Nuria
Eu o observei.
Stefanos.
O lobo que caminhava pelo salão como se carregasse o peso de todos os segredos do mundo nos ombros largos e tensos. O Alfa que, poucas horas atrás, tinha me arrancado do chão com promessas veladas e olhos em brasa.
E agora…
Ele me ignorava.
Depois de anunciar que eu tocaria na recepção, seguiu falando com a governanta, repassando ordens, apontando detalhes como se eu não estivesse ali. Como se nada tivesse acontecido. Como se eu não passasse de mais uma criada curvada sobre o chão sujo.
StefanosO cheiro de sangue cortou o ar como uma lâmina.Mas não era sangue comum.Era doce. Metálico. Denso.E azul.Por um instante, o tempo parou.Meus olhos desceram lentamente até o chão do salão, onde gotas se acumulavam como pequenas maldições líquidas. Azul escuro, quase brilhante. O tipo de coisa que não deveria existir.“Ela é uma aberração, meu Alfa,” a voz de Diana soou como veneno destilado. “Solon sabia. Só nunca entendi por que ele a manteve viva.”Ela sorria. Orgulhosa. Triunfante. Como se tivesse acabado de entregar uma arma carregada em minhas mãos.Meus olhos voaram para Nuria.Ela estava imóvel.Como se congelada.A mão pressionando o corte. O sangue escorrendo entre os dedos. Os olhos arregalados. A respiração presa.Diana continuou, impiedosa:“Agora tudo faz sentido,” Diana insistiu, impiedosa. “Essa... coisa, se disfarçando de loba. Solon não sabia o que fazer com ela. Mas você... ah, você vai saber.”Nuria deu um passo para trás, puxando o braço com força, dese
NuriaO som das trancas ecoou como um trovão nos meus ouvidos.Três. Quatro voltas da chave. Um estalo seco. Um fim.E então, o silêncio.O corredor escuro da prisão particular de Stefanos se fechou atrás dos guardas, e tudo o que restou foi o eco de seus passos se afastando… e a respiração descompassada presa na minha garganta.O cheiro de pedra fria, ferrugem e musgo impregnava o ar da cela como um fantasma antigo. E com ele, vieram as memórias.Memórias que eu lutei tanto para enterrar.A umidade da parede atrás de mim. A sensação da corrente imaginária no tornozelo. O som abafado da dor. O medo.As celas de Solon não eram muito diferentes. Talvez mais sujas. Talvez mais escuras.Mas a pior semelhança entre elas… era o que me faziam sentir.Sozinha.Fraca.Objeto.Meu corpo ainda latejava da pressão das mãos de Stefanos em meu pescoço, e eu sentia a marca da dor não apenas na pele — mas no peito. Onde ele havia tocado o que restava da minha confiança.Ele me olhou como os outros já
StefanosA lareira do escritório crepitava baixinho, mas o calor não chegava até mim. A madeira queimava lenta, e mesmo assim... tudo em mim era pedra.Papel após papel. Pergaminhos gastos. Registros antigos demais para estarem em bom estado, mas que tinham sido cuidadosamente preservados, como se alguém já soubesse que um dia, essas palavras voltariam a importar.A lenda dos Sangue Azul. Os Millenares da Deusa.O termo era sempre sussurrado — nunca afirmado. Sempre escrito em entrelinhas, como se a mera grafia pudesse atrair algo que os autores temiam mais do que respeitavam.“Entre as linhagens esquecidas, nasceram os que não se submetem. Aqueles que herdaram o sangue da primeira loba, ferida por deuses, marcada por relâmpagos. Eles não são nossos. E nunca serão.”Minhas mãos estavam cerradas sobre a madeira da mesa. Cada músculo do meu antebraço estava tensionado. Eu sentia meus dentes pressionando com força, como se tentar segurar o lobo dentro de mim fosse uma batalha física.Mas
StefanosO corredor da ala principal estava silencioso demais. Cada passo meu reverberava entre os vitrais e as colunas como uma acusação sussurrada. As paredes pareciam mais estreitas, mais opressoras, como se ouvissem tudo o que eu não dizia.Mas o que realmente pesava sobre mim…Eram os gritos.O som da voz de Nuria ainda ecoava nos meus ouvidos como uma lâmina enferrujada. O desespero cru. O medo rasgado na garganta. A forma como ela se encolheu no canto da cela, como se esperasse ser despedaçada a qualquer instante.Aquilo não era encenação.Não era fraqueza.Era memória viva.E meu lobo… rosnava.Ele havia ficado inquieto desde que a deixei no quarto. Mas não por preocupação racional. Era algo mais instintivo. Primitivo.Ela se acalmou assim que respirei perto dela.Não foi a cela, nem o calor. Foi meu cheiro. Foi minha presença. Como se, de algum jeito, o lobo dentro dela soubesse que eu era um abrigo.E isso...Isso me corroía.“Ela não é uma de nós.”Minha mente insistia ness
NuriaO calor era estranho.Não sufocante, mas presente. Aconchegante, até... envolvente. Algo que me cercava como um cobertor invisível. Meus dedos se afundavam em tecido macio, e por um momento, pensei estar sonhando. Talvez estivesse.Me envolvia como um cobertor invisível... e tinha aquele aroma inconfundível de pinho, fumaça e algo perigosamente masculino.Minhas mãos estavam agarradas a um travesseiro macio. Mais macio do que qualquer coisa que eu já tivesse tocado naquela casa. Por um segundo, me permiti curtir a sensação. Talvez fosse um sonho. Talvez eu tivesse morrido.Mas então meus dedos apertaram mais forte o tecido, e o cheiro ficou ainda mais evidente.E eu percebi: não era só um travesseiro.Era o travesseiro dele.Meu coração disparou.Abri os olhos de repente.E me deparei com Stefanos.Dormindo ao meu lado.Soltei um ar engasgado, com o susto subindo pela espinha como uma faísca elétrica. Ele estava virado de lado, de frente pra mim, os cabelos bagunçados e o rosto
Música do capítulo - Chandelier - Brooklyn DuoStefanosAlgo fazia cócegas no meu nariz.Era sutil, como fios de seda dançando com a brisa, e mesmo assim, me fez franzir a testa. Ainda meio perdido entre o sono e o instinto, respirei fundo… e foi aí que o cheiro me atingiu.Pinho.Fumaça.E aquele perfume suave que só podia ser dela.Abri os olhos devagar, preparado para alguma palavra atravessada, mas tudo que encontrei foi o corpo de Nuria aninhado no meu peito. Os cabelos espalhados pela minha clavícula, a respiração morna contra minha pele, e uma das pernas jogada despreocupadamente sobre meu quadril, como se estivesse ali por direito.Merda.O sorriso veio antes que eu pudesse impedir. Um daqueles, raros, involuntários. Havia algo ridiculamente confortável nela ali, tão perto. E tão… minha.Minha?Minha.Passei os dedos pelos fios escuros, explorando a textura como se quisesse memorizá-la. Desci até suas costas devagar, sentindo cada osso sob minha palma. Ela ronronou. Literalmen
Música do capítulo: Way Down We Go - KALEO (versão instrumental)NuriaO sol filtrava-se em feixes tímidos pelas frestas da cortina, banhando o quarto em um dourado suave e traiçoeiro. Tudo ali parecia calmo… mas nada em mim estava.Meus lábios ainda ardiam.Meu corpo ainda vibrava.Minha loba ainda o queria.Acordar daquele beijo havia sido como ser arrancada de um sonho para cair direto num abismo. E agora, presa no quarto de um Alfa que eu não entendia, e talvez nunca entendesse, a única coisa que queria era distância. Ou… o oposto.Me sentei na beirada da cama, tentando controlar a respiração, os pensamentos, os sentidos.<
StefanosMinha mão tocou sua cintura. Leve. Mas firme o suficiente para sentir a tensão do corpo dela.Ela não respondeu.Apenas ofegou quando meus lábios roçaram novamente sua pele, o pescoço delicado se curvando ligeiramente para o lado, como se instintivamente me oferecesse passagem.Meu nariz deslizou por sua pele.Ela estremeceu.“É o meu cheiro que te faz arrepiar assim, lobinha?” sussurrei. “Ou é o sangue? O dom? Ou sou eu... e o que faço com você?”