A garota mordeu os lábios, o olhar carregado de desapontamento. Ao notar o pulso vazio de Sílvio, franziu as sobrancelhas:— Cadê o relógio que eu te dei?O relógio tinha sido o presente que ela trouxe para ele quando voltou.Sílvio vinha usando o presente nos últimos dias, mas, por dentro, estava tomado por uma inquietação inexplicável. Era como se algo o deixasse à beira de explodir. Mesmo assim, ele sabia que Lúcia se tornara órfã por causa dele. Por ela, Sílvio misturava amor e culpa, um sentimento que o consumia mais do que gostaria de admitir.Reprimindo o incômodo que martelava em sua mente, Sílvio caminhou até a mesa de centro, pegou o relógio que estava ali e voltou para perto da garota. Ela o recebeu com um sorriso suave e, delicadamente, colocou o relógio de volta em seu pulso.— Você é a Lúcia? — Sílvio deixou a pergunta escapar, quase sem perceber. Era uma dúvida absurda, mas que vinha incomodando-o há dias. Algo parecia fora do lugar.Ele viu com clareza o leve tremor na
— Tudo bem, eu faço do seu jeito. — Disse Sílvio, segurando firme o secador antes de ligá-lo novamente para terminar de secar o cabelo dela.Depois de terminar, Sílvio pegou o celular e enviou uma mensagem para Leopoldo:[Parar imediatamente qualquer investigação sobre a Lúcia. Eu escolhi confiar nela. Lúcia jamais me enganaria ou me faria mal.][Certo, Sr. Sílvio.]Enquanto isso... Giovana, trancada no banheiro, digitava rápido no celular para Arthur:[A desgraçada da Lúcia ainda está viva. Você precisa dar um jeito de acabar com ela sem deixar rastros. Se ela continuar rondando o Sílvio, uma hora ou outra tudo vai desmoronar.][O relógio que o Sílvio tá usando é aquele, né?] Respondeu Arthur.[É sim.][Então relaxa. Eu coloquei no relógio um composto especial, algo que vai deixar ele completamente vulnerável. Em breve, ele vai estar nas suas mãos, Giovana, sem qualquer resistência. Aproveita essa culpa que ele sente por você e casa logo com ele. Depois do casamento, você pode assumir
Lúcia não conseguiu dizer a palavra de recusa. Ficou apenas olhando para o homem à sua frente, separados pela neve que caía incessantemente. Os flocos pousavam discretamente em seus cabelos, nas longas e levemente curvadas pestanas, na linha bem definida do nariz e nos lábios finos.— Lúcia, eu já entendi mais ou menos a sua situação. — Começou Basílio, com a voz firme, mas sem pressa. — Você sabe muito bem qual é a postura do Sílvio agora. Ele não vai acreditar no que você falar. Pelo que eu soube, seus pais já se foram, e você está sozinha no mundo. Se continuar recusando ajuda só pra evitar que o Sílvio te entenda mal, vai acabar sendo um alvo fácil pra essa mulher que se passa por Lúcia. Ela com certeza não vai deixar você em paz.Lúcia mordeu os lábios, visivelmente hesitante:— Se fosse eu no seu lugar, procuraria alguém de confiança pra me ajudar e me dar abrigo, pelo menos até conseguir resolver as coisas. Se você for pega ou, pior, se algo acontecer com você, como vai lutar pr
Lúcia assentiu com a cabeça.Basílio seguiu à frente, e Lúcia o acompanhou de perto. Ele vestia uma jaqueta de couro preta, com as costas eretas como um soldado. As calças jeans moldavam perfeitamente suas longas pernas, destacando sua postura confiante. Ao passar por Enzo, Basílio murmurou algumas palavras rápidas, quase inaudíveis, antes de entrar no amplo salão.Lúcia entrou logo atrás dele. O salão tinha uma decoração nitidamente europeia. O espaço era imenso, e todas as luzes do teto estavam acesas, iluminando o ambiente como se fosse dia.Eles subiram uma escada em espiral de vidro transparente, que os levou até a porta de um quarto. A porta estava aberta.Basílio estendeu a mão e acendeu o interruptor na parede. O quarto se iluminou imediatamente. Havia uma enorme janela do chão ao teto, paredes pintadas em tons de rosa, cama com forro na mesma paleta de cores e um tapete felpudo branco cobrindo o chão. Lúcia observou o ambiente com atenção. Parecia ser um quarto que ninguém usa
Basílio fechou o rosto por um instante. Seus dedos apertaram com mais força a garrafa de água mineral enquanto ele encarava Enzo:— Ninguém pode saber que Lúcia está morando aqui. Isso tem que ser mantido em absoluto sigilo.Seu pai estava em plena missão de escolher uma pretendente adequada para um casamento arranjado. Basílio já havia desafiado essas tentativas algumas vezes, e a paciência de seu pai estava se esgotando. Se descobrissem que ele havia escondido Lúcia em sua propriedade, seria o início de mais uma tempestade. Afinal, o poder da família Araújo ainda estava firmemente nas mãos de seu pai, e Basílio sabia que ainda não era o momento de confrontá-lo diretamente.— Quando Lúcia sair, certifique-se de que alguém a acompanhe. Quero garantir que nada aconteça a ela. — Ordenou Basílio, com um tom firme.— Sim, senhor. — Respondeu Enzo, compreendendo imediatamente o recado.Enquanto isso, Lúcia permanecia no quarto, deitada na cama, com os olhos fixos na janela. Do lado de fora,
Sempre era Lúcia quem ia atrás de Sílvio. Assim como aquele rapaz que ela acabara de ver, ela também pedia para Sílvio ficar parado, esperando por ela. Já estava acostumada a tomar a iniciativa, a abandonar qualquer orgulho que tinha. Acreditava que sua dedicação traria felicidade. Mas não foi assim. No fim, tudo o que encontrou foi uma tragédia: outra mulher havia tomado seu lugar ao lado de Sílvio.Ela não sabia se Sílvio a via como substituta daquela mulher, ou se era ela quem agora havia sido substituída pela outra.O casal que ela observava desapareceu entre a multidão, de mãos dadas, enquanto Lúcia desviava o olhar, perdida em seus próprios pensamentos. Seus passos a levavam sem rumo, afundando na neve fofa. As botas deixavam marcas sobre o chão branco, enquanto o vento gelado cortava seu rosto como lâminas afiadas."O que são essas memórias que me faltam? Será que Sílvio ainda vai voltar?" Pensava Lúcia, enquanto sua cabeça latejava de dor a cada pergunta sem resposta.Ao virar
Lúcia, era claro, também ouviu as palavras do fotógrafo. Ele realmente se aproximaria daquela garota que não só tinha o mesmo nome que ela, mas também o mesmo rosto?Seu coração subiu até a garganta. Ela queria correr até eles, gritar, exigir explicações, separá-los. Queria dizer a ele:"Sílvio, abra os olhos! Olhe direito! Eu sou a verdadeira Lúcia, a mulher com quem você prometeu se casar, com quem jurou passar o resto da vida! O que aconteceu neste último mês para que você mudasse tanto assim?"Mas, por mais que quisesse, suas pernas não se moviam. Pareciam congeladas no chão coberto de neve. O vento gélido batia impiedosamente contra seu rosto pálido. E então, ela viu. A garota de vestido de noiva se aproximou de Sílvio, ergueu-se na ponta dos pés e, com um sorriso que transbordava felicidade, fechou os olhos e beijou a lateral do rosto dele.E Sílvio… não a afastou. Ele ficou lá, parado, mas com o olhar fixo em Lúcia. Aquela troca silenciosa de olhares perfurou o coração dela como
— Sílvio, você não quer tirar as fotos de casamento ou não quer tirá-las comigo? — Giovana perguntou, chorando de forma desamparada. As lágrimas escorriam por seu rosto, tornando sua expressão ainda mais melancólica.Diante daquela pressão, Sílvio só conseguiu responder:— Vamos continuar.Era uma promessa que ele havia feito. E uma promessa precisava ser cumprida.Giovana sorriu de forma radiante, mesmo com lágrimas nos olhos, e encostou a cabeça no peito dele, lançando um olhar significativo ao fotógrafo.Porém, dentro de Sílvio algo queimava como uma chama incontrolável. Uma sensação sufocante, uma angústia que o consumia a cada segundo. "Por que eu me sinto tão desconfortável fazendo isso com Lúcia? Por que meu corpo rejeita tudo isso?" Ele queria afastá-la, queria dizer que aquilo estava errado. Mas não podia. Afinal, ela era Lúcia. Era a mulher que ele mais amava.De repente, uma gota carmesim escorreu pelo nariz dele.O fotógrafo abaixou a câmera imediatamente e exclamou, alarma