Franzi o cenho, confusa.
O que ele fazia na adega sem o meu tio...? Voltei para o garçom que começou a secar a lambança com vários panos de chão, um outro garçom veio ao seu socorro, então me senti confortável para sair.
— Desculpe, sei que te dei trabalho.
— Oh, não é nada, senhorita, eu que peço desculpas. Seu vestido sujou?
— Acho que não. — Dei uma olhada rápida, o vestido estava intacto. — Com licença.
Distanciei-me seguindo para a parte de trás da casa onde ficava a adega, desci os degraus de madeira com certa dificuldade por conta do salto fino, enruguei a renda no quadril para ter melhor visão do chão. Mesmo antes de concluir a descida, julguei estranho o silêncio, mas também suspeitei que David, o devasso incontrolável, poderia ter armado alguma surpresinha para
— Aurora… Aurora…Ah…? Quem… oi… uma voz melódica, calma, macia, soou próxima ao meu ouvido. Despertei de um pesadelo horrível e tudo desadormeceu assim que consegui despregar os olhos, inclusive dores musculares. Ai… cada músculo se fez presente, dolorido, latejante.O que aconteceu comigo, afinal? Fui atropelada ou caí de um penhasco?— Mãe! — murmurei, a visão tornando-se possível. — O que aconteceu? Onde estou?— Filha, você desmaiou, calma, estava com a pulsação muito baixa por conta da notícia, sofreu um colapso nervoso e veio para o hospital — ela explicou, movendo os dedos no meu cabelo. — Como se sente agora?— Hospital? Notícia? Por que eu desmaiei?— Você não lembra?— Não. Cadê o David?A pergunta surg
Fiz um esforço sobrenatural para assimilar tudo, sem chorar descontroladamente.— Entendi, celular confiscado, mas e nós, ficamos aqui, parados?— Teoricamente, sim, tem peritos no local do sequestro verificando possíveis provas. Estamos analisando as imagens das câmeras da casa e da região. Também vamos interrogar os funcionários do buffet e todos os convidados.— E os pais do David já sabem?— Sim, estão a caminho. — A voz bateu no espaço, Nicholas, descendo as escadas, logo identifiquei a roupa que usava, uma calça de moletom e camiseta, as peças preferidas do irmão para ficar em casa. O caçula atravessou a sala segurando meu olhar. — Você está melhor? — inquiriu, dobrando os joelhos para que seus dedos suavizassem as gotas que não controlei.— Estou... seus pais?— Abal
— Aurora! — Athos me chamou para perto dele. — Olhe essas fotos, são dos funcionários do buffet. Alguém lhe é familiar? Talvez tenha visto em algum lugar em sua rotina ou do David? — Entregou as fotos.— Deixa eu ver.Folheei cada foto, não me lembrando de nenhum rosto. Pessoas comuns que nunca vi na vida. Contudo... faltava alguém. O garçom que esbarrei, não havia ninguém com sua fisionomia entre as fotos, para ter certeza folheei três vezes, ao contrário poderia me equivocar.— Alguém? — ele indagou, intrigado.— Na realidade, falta alguém. Um garçom que tombou comigo no salão, o incidente aconteceu minutos antes de eu descer para a adega, acarretando muitas taças no chão. Não tem ninguém aqui que pareça com aquele homem — afirmei e devolvi as fotos.&mdash
Hélio ergueu a minha cabeça que antes estava suspensa, seus dedos em gomo sustentaram meu queixo.Ele ansiava pelos meus olhos e obteve somente um, o outro vedado pela pálpebra inchada estava inútil. Olhou-me fleumático, demonstrando frieza, ânsia e repulsa movimentaram meu estômago assim que o hálito de cigarro barato vindo dele atingiu meu rosto. Segurou então meu maxilar com firmeza, meneando-o de um lado para o outro. Gargalhou como um verdadeiro sádico, enquanto avaliava a destruição feita.— Desculpe, não me apresentei decentemente naquele dia, minha filhinha estava um tanto histérica. — Ele soltou meu rosto com brutalidade, o deixei cair com o embalo da violência de sua ação, erguendo-o em seguida com certa dificuldade. — Te garanto, meu genro, que isso ela puxou da mãe. Agora o resto é do paizão aqui, diga-se
— O sequestrador do meu irmão é seu pai? — A voz do Nicholas explodiu abatendo violentamente a minha consciência, ele anulou a passos largos nossa distância, cravando aquele mar turbulento sobre mim.— Eu...Eu mal havia digerido a descoberta, só pensava no quanto fui inocente por não ter aberto essa hipótese com o currículo maléfico do demônio. Cambaleei escorando-me na mesa, sentindo meu corpo pesar ao mesmo tempo que lembrava do vídeo, do Hélio na universidade, do David ferido.Muita coisa batendo forte, muita coisa ferindo a minha existência. Desgraçado!— Aurora, tem certeza? — Ouvi Athos perguntar. Encolhi os ombros e baixei a cabeça.— É seu pai nas fotos?Só assenti drasticamente, aceitando o fardo.Não demorou muito e todos foram atraídos para o espaço que estreitou em meio a tanta conturbação. O pai de David, com seu português arrastado bombardeou todos indagando suas dúvidas. Revoltado, claramente evitando contato comigo. S
Foi árduo deixar aquele apartamento com tantos pesares sobre as costas. Enunciar que aceitei todas as desconfianças sem revolta era mentira, foi difícil engolir a maneira ácida e desalmada que Nicholas me tratou diante da dor que partilhamos. Ele estava comigo na adega, presenciamos juntos o impacto do vídeo, a dor, o sentimento de impotência diante do espancamento. Como ele pôde me punir daquela maneira? Como a família Queen pôde ser tão cruel comigo? Entendo que como pais estavam desorientados em meio ao sofrimento e incertezas, em todo o caso, não merecia ser julgada como uma criminosa, ser incluída no mesmo bando bárbaro.A entrada na delegacia, como a saída do apartamento de David, foi um tumulto total, muitos repórteres querendo informações das mais variadas vertentes. O delegado que cuidava do caso nos interrogou com gentileza. Ao contrário do que pensei, não houve acusações, e sim a busca de um por que, o que era gritante — dinheiro. O que mais seria? Hélio ambicionav
36 horas depois...Despertei com água fria, chutes e socos, ainda assim o ruído de ferro que percorria o piso cimentado era capaz de ensurdecer qualquer espécie viva e me causou alguns transtornos. Raciocinar estava penoso, as drogas injetadas faziam do meu corpo um fardo e até respirar era um ato doloroso. Esforcei-me em abrir os olhos, negado, não conseguia mover as pálpebras inchadas. Uma ânsia, a mesma que vivia constantemente contorcendo meu estômago, deu as caras e o vômito veio, soluçado, cuspido, quase sufocante.— Olha aí, vomitou de novo. — A voz debochada do infeliz do garçom soou ao meu lado. — Melhor dar água para ele, chefe.— Depois, agora confira o parâmetro, tem algo estranho. — Essa voz também era inconfundível. Hélio parecia nervoso, aliás, todos no cômodo inspir
— Mãe, o que houve? — Saltei da cama quando a porta bateu com violência, dona Ana entrou e logo se mostrou ofegante. — A senhora está pálida, meu Deus, David. Aconteceu alguma coisa com ele?— Acharam ele.— Acharam o David — vociferei. — Preciso ir até ele — falei, tentando controlar a explosão dentro de mim. — Mãe, ele foi para o hospital? — perguntei, já me desfazendo do pijama, colocando a primeira calça e camiseta que vi na cômoda, sentei-me para calçar o tênis. Contudo, um silêncio me incomodou, fitei a mulher que permaneceu intacta, não entendi o motivo daqueles olhos estarem tão turbulentos se o David finalmente estava a salvo. — Mãe, qual o problema?Ela caminhou lenta demais, estranha demais, ajoelhou-se diante de mim e mirou nos meus olhos.— Aurora, presta atenção — murmurou cautelosa. E meu mundo ruiu.O David estava bem, não é?— Aconteceu alguma coisa com o David? — gritei desesperada. — Fala, mãe.— A Mel informou que o David foi levado ao hospital muito debilitado e g