Parte 81...Sofia Eu assenti com a cabeça.— Então, eu vou voltar para o apartamento - disse baixinho — E você tem que colocar logo isso na geladeira.— Mas não no freezer - ele repetiu.— É... - eu sorri e fiz um gesto com a mão para sair — Não no freezer.— Obrigado pelo doce. Se precisar de algo, é só me falar... Ou com o Ramiro.— Eu que agradeço por tudo o que você já fez por mim, Santiago. - coloquei a chave na porta — A gente se vê por aí - ele fez um gesto com a cabeça e eu entrei — Tchau!Fechei a porta segurando a maçaneta com força para não fazer barulho e me encostei nela, sentindo meu coração bater apressado. Fechei os olhos e respirei fundo três vezes para acalmar as batidas aceleradas.*** *** ***SantiagoEu quase fui besta de reclamar com ela sobre ter feito amizade com o cara lá de baixo. Isso nem deveria ter me incomodado, mas incomodou sim e muito.Olhei o relógio, tinha passado quarenta minutos, então já posso tirar o doce que ela fez pra mim da geladeira. Abri a
Parte 82...SantiagoEu posso até estar exagerando, mas isso se deve ao fato de que eu sei que Sofia não tem experiência aqui fora. Ela pode se distrair com qualquer coisa e acabar até se afastando do bairro. Pode se perder por aí.Não que eu tenha que ficar vigiando cada passo seu, mas é minha responsabilidade, até que ela pegue mesmo o rumo e faça o que quiser. Sofia merece ser feliz e livre de preocupações, depois de tudo o que já aconteceu.Franzi a testa. Por meu relógio ela já está fora tempo demais. Andei até a janela. O movimento na rua ainda continua, mas já não tão intenso como antes. E nada dela voltar ao apartamento. Comecei a ficar ansioso.— Ramiro, acho melhor irmos verificar essa demora de Sofia.— Ela ainda não voltou?— Óbvio que não. Venha, quero sair pelo bairro para procurar.— E o que vamos dizer a ela?— Não sei, não importa agora. Só quero ter certeza de que ela não se perdeu por aí.— Santiago, ela pode ter saído de um convento, mas eu creio que ela sabe ler p
Parte 83...SofiaEu não deveria ter ficado fora por tanto tempo. Cruzei os braços e andei mais rápido para voltar ao apartamento. Acabei me distraindo com as vitrines e depois na igreja.Me bateu uma melancolia. Senti falta do convento e acho que isso é normal. Não tem tanto tempo assim que eu saí de lá. Sinto falta das meninas e também da Madre. Passei anos lá com elas, são minha família também.Gostei da igreja, é bem bonita e o bom é que sendo perto do apartamento, eu posso voltar sempre que quiser.Olhei para o céu. Passei do horário. Preciso começar a me organizar com isso. Aqui fora não é como no convento que tudo tem seu horário certinho. E tem muitas distrações para alguém como eu, que ficou anos atrás de muros altos.Na verdade, estou me distraindo com quase tudo. Até com os carros que passam, porque acho bonito seus modelos, suas cores. Acho que depois que me ajeitar direito, vou tentar aprender a dirigir. Talvez até quem sabe, eu possa comprar um carro pequeno para mim.Nã
Parte 84...SantiagoEu estava preocupado em não achar Sofia em lugar nenhum por ali e esperava mesmo que ela já estivesse em casa, como Ramiro disse, mas tudo virou de cabeça para baixo, quando ouvi um grito e logo em seguida outro ainda mais desesperado. Parei.— Você ouviu isso, Ramiro?— Sim - ele colocou a mão na pistola embaixo da camisa — É por aqui perto.Caminhamos mais atentos e nos aproximamos de um beco e demos alguns passos para dentro. O que fez meu coração quase parar de vez, ao perceber que era Sofia, sendo atacada por dois vagabundos.— É Sófia! - eu disse em surpresa, olhando para Ramiro — Eu disse que tinha algo errado.Avancei como se fosse um bicho. Não queria nem saber o contexto daquela cena, já sei bem o que se passa. Sou macaco velho nesse meio do submundo e sei como funcionam essas coisas, mas não com ela. Não com minha Sofia.Eu nem sei o que deu em mim e ataquei os dois como se fosse um animal selvagem, fazendo com que soltassem Sofia, que bateu com força n
Parte 1...CamilaEu tinha acabado de chegar de uma consulta na clínica de sempre, mas era só uma rotina. Como minha perna estava me incomodado um pouco, eu achei melhor falar com o médico.Eu ainda sentia o eco das palavras do médico na consulta, enquanto o carro percorria as ruas que levavam de volta à nossa casa. A dor na perna era incômoda, mas suportável. O doutor, como sempre, reforçava que eu precisava manter os exercícios de fisioterapia. Às vezes, eu me perguntava se ele achava que eu era menos teimosa do que realmente sou.Eu só parei com a terapia, tempos atrás, porque não estava me incomodando. Acho que esses dias eu exagerei na natação.Assim que entrei na sala de estar, minha mãe estava sentada no sofá, bordando alguma peça de roupa como fazia quando queria distrair a mente. Ela ergueu os olhos e sorriu com ternura, mas não parou o bordado.— Como foi no médico, querida? - ela perguntou, sem desviar as mãos do trabalho.— Nada demais. Ele só reclamou da minha falta de p
Parte 2...CamilaEu estava saindo da cozinha e ao passar em frente do escritório de meu pai, parei ao ouvir a voz de minha mãe.— Eu sei da importância desse acordo, meu marido... Mas você não acha que ela deveria poder escolher?— Escolher o quê, Valéria? - a voz de meu pai era seca — Nossa filha é aleijada.— Pelo amor de Deus, homem, não fale assim dela - encostei o ouvido na porta ao ouvir minha mãe retrucar — Camila não é aleijada.— E ela manca porque motivo, então? - ouvi um som forte, como uma cadeira sendo arrastada — É um charme dela?Ouvir aquilo me deixou triste. Meu pai nunca aceitou meu problema, que nem mesmo foi criado por mim. Aliás, se existe um culpado disso dentro dessa família, ele é quem deve se sentir assim. Eu fui uma vítima.— Por que você tem que ser frio dessa forma, Hector? Ela é sua filha. Sua única filha!O silêncio que se seguiu foi tão cortante quanto as palavras do meu pai. Encostei a mão na maçaneta, hesitando entre entrar e enfrentar aquela discussã
Parte 3...Três anos depois...CamilaA música pulsava no meu corpo, uma batida forte e animada que parecia combinar perfeitamente com o ritmo da minha vida nos últimos três anos. Malena estava ao meu lado, rindo de algo que um dos nossos colegas tinha dito, e eu não podia deixar de sorrir. Essa era a liberdade que eu tinha decidido abraçar, mesmo sabendo que meu tempo estava contado.Minha taça de vinho rosé já estava pela metade quando senti Malena puxar meu braço.— Vem dançar, Camila! - ela gritou, se inclinando para que eu ouvisse.— Eu já tô indo! - retruquei, apontando para a taça como desculpa e depois para a perna.Ela revirou os olhos, mas foi para a pista mesmo assim. Eu gostava de observá-la se soltar. Malena era minha constante, meu porto seguro nesses anos de independência. Apesar de nunca sair muito, quando ela se jogava, era para valer. E eu também não era de viver em festas e boates, apenas quando tinha um bom convite. Me dediquei mesmo a fazer bom proveito de minha
Parte 4...CamilaMe ajeitei no sofá com uma resistência calculada, tentando não demonstrar a mistura de insegurança e irritação que pulsava em mim. Alejandro me observava como um predador que sabia que eu estava presa ali com ele.Meus amigos estavam lá embaixo, mas com certeza os seguranças dele não iriam deixar que subissem.— Seu pai me disse que você era aleijada - ele repetiu, apoiando o cotovelo no encosto do sofá enquanto me olhava com aquele sorriso que me dava nos nervos.Minha respiração ficou pesada. Odiava aquele termo, mas decidi que não daria a ele o prazer de me ver irritada ou triste.— É mesmo? E o que você acha agora que me viu? - cruzei as pernas.Ele inclinou a cabeça levemente, os olhos se movendo para minha perna e depois para meu rosto.— Acho que ele exagerou. Você mancou, mas não parece ser algo incapacitante.— Que alívio saber que passo no teste - respondi, com sarcasmo escorrendo de cada palavra.Alejandro soltou uma risada baixa, algo entre divertido e in