O ano é 2023. Ou será 2024? Ethan não se lembra mais. Sinceramente, Ethan não se lembra mais quantos anos tem. Ele não lembra mais o que é um dia de calor na praia, em Nova York ou em qualquer lugar do mundo. Faz 5 anos que ele não vê um dia de sol, só chuva, neblina, frio e mais chuva.
É quarta de manhã, as crianças estão dormindo. O barulho da chuva é reconfortante. Um café cairia bem nesse clima, mas não tem café. Qual foi a última vez que Ethan tomou café? Foi naquela manhã antes de ir buscar a mãe no aeroporto.
Mãe? As crianças não conheceram a mamãe. Será que ela ainda está viva? Já faz muito tempo desde a última vez em que eles se viram. Durante todos esses anos ele foi a mãe, o pai e o irmão deles. "Cabeludinhos", era assim que ela os chamava. E pelo visto continuaria chamando. Nasceram cabeludos. Ethan corta seus cabelos, mas eles crescem rápidos. Parecem anjos.
Essas crianças nunca sentiram o calor de um dia de verão. O que aconteceu? Ethan não entende. Desde que tudo isso começou, desde que essas coisas apareceram, só houve dias de chuva e nublados. Raramente o sol aparece, e mesmo quando aparece, nunca é para aquecer como em um dia de verão. Está quase na hora de partir, pois Ethan encontrou ajuda. Ele procurou durante 5 longos anos por alguém. Por um momento chegou a pensar que estavam sozinhos na terra. Mas ainda há alguém. Ainda há outros sobreviventes. Precisa acordar as crianças, mas tem dó. Elas estão em um sono tão profundo. Tão gostoso. Ainda é muito cedo, mas eles precisam partir. Ethan ouve pássaros cantando, mas não escuta carros andando na estrada. Ele ouve a chuva caindo, mas não escuto o barulho da cidade. Não importa. Eles têm um carro. Um Sedan preto, estava em bom estado, por mais incrível que isso possa parecer. Talvez ele pertencesse aos antigos moradores da casa.
Ele precisou preparar algo para as crianças comerem, pois seria uma viagem longa. Tem que preparar muitas coisas. É mais fácil criar dois gêmeos de 5 anos no meio do mato, longe das cidades, onde aquelas "coisas" estão. Será que eles têm medo de fantasmas? Ele sempre evitou contar histórias de terror para eles. Viver neste mundo já é uma história de terror. Eles tiveram poucos contatos com aquelas coisas, mas os poucos contatos já foram o suficiente para mostrar que eles têm medo. E é normal crianças terem medo.
Por que eles nasceram no inferno? Por que o mundo se tornou um inferno? São só crianças. Eles nunca brincaram com outras crianças, nunca foram para a escola, nunca assistiram um desenho infantil... Eles não vivem como crianças. Ethan queria poder dar o mundo para eles, só para poder ter o gosto de ver um sorriso em seus rostos. E pensar que já lhe sugeriram matá-los para evitar o sofrimento deles.
Eles não têm muito tempo. Precisam ir.
— Garotos — disse Ethan — Acordem! Venham tomar o café da manhã, pois partiremos em breve.
Os garotos, Samuel (Sam) e Daniel (Dan), tinham 5 anos de idade. Eram gêmeos, irmãos de Ethan, tinham cabelos longos e lisos desde o nascimento, por isso a mãe os chamava de cabeludinhos. Ethan queria que ela os visse agora que estão crescidos.
— Para onde nós vamos? — Perguntou Sam.
— Para um lugar seguro — Respondeu Ethan.
— Você achou outras pessoas? — Perguntou Dan, com receio nos olhos.
— Sim, eu achei.
— Eles vão nos ajudar.
Embora tenha achado ajuda, Ethan ainda possui um pouco de medo. Ele não sabe se realmente há ajuda. Talvez sejam pessoas possuídas pelos fantasmas, aquelas coisas podem estar tentando nos atrair para uma armadilha.
— Ethan, — perguntou Dan — você está com medo, não está?
— Eu não tenho medo de nada! — Retrucou Ethan.
— Tem sim! — Disse Sam — Está na sua cara.
— Chega de fazer perguntas! — Retrucou Ethan — Se arrumem e venham logo comer. Eu vou terminar de arrumar as coisas.
Ethan está pensativo. Ele está pensando em Delaney, sua falecida namorada, ele também está pensando na segurança das crianças. Será que ele conseguirá protegê-las? Era tudo mais fácil quando o mundo não estava silencioso. Será que ele tem munição e armas o suficiente para essa fuga? E suprimentos? as crianças não podem passar fome.
— Eu vou compensar o sofrimento de vocês — disse Ethan em silêncio, enquanto olhava de longe para os meninos.
"Papai, Mamãe, vocês estão vivos?" Pensa Ethan. Ele sente falta de vocês. Os meninos também sentem, embora não se lembrem de vocês. Papai sempre pensou que o dinheiro pudesse comprar a felicidade das crianças, mas o dinheiro só compra coisas materiais. Mamãe viajava sempre por causa do trabalho, mas sempre arranjava um tempo para fazê-los felizes. Onde eles estão?
Há um piano na sala. Ethan sempre toca para acalmar os meninos e fazê-los dormir. Sem amigos, suas brincadeiras sempre foram com Ethan, Delaney e Amanda. Ele nunca brigou por ficarem acordados até tarde fazendo barulho, afinal, não há vizinhos para reclamar do barulho de crianças brincando.
— Ethan, nós estamos prontos — disse Sam.
— Ótimo! — Disse Ethan. — Vai ser uma viagem longa, difícil e perigosa, então eu quero que escutem bem o que eu vou dizer. Eu levei vocês para fora poucas vezes, então vocês não conhecem bem o mundo em que vivemos. Há perigos lá fora, então vocês precisam fazer tudo o que eu disser.
— Ok! — Disse Sam.
— Ok! — Disse Dan.
Ethan se lembra de quando ensinou os meninos a usarem uma arma. Delaney achava que era cedo demais, mas Amanda sabia que o mundo era perigoso demais e as crianças precisavam aprender a viver nele. Ethan ensinou tudo a essas crianças. Ensinou a ler, escrever, desenhar, pintar, plantar e a sobreviver, principalmente. Ethan também contava histórias sobre o mundo antigo, como era a rotina das pessoas, como o mundo estava dividido...
— Tá legal — disse Ethan, enquanto colocava as crianças no carro.
— Nada de falar durante a viagem, eu preciso me concentrar, só falem se for uma emergência. E o mais importante, se eu parar o carro, NÃO SAIAM do carro sem minha autorização!
A chuva parou há alguns minutos, está muito frio lá fora, 7° C. Há muitos suprimentos. Eles têm tudo o que precisamos para essa viagem. Eles vão para a divisa de Nevada com o Utah, no oeste do estado. Atualmente eles estão no norte do estado do colorado. Ethan estava mandando mensagens de socorro pelo walkie-talkie durante todos esses anos, até que finalmente foi atendido. Há uma comunidade de sobreviventes na divisa. A pergunta é: Será que é seguro?
Ethan se lembra do que lhe foi perguntando por Dan mais cedo: "Você está com medo, não está?"
Sim, Ethan está com medo! Quem garante que os "sobreviventes" não estão possuídos? Quem garante que eles não estão enganando sobreviventes? Desde Nova York, Ethan aprendeu que o ser-humano mostra sua verdadeira face quando é posto em situação de anarquia. Em situação de sobrevivência. E o pior, quando o inimigo pode manipular ele. Quando o inimigo pode possuir o corpo dele. Será que é uma boa ideia ir para esse "abrigo"? Ethan esperou uma semana inteira para decidir isso.— Ok, vamos começar, — disse Ethan — vai ser uma viagem longa, então lembrem do que eu disse. Se eu tiver que sair do carro e vocês ficarem, se necessário, "defendam-se".
"Vai ser uma viagem longa, Ethan. Tome cuidado com essas crianças. O mundo já não é mais o mesmo. Agora você é um homem, então aja como um". Pensou Ethan.
Motor ligado.
Garagem aberta.
Crianças com cinto.
Pé no acelerador.
Carro na estrada.
Como Ethan queria que nada disso tivesse acontecido. Como queria estar em casa, em seu apartamento em Manhattan, em mais um dia normal. Eles ouvem sussurros em suas cabeças, parecem vozes de pessoas que conheceu. Não! São os fantasmas. Eles não vão enganá-lo. Ele sabe que estão perto. Ele sabe.
Uma grande explosão. Essa é a teoria mais aceita para explicar a origem do universo. A astronomia é uma ciência fantástica, gosto dela desde criança. Ethan terminou o ensino médio há cerca de um ano atrás. Ele deveria procurar uma faculdade, mas ainda não sabe o que estudar. Astronomia, talvez? Ou deveria seguir os passos do pai e se tornar banqueiro? Sua mãe é embaixadora dos EUA. Ela está no Japão resolvendo assuntos diplomáticos. Samuel e Daniel nasceram há 9 meses, sua mãe deveria estar ali para cuidar deles, mas assim como seu pai, ela acha que o dinheiro compra a felicidade dos filhos. Não compra. Mas ela sempre fez o possível para estar com eles. Ethan se lembra de quando ela mentiu para não ir viajar com o presidente, só para ir ver o jogo de futebol dele. Ela disse que voltaria no dia seguinte, Ethan e Thomas, seu pai, iriam buscar ela no aeroporto JFK, de manhã. O dia está bem quente e ensolarado, uma piscina cairia bem. Ethan tem uma vista
Ethan chegará em Nevada dentro de 3 ou 4 dias. Atualmente, eles estão no norte do Colorado. Já faz 2 horas que saíram de casa, uma casa no meio da floresta, próximo das montanhas. Só há estática no rádio do carro. Ele não consegue falar com Jake. Jake é o homem quem respondeu o pedido de socorro de Ethan. Ele disse que há uma esperança, que ainda há muitos sobreviventes. Será? Ethan tem medo daquelas coisas estarem enganando-os. Ele lembra quando elas possuíram a Amanda. Foi algo terrível. Fazia tempo que Ethan não dirigia. A estrada não tinha movimentação. Talvez um deserto fosse mais vazio. Sem carros ou caminhões destruídos para atrapalhar a passagem. Ethan só saía de casa para procurar suprimentos. O céu ameaçava chover novamente, pois estava muito nublado. Faz anos que Ethan não vê um dia ensolarado. Aquelas coisas são vulneráveis ao calor, por isso trouxeram o frio com elas. Ele lembra do céu azul daquela noite, aquela maldita noite. Parecia tã
O despertador toca. São 7:00 da manhã. Ethan se levanta. Como todo jovem, a primeira coisa que ele faz é pegar o celular na cômoda ao lado da sua cama. Tem algo errado, o termômetro está registrando 9° Celsius e chuva. Mas a previsão do tempo era de 30° Celsius e um dia bem ensolarado, afinal, estamos no verão. Ethan sai do seu quarto e caminha em direção as escadas no final do corredor. Enquanto desce, ele ouve seu pai falando ao telefone, pelo tom da voz, ele não está muito contente. — Pai? — Estou na cozinha — responde Thomas. — Estava falando com quem? — Com as empregadas e a babá. Elas estão presas na cidade, por causa dessa chuva. Mas que droga! O noticiário não disse que faria sol hoje? — Disse, mas pelo visto se enganaram. — Nós estamos no verão! - Disse Thomas com um tom de voz firme. - Deveria estar calor lá fora! — Acho que vamos ter que levá-los. Se bem que eu não consigo falar com a s
Já se passou doze horas desde que eles partiram. A noite já havia caído. Não estava chovendo, mas a neblina é densa. Ethan está ficando cansado de tanto dirigir. Ele sabe que precisa parar o carro para descansar. Mas e o perigo? será uma boa ideia? Delaney e Amanda. Seria mais fácil se elas estivessem ali. Os meninos estão dormindo, se Ethan dormir, quem ficará de olho neles? Ethan se aproxima de um posto de gasolina com uma lanchonete. É perfeito para encostar o carro e descansar. "Preciso descansar", pensa Ethan. Ele adentra ao posto, estacionando o carro. Vira-se para trás e cutuca os meninos, acordando-os. — Sam, Dan, acordem. — Nós já chegamos? — Pergunta Sam, com uma voz sonolenta. — Não, só paramos para descansar. Os três descem do carro. Ethan empunha a arma para garantir a segurança dos meninos. Ele arromba a porta da lanchonete que está bem bagunçada e suja. Há um quarto na parte de trás do estabelecimento. Ethan en
Dois dias. A chuva continua. Ainda há energia elétrica, por incrível que pareça. Mas por quanto tempo? A TV está ligada, embora não haja sinal. As redes sociais estão cheias de mensagens, hashtags e vídeos sobre o fim do mundo. #Fantasmas. #Apocalipse. Há um rádio presente na sala, ele tem sinal e está funcionando, apesar do péssimo sinal que provocava estática. O exército está comunicando as pessoas para não saírem de casa ou dos abrigos em que estão. É extremamente vital que permaneçam em locais seguros. A casa estava cheia, até que um casal saiu para ir salvar os filhos que estavam na escola. Eles nunca mais voltaram. São 5 estranhos, agora. Nathaniel, 28 anos, mora no andar abaixo de Delaney. Já teve alguns conflitos com Ethan, que o chama de “anarcopunk” de merda. Seu cabelo moicano espetado para cima... bem, tudo irritava Ethan; Sharon, 66 anos, mora no apartamento ao lado
Um dia na estrada. Faz um dia que Ethan e os meninos estão na estrada. Está chovendo, não muito forte, mas não muito fraco. Os meninos estão dormindo no banco de trás, enquanto Ethan dirige. A névoa está densa. As árvores e a natureza estão tomando conta da estrada. O termômetro do carro está marcando 4° Celsius. Ethan está exausto, não dormiu nada desde a noite passada. Ele pensa em parar o carro para descansar um pouco, mas não pode. Os perigos que estão nos arredores daquela estrada, dentro daquela floresta, são imprevisíveis. Ethan observa os meninos pelo retrovisor, estão dormindo em um sono profundo e confortante. Eles são a razão pela qual Ethan continua. A chuva está parando, é um bom sinal. Os fantasmas aparecem com mais frequência quando está chovendo. Tudo está tranquilo. O único som que se ouve é o do carro e o da natureza. Não há pássaros pelo céu. Ethan está concentrado na direção, mas o sono e o cansaço o incomodam. Suas pálpebras estão quase
Está chovendo muito do lado de fora. As crianças estão chorando. Delaney e Ethan estão com os meninos no colo, balançando-os e tentando acalmá-los. — Será que dá para fazer esses moleques calarem a porra da boca? — Diz Nathaniel. — Cala a boca você, seu merda! — Retruca Ethan. — Ei, Ei, Ei! — Diz Delaney.— Se comportem vocês dois. — Precisamos de comida,— diz Henrique — eles estão chorando por causa da fome. Já faz uma semana que estamos presos dentro desse apartamento, fora o fato de que a comida acabou ontem. — Não tem mais nada? — Pergunta Delaney. — Infelizmente não. Eu acabei de checar. — Talvez possamos procurar comida nos outros apartamentos. — Diz Jefferson. — Não vai dar — diz Camilla. — O prédio todo foi construído para ser à prova de assaltos, nós nunca vamos conseguir arrombar uma porta. — Como sabe disso? — Pergunta Nathaniel.&
O que aconteceu com o carro? Será que ele foi roubado? É provável. Ethan está tentando manter a calma diante da situação, ele deu uma ordem aos seus irmãos, mas a desobediência falou mais alto. — Eu dei uma simples ordem para vocês — disse Ethan, enfurecido. — Tudo o que vocês tinham que fazer era me esperarem na porra do carro, e vocês não foram capazes de obedecer a porra da minha ordem! Sam e Dan abaixam a cabeça, pois sabem o quão errado estão. — Não adianta fazerem essas caras. Vocês fazem ideia de como vai ser mais difícil para chegarmos ao abrigo? — Desculpa — disse Sam, com lágrimas nos olhos. — A culpa é minha, eu que saí do carro. — Não me interessa de quem é a culpa, quando eu der uma ordem, vocês obedecem! O cão late para Ethan. — Onde achou esse cachorro? — Perguntou Dan. — Ele estava na cidade — respondeu Ethan. — Podemos ficar com ele? — Pediu Sam. Um cachorro é muito útil