cada segundo, tirando-lhe o fôlego. A sua barriga, que tinha crescido nos últimos quatro meses, guardando nela o seu próximo cachorrinho, estava agora a perder dimensão por detrás de uma poça de sangue debaixo das suas pernas. Ela não se importava, talvez fosse melhor assim, o seu corpo estava tão fraco que interromper uma gravidez seria impossível. Se ao menos tudo desaparecesse. -O que é que ela tinha feito para merecer isto?- pensava ela em desespero. *** -Achas que eles estão a mentir? -Hades recostou-se na sua cadeira de veludo vermelho, olhando com indiferença para Siran, o seu beta. -Pareciam desesperados, mas podem ser muito bons actores, pode-se esperar qualquer coisa- foi cauteloso no seu
Dias antes Noa olhava por cima do ombro enquanto corria pelo corredor, desconfiada do seu perseguidor. Os seus pulmões apertavam e ardiam por ar, enquanto o seu cabelo castanho lhe cobria os olhos. Ele dobrou a esquina, desviando-se de uma mesa, quando o cheiro do seu inimigo estava atrás dele. A sua cabeça estava num turbilhão enquanto pensava num plano. Sentiu-o tão perto, mas onde, não estava nas suas costas. Não podia deixar-se apanhar, não agora. Uma figura mais alta atravessou o caminho. Noa parou no seu caminho e retesou os músculos. Tinha de fugir, tinha de... -Noa, seu bastardo, quando eu te apanhar, vais ver o que te vou fazer- Alan rosnou com fúria. Um sorriso de raiva saiu da boca do irmão mais velho, que ainda vestia a camisa manchada por algum líquido viscoso, resultado de uma brincadeira. -Isso se me apanhares- provocou o mais novo. Alan franziu o sobrolho, sabendo que, por mais depressa que corresse, nunca apanharia o irmão, mas admite-o, nunca. Um guarda, qu
Os cachorros engoliram quando foram descobertos e uma leve camada de suor cobriu os seus corpos, mas ficaram tranquilos quando sentiram o cheiro do seu irmão mais velho nas suas costas. Nico- Alan virou-se e fez uma careta desconfortável, -estávamos só a dar um passeio. Vamos voltar para os nossos quartos para nos mudarmos para o jantar- explicou ele, nervoso. O lobo de cabelo castanho, como eles, mas preso numa longa trança ao longo das suas costas largas, olhou na direção do corredor que terminava no escritório do pai. -Ouviste o que ele disse? -perguntou com o sobrolho franzido. Noa ergueu as mãos em sinal de rendição e dúvida. -Não sei do que estás a falar- se havia uma coisa que Nicholas nunca fazia, era ficar chateado, ai de quem estivesse por perto quando isso acontecesse. O lobo mais velho voltou a sua atenção para eles, o seu tom de voz seco e sério. -Vocês os dois. Venham comigo- não houve resposta às suas palavras. As duas crias seguiram o irmão, obedientemente. Ele
Alan e Noa corriam o mais depressa que as suas pernas os podiam levar. Alan arrastava o irmão pela floresta, desviando-se das árvores com dificuldade no terreno pantanoso depois da chuva. Tinham cometido o pior erro das suas vidas. Tinham pensado que todos os irmãos estavam juntos nesta causa, para salvar a mãe das garras do alfa. Que ilusão! A traição dói, e ainda mais quando é a primeira vez. Ainda não tinham saído do choque de ver as circunstâncias da antiga rainha quando, de regresso aos seus aposentos, viram o irmão mais velho e primogénito dos cinco, Rodrigo. Tal como o pai, ignorava-os a maior parte do tempo, como lhe tinha sido ensinado. Era tão leal ao seu alfa que era nojento vê-lo, mas não deixava de ser seu irmão e filho daquela loba. Naquela noite as coisas tinham-se descontrolado, dizer ao lobo que sabiam onde estava a mãe tinha sido um erro. Eles não tinham terminado a frase e ele deixara-os com a palavra na boca, desaparecendo pelo corredor, ignorando-os como de cost
A porta abriu-se, deixando entrar uma luz ténue, que desapareceu com a mesma rapidez. Ela levantou a cabeça com tanto esforço que abrir os olhos foi uma proeza. A imagem que tinha diante de si era tão repugnante que se sentiu ainda mais nauseada do que já estava. As suas garras começaram a quebrar a pele dos seus dedos enquanto as suas presas cresciam. Ela soltou um rugido, usando toda a sua força para alcançar o recém-chegado e rasgar-lhe a garganta. O seu corpo começou a transformar-se, no entanto, os grilhões ferrugentos à volta dos seus pulsos e tornozelos cortaram a circulação e romperam a pele. A dor percorreu-lhe o corpo como braças de fogo, caindo de joelhos e arquejando fracamente. Um sorriso triunfante cruzou os lábios do alfa enquanto ele se ajoelhava à frente dela e afastava o cabelo sujo do seu rosto abatido. -Quantas vezes é que já repetimos isto, minha linda rainha? -Ele limpou uma gota de sangue que lhe manchava a face, depois levantou a mão e bateu-lhe com um baque
Leoxi leu a carta que lhe tinha chegado às mãos. Como irmão gémeo do alfa e comandante da alcateia, tinha mais responsabilidades do que desejava na sua vida. O seu irmão tinha menos tempo do que ele, por isso não tinha o direito de se queixar, mesmo agora, sabia que estava a planear bem o ataque contra a Alcateia Cinzenta. Passou a mão pelo cabelo curto, despenteando-o. Estava impressionado com os novos acontecimentos. O que raio estavam aqueles lobos a pensar, prender um ómega? E ainda por cima um puro. Eles não sabiam que os lobos ómega eram tão estranhos como os albinos. Com a capacidade de se reproduzirem em grande número, os seus corpos eram suficientemente resistentes para aguentarem dar à luz três vezes mais do que a média das lobas, que só entravam no cio a cada 100 anos. Que loba não gostaria de ter vários filhotes com a sua companheira? Era o seu maior desejo. Voltou a ler a carta, concentrando-se no mais importante: o seu itinerário. Reconheceu a caligrafia daquele prínci
Há alguns anos atrás Nicholas deixou Alan e Noa nos respectivos aposentos, depois de passar horas a tentar que se comportassem como cachorrinhos decentes. O pai deles tinha dado ordens explícitas de que não queria ninguém dentro da mansão naquela noite e, incapaz de os fazer sair, tinha-os confinado aos seus quartos antes do pôr do sol. Os seus irmãos mais novos gostavam de o irritar e de o repreender, chamando a sua atenção para eles a todo o momento. Não podia negar que eram adoráveis quando faziam isso e acabava sempre por sorrir e dar-lhes um beijo no cimo da cabeça. Que ama que ela era, sem mãe e quase sem pai, ele era o único que lhe dava carinho. Saiu do quarto da mais nova e foi para o seu. Estava exausto. Lidar com os problemas da alcateia, que eram ignorados pelo irmão mais velho, com quem mal trocava palavras; a educação do pai e dos irmãos tinha-lhe posto mais do que alguns cabelos brancos no cabelo cor de chocolate. Tinha acabado de atingir a maioridade, os seus primei