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Capítulo 2 - A Grande Chance

Paula Braga era uma importante mulher, pertencente a elite da sociedade brasileira, mas que apresentava traços de cansaço e trazia estampada no rosto a idade que possuía, devido o excessivo trabalho nas centenas de indústrias de tecelagens espalhadas por todo o país. Pouco visitava suas propriedades, passando esta tarefa aos subalternos como Berenice, que era responsável pela fazenda Três Marias, localizada no Marajó.  Ela administrava com o esposo as propriedades de Paula, por ter mostrando-se altamente competente, ao ponto de conquistar a confiança de sua patroa, que não hesitou em recebê-la na sua mansão, localizada na principal avenida da capital paraense.:

  — Desculpe-me por incomodá-la, mas o assunto é urgente

  — Fez bem em me procurara, do que se trata?

  — Trata-se de uma situação bastante delicada. Tenho em meu poder uma criança que ficou órfão e tem como familiar apenas uma tia desajustada, que o abandonou nas ruas a própria sorte. Através de um amigo que costuma nos visitar na ilha pude conhecê-lo e decidi lhe dar refúgio. Porém, após observar o alto grau de inteligência daquele menino seu professor me orientou a encontrar uma forma de trazê-lo de volta à cidade para que tivesse a chance de estudar.

 — Que estória interessante, Berenice. E no que posso lhe ser útil? 

 — Essa criança precisa apenas de uma oportunidade na vida para que lhe seja possível alcançar seu merecido lugar na vida e eu gostaria muito de poder lhe ajudar neste particular, mas não estou preparada para tanto. Então vim aqui lhe pedir que o ajude. Conceda-lhe a chance de retornar a capital, para concluir seus estudos e ficar apto para cumprir seu destino 

 As palavras de Berenice encheram de brilho o olhar de Paula e fez renascer no seu coração esperanças, viu naquele menino a oportunidade de voltar a ser mãe, pois havia perdido seu único filho num trágico acidente, anos atrás, e devido à idade avançada se via impossibilitada de uma nova gravidez. Depois do acidente dedicou-se apenas ao trabalho, afim de tentar esquecer a dor de perdê-lo de forma tão trágica.

 Algumas vezes pensou adotar uma criança num dos vários orfanatos onde costumava doar donativos. Mas acabava desistindo da ideia ao acreditar que ninguém seria capaz de ocupar o vazio existente em seu sofrido coração. Mas, agora ouvindo o relato cheio de entusiasmo de sua funcionária a respeito daquele menino dotado de grande inteligência compreendeu que estava sendo severa consigo mesma.

Compreendeu que ele precisava de quem pudesse ajudá-lo e pôde perceber que Deus lhe dava a chance de ter ao seu lado um herdeiro, um sucessor que desse continuidade ao império deixado por seu pai. Já que seus três irmãos mais novos se mostravam incapazes demais para assumi-lo, pois viviam de orgias e embriaguez.  A conversa entre as duas mulheres continua de forma favorável ao menino:

  — E porque não o trouxe com você, para que eu o conhecesse?

          — Me preocupei se não aprovaria tal atitude 

   — Então vá e retorne aqui com esta criança, desejo conhecê-lo pessoalmente 

   — Está bem, farei isso 

Naquele mesmo dia Berenice ainda conseguiu retornar para Soure, chegando no vilarejo ao anoitecer, comunicando a Fabiano e os demais amigos o que se passou na capital. Na madrugada seguinte já estavam a bordo se uma pequena embarcação que os transportou até Belém, seguindo para a mansão dos Braga, onde o menino seria imediatamente apresentado a Empresária, que o aguardava impaciente.

A chegada de Fabiano e Berenice à mansão estava tendo aguardada.  Os empregados receberam ordens para conduzi-los imediatamente a uma sala particular, onde a empresária os aguardava. Os dois adentraram o recinto e perceberam que Paula andava nervosa de um lado para o outro da ampla sala, repleta de móveis caríssimos, todos feitos sob medidas, em madeira de lei, bem lustrados com vernizes.

 As confortáveis poltronas revestidas em couro aveludado, de cores preta e marrom. Além, é claro, dos muitos lustres no teto e nas paredes. Que transformavam aquele lugar num ambiente luxuoso, cheio de alto requinte, bastante confortável. A milionária percebeu a aproximação de Berenice e logo pôs-se atrás de uma pequena mesa colocada com visão para a entrada.

 Ordenando que os visitantes assentassem, sua admiração pela criança foi notória, um largo sorriso se pôde perceber nos seus lábios e um ar de intenso contentamento via-se no rosto cansado. O menino de pele clara, cabelos e olhos castanhos, com quase dez anos de idade, permaneceu inerte durante toda a conversa das duas mulheres, que discutiam a respeito de seu futuro:

 — Que linda criança! Me pergunto como alguém pôde ter a coragem de abandoná-la dessa forma, só pode ter sido uma insensível

— Concordo plenamente com a senhora

— Mas não se preocupe, vamos ajudá-lo

— Sei que sim, mas tem uma coisa que preciso saber, antes de entregá-lo aos seus cuidados. A senhora pretende mantê-lo aqui em sua casa ou enviá-lo a um orfanato?

Ela afasta-se um pouco, seguida pela subalterna, e conclui:  — Como sabe, sou mantenedora em muitas destas instituições beneficentes e poderia, sim, tomar esta iniciativa e  pretendo fazer por ele algo bem maior, irei adotá-lo. Perdi meu único filho naquele trágico acidente e desde então vivo nesta terrível solidão, atormentada pela culpa que trago no peito, me sentindo responsável por tudo o que aconteceu naquele dia horrível! 

— Compreendo sua aflição, mas não devia se culpar tanto pelo que houve, teve muita sorte de ainda estar viva 

— Pois confesso-lhe que preferia ter morrido no lugar dele naquela ocasião.

 Ao invés de perdê-lo e viver nessa angústia. Mas vamos nos focar no que realmente interessa neste momento: Precisamos fazer uma aliança para mantermos esta adoção em segredo, pois sabemos bem do que seriam capazes meus três irmãos, caso viessem a saber que intento adotar uma criança que num futuro bem poderá lhes servir de impedimento para tomarem posse de toda esta fortuna que nos foi deixada por nosso pai, que sabia o quanto eram incapazes de levar a diante tudo aquilo que ele construiu a alto preço

— Sim, senhora, eu sei...

— É bom que você compreenda perfeitamente a importância desse segredo.

Não podemos correr o risco de que esta informação chegue ao conhecimento daqueles loucos, sabe-se lá o que poderiam fazer contra a vida do pequeno!

—  Não farei qualquer comentário a respeito, pode se tranquilizar quanto a isso

 O acordo de manter permanente segredo sobre o plano de adoção foi firmado entre as duas mulheres e Berenice retorna para a fazenda o Marajó, enquanto Fabiano permaneceu na mansão dos Braga, mantendo-se no conhecimento apenas dos empregados de plena confiança, por um certo tempo.

 Depois foi encaminhado ao melhor colégio interno para ali concluir seus estudos básicos, tudo no mais completo sigilo. O garoto foi logo entregue aos plenos cuidados de Dom Firmino, responsável pela internação dos menores no colégio, onde seria educado segundo a Ordem dos Franciscanos, considerados ortodoxos em seus ensinos, porém eficazes.

 A   Nova Escola

O Colégio interno foi para Fabiano importante experiência, ele se desenvolveu rapidamente no aspecto físico e intelectual. Paula e Berenice recebiam com orgulho constantes elogios por parte do frade Honório a respeito do menino que se destacava entre os demais internos. Devido sua acentuada tenacidade e extrema perspicácia em aprender cada vez mais e seu alto potencial em alcançar as médias quase que inalcançáveis pelos outros colegas.

 Conquistou por parte deles mesmos e de seus mestres um respeito que lhe fez ganhar uma bolsa de estudos nos Estados Unidos, logo que completou dezoito anos. O que permitiu-lhe passar três anos na melhor faculdade da época, especializando-se na área de administração. Aprendendo idiomas e técnicas usadas nas relações comerciais daquela época, criando neste período fortes vínculos de amizades com intelectuais e acadêmicos.

 Além de pessoas do meio empresarial.  Facilitando seu relacionamento com os setores mais desenvolvidos do âmbito social em que vivia. Enquanto isso, Paula organizava tudo às escondidas para beneficiar Fabiano, colocando-o como seu único herdeiro no testamento, apesar de ter convivido pouco tempo com ele. Após reconhecê-lo legalmente como filho.

Enviando-os imediatamente para o colégio interno e ficando a seu lado apenas nos períodos de férias. Quando os dois permaneciam uns dias na fazenda, juntamente com Berenice, ela tinha certeza de que poderia confiar nele o bastante para torná-lo seu herdeiro direto. Durante todo o tempo em que esteve distante, no exterior.

Fabiano recebia a visita regular de mãe adotiva, que repassava para Berenice as novidades sobre aquele que ela também passou a amar como filho. Sempre que possível ele enviava-lhe cartas. Procurando ser grato pela oportunidade que ela lhe concedeu, apresentando-o a Paula Braga. Permitindo nisso que uma nova estória pudesse ser escrita em sua vida. Mas toda aquela distância que por vários anos os separava estava prestes a acabar, concluía com extremo êxito seus estudos acadêmicos e retornaria breve para o Brasil.

 Já estava até desejoso de voltar a tomar banho nos igarapés da ilha, com águas cristalinas e tão geladas de doer no corpo.  Sentia bastante saudades de tudo aquilo que um dia teve que deixar para trás, afim de seguir em frente e alcançar as realizações de seus sonhos. O esperado dia de regresso finalmente chegou. Fabiano, agora um jovem rapaz com vinte e um anos de idade, retorna para seu país de origem, enquanto aquelas que o acolheram foram usadas pelo destino para ajudá-lo a chegar onde estava, o aguardavam ansiosas.

O voo dele foi tranquilo e sua chegada em paz. Depois de satisfazerem suas saudades, seguiram num automóvel altamente luxuoso até a mansão dos Braga. Onde permaneceria no aguardo de uma reunião que Paula faria com seus irmãos e também sócios das indústrias. Ocasião em que ela como a sócia majoritária pretendia anunciar a existência de um sucessor. Este que iria ocupar seu lugar presidência das indústrias, caso ela viesse a ficar impossibilitada de prosseguir.

 Todos, daquele momento em diante ficariam cientes que ela havia adotado Fabiano, e sua vida tomaria proporções terríveis. Porque surgiriam inimigos cruéis, capazes de tudo para poder destruí-lo, Paula tinha pressa em fazer tais declarações, mas sabia que discordariam de sua decisão e se tornariam contrários à ideia de serem presididos por um jovem na idade de Fabiano.

Mesmo diante deste risco de rejeição foi colocada em prática a convocação dos demais acionistas e Paula apresentou Fabiano a todos como seu filho adotivo.  Explicando-lhe todos os detalhes de sua decisão em adotá-lo, sua permanência no internato e nos EUA, as razões finais pelas quais ocultou sua existência. E em seguida anunciou oficialmente que ele seria seu único sucessor na presidência das indústrias Braga.

 Após sua morte ou afastamento por qualquer razão que a impossibilitasse de continuar na gestão. Como previa, houve tumulto e reclamações por parte de seus três irmãos. Inconformados com a decisão tomada sem prévio aviso, pois ambicionava assumir todo o império deixado pelo pai, Afonso tomou a palavra e mostrou-se descontente com as revelações da irmã.

Sentindo-se traído e alegando ser ele o merecedor da sucessão, por ser o segundo na hierarquia, o clima ficou tenso e Paula retirou-se, levando Fabiano. Ele que em nenhum momento se manifestou ou deu qualquer opinião sobre o que discutiam. Depois de retornar a mansão reservou-se em seus aposentos. Uma confortável suíte que antes pertenceu a Eduardo, o filho falecido de sua mãe adotiva, ele passou a ocupar o lugar a pedido dela mesma.

 Pois queria acreditar que de certa forma seu filho permaneceria vivo na pessoa de Fabiano. Abriu a janela de vidro e se permitiu avistar ao longe toda a extensão daquela imensa propriedade, primeiro o jardim repleto de rosas que cobria quase toda a frente da casa, depois o pomar com arvores frutíferas ao lado. A área de recreação quase nunca visitada, tantas coisas que aquele dia em diante seriam todas suas. Naquele momento percebeu que sua vida miserável poderia mudar repentinamente. O menino nascido na vila onde reinava a pobreza e brincava na chuva com outros de sua mesma idade.

Nos becos das ruelas enlameadas e repletas de ratos, que possuía algo diferente dos demais com quem vivia, pois acreditava que um dia mudaria sua vida e seria alguém muito importante, finalmente chegava na parte mais importante de seus ideais, diante dele despontava repentinamente um novo amanhecer de incalculáveis realizações.

  Um Breve Despertar.

 As manhãs de inverno começam com uma chuva fina, caindo sobre os telhados e molhando as calçadas nas ruas quase sempre cheias de passos que passavam de um lado para o outro, numa frenética batalha contra o tempo. Sentado em uma cadeira num canto qualquer da sala repleta de móveis antigos e empoeirados.

 Olhando através da janela de vidro que lhe permite ver o exterior, ele observa tudo em silêncio, com seu olhar distante, perdido em suas dolorosas recordações, imóvel e desapercebido do que acontece em redor. Semelhante àquela velha arvore plantada na praça em frente ao antigo asilo onde se encontra, que nada diz.  permanecendo muda e em segredo guarda suas origens, movendo seus galhos, dançando com o vento uma canção que somente ela mesma compreende, uma valsa que apenas o vento que balança seus galhos, sabe como tocar e nela embalar suas folhas... 

— Sr. Fabiano, estamos lhe aguardando à mesa para o café, por favor não se demore!

 — Que droga! Esperem o quanto quiser!…

O idoso murmurou aborrecido, demonstrando sua amargura de espírito.

 Fabiano, agora com 80 anos, naquele momento revivia às lembranças de sua infância e foi interrompido pela enfermeira do asilo onde vivia seus últimos dias, mostrando-se indignado com a intervenção. Sua aparência triste e o olhar sempre vazio, deixava claro não existir qualquer forma de paz e alegria no seu ser. Num breve pensamento outra vez retorna às suas recordações, sem se importar com as solicitações que foram feitas...

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