— Cora, espera, não. – Miranda se apressou para segurar Cora pelos braços quando percebeu que além da inquietação ela também planejava se levantar, assustada. Já havia sido difícil o suficiente remendar as feridas dela, não ia permitir que um terror noturno colocasse o trabalho todo a perder. — Tá tudo bem agora. Você está segura aqui.
Pelo canto de olho, Miranda percebeu que Tony acordou, mas ficou meio sentado meio deitado, observando de longe.
Os olhos de Cora estavam abertos, mas desfocados, sua consciência distante do presente. Cora mordia o lábio inferior com força agora, como se, mesmo dormindo, estivesse segurando vontade de chorar.
Travor segurava firmemente entre os dedos o medalhão que seu mentor lhe dera de presente pouco antes de sair para a sua última jornada, se tratava de um nó celta cujo desenho tomava a forma de um pentáculo. Era o seu talismã da sorte e ele nunca saía ou fazia coisa alguma sem tê-lo por perto.Quinn ensinou a Travor tudo o que ele sabia, e não fora apenas seu mentor, mas a figura mais perto da de um pai que ele já teve. O homem o literalmente tirou das ruas, um adolescente abandonado, expulso de casa pelo simples fato de ser diferente do que a sociedade espera de um garoto, tendo ele nascido em um corpo feminino.O acolhimento que recebeu quando começou sua caminhada com Quinn mudou a sua vida para sempre e se apegar ao medalhão mantinha a presença de Quinn viva e próxima,
À contra gosto, Cora ficou na cozinha com a tarefa de conferir a documentação que Tony encontrou vasculhando as gavetas e as caixas guardadas nos armários e no topo do guarda roupas. Enquanto isso, Tony e Miranda se preparavam para verificar o porão.Bom, Tony tinha que se preparar. Era um porão em um casinha de madeira em desuso no meio do absoluto nada logo depois de ser atacado por um monstro que ele podia facilmente chamar de demônio. Então, sim, ele precisava se convencer mentalmente a abrir o alçapão e descobrir o que havia ali embaixo.— Você consegue, Tony. Consegue sim. Vai dar tudo certo. – Tony ficou dizendo para si mesmo, como um mantra, andando de um lado para o outro em frente
— Que merda é essa agora? – June correu de volta para a escada e subiu o mais rápido que conseguiu, apoiando seu peso do canto dos degraus de madeira, que ele percebeu na descida serem os lugares mais firmes. Deixou a lanterna para trás, Tony se viraria para acompanhar.No topo, June viu logo meia dúzia de babacas sem cabeça se aproximando.— Só pode ser brincadeira… – murmurou pra si mesmo e virou para baixo, para Tony. — Quando chegar aqui em cima, se prepara pra correr.— Mas- por quê? O que tem aí em cima? – June não respondeu, foi direto para dentro da casa e viu Cora parada à janela, arma a postos.Ela podia parecer durona a maior parte do tem
O rapaz que Tony trouxe para dentro tinha os cabelos tão vermelhos quanto as chamas do fogo antes que elas enegrecessem e consumissem a criatura do lado de fora. Ele mancava, se apoiando pesadamente em Tony e era difícil dizer se isso era por causa dos ferimentos ou do choque. June ficara preparado e alerta no instante em que ouviu o barulho de motor se aproximando, especialmente no meio do caos que a floresta se tornara, com mais e mais monstros chegando e se conglomerando, ao ponto de ser quase impossível dizer onde um começava e o outro terminava. E vinha estado se equilibrando entre manter a calma e impedir que Tony entrasse naquele pânico frenético novamente. Pelo jeito como as coisas iam, a ideia de que sobreviveriam para ver o dia amanhecer não passava de um sonho. Mas então um 4x4 chegou atropelando um pu
Quando Miranda ficava recolhida no espaço mental, ela costumava ficar no escuro, como se dormisse, e, às vezes, algumas imagens vinham ela, difusas, fáceis de se confundir com sonhos. Tanto que, quando abria os olhos para o mundo externo, não sabia dizer se aquilo realmente acontecera sob o controle de June ou se eram apenas lembranças oníricas.Dessa vez, contudo, Miranda se sentia bem acordada, embora não estivesse controlando o corpo. Ela estava perto da superfície o suficiente para ouvir a discussão à sua volta e ver através dos olhos de June. Vez ou outra, Miranda até mesmo foi capaz de misturar seus pensamentos com o dele. Uma conversa interna surpreendente e confusa e Miranda não podia estar mais grata por essas novas possibilidades estarem se apresentando justo naquele momento. — De jeito nenhum! – Miranda deixou sua opinião mais clara impossível, se colocando entre o corpo de Cora e Travor, como se ela estivesse cem por cento disposta a servir de escudo humano se fosse necessário. Tony mais do que entendia o posicionamento dela, ele mesmo ainda tentava digerir a ideia que Trav havia apresentado. — Nós não vamos amputar a perna dela e usá-la como um pedaço qualquer de carne pra isca. Pelo amor de deus!Travor soltou o ar com força pelas narinas, perdendo a paciência. Dava pra ver que ele preferia a companhia de June, o cara prático e insensível, do que Miranda.— Mas, acontece que não tem outro jeito. – Travor disse, apertando a malAquele pedaço de carne
Foi ótimo que Tony tenha desmaiado, Miranda ponderou, ela mesma, se pudesse, não estaria ali para ver o que iria acontecer.— Certo, – começou Travor, — vamos colocá-la na mesa e virá-la de lado, vai me dar mais apoio.Enquanto Travor empurrava toda a bagunça da mesa para o chão e fazia o que era possível pra ter uma superfície limpa, Miranda fez um torniquete na coxa de Cora para reduzir ao máximo a circulação sanguínea naquela parte do corpo. Se tivessem feito isso antes, talvez a necrose e aquele fluido pútrido não teria se espalhado tão rápido.Foi uma decisão errada atrás da outra. Miranda não conseguia evitar se culpar por ter forçado a troca com J
Tony sentiu mãos tocando seu ombro e acordou de súbito, se sentando tão rápido que foi como se sua pressão sanguínea tivesse ido parar nos pés, zonzo, com uma dormência enjoativa no trecho acima dos lábios e abaixo do nariz. Miranda o amparou, ajudando-o a se inclinar para frente, uma mão firme em seu peito e outra em suas costas, comprimindo só o suficiente para ajudar a diminuir o vazio que ele sentia entre os pulmões.— Ei, Tony, shh… – ela seguiu fazendo movimentos circulares em suas costas e dizendo frases de afirmações que, apesar de Tony estar ciente do quão genéricas e fora da realidade elas podiam ser no momento – “está tudo bem”, “tudo vai melhorar”, “você está indo bem” –, a repetição e