Minha próxima aula com a Fernanda foi no dia seguinte à tarde, quando ela entrou na sala eu já estava a sua espera, com algumas músicas novas sobre a mesa, cumprimentei-a com um sorriso alegre por rever a aluna que eu mais gostava, mas pra minha decepção ela foi o mais fria que eu já pude imaginar:
– Boa tarde professor – entrou de cabeça baixa, sentou-se em uma cadeira próxima, colocou sua bolsa ao lado, abriu o case do instrumento, tomou o arco e pôs-se a passar breu em silêncio sem falar absolutamente nada.
Aquela não era a Fernanda que eu conhecia, a “minha” amiga Fernanda só tinha duas faces, uma alegre e extrovertida, que já entrava na sala cantando e falando pelos cotovelos e a outra triste e melancólica, as vezes irada, as vezes chorosa, mas sempre pelo mesmo motivo, seu avô. Essa outra Fernanda eu não conhecia, calada, séria, sem dizer absolutamente nada, aproximou uma estante, colocou algumas partituras em cima, posicionou a espalera n
Ela me olhou assustada antes de perguntar: – Como assim? Conhece de onde? Eu não podia crer que o que estava pra acontecer fosse verdade, até onde eu sabia, a Daniela estava morta, eu sabia até onde era o túmulo dela em São Marco Del Rey, eu não conseguia por meus pés naquela cidade, muito menos rever o túmulo da Danny, pra mim isso era um castigo e uma dor sem fim, quando decidi esquecer tudo e mudar de vida, isso fazia parte, mesmo contra a vontade de uma parte de mim. Só havia um jeito de descobrir o que estava acontecendo: – Precisamos ir na sua casa agora, minha querida. – Mas acho que minha mãe ainda não chegou, professor. – Não importa, me leva no trabalho dela. – Só se o senhor me contar o que tá acontecendo professor Martins, caso contrário eu não saio daqui e o senhor vai ter de descobrir tudo sozinho. –Seu pai se chamava Leonardo Bras
Quando abriu os olhos não estava em sua casa, aquela não era sua cama e nem era por sua janela aberta que entrava o belo sol poente, tingindo o céu azul de vermelho. Ali tudo era branco, as paredes, a cama alta de aço, o colchão, o lençol. Ficou claro que estava no quarto de um hospital, mas o que fazia ali? O que tinha acontecido? Não havia ninguém em volta, embora a janela estivesse escancarada, não dava pra ver ninguém através da vidraça, a porta encostada, a mobília do quarto resumia-se a sua cama, um poltrona no canto do quarto com uma pequena mesa ao lado, outra mesa pequena com uma gaveta ao lado de sua cama, mais nada, tentou sentar-se para olhar pela janela, mas havia algo de errado com seu corpo, doía muito, parecia ter sido esmagado por uma rocha de cem toneladas. Fechou os olhos franzindo o sobrecenho tentou se lembrar de algo, de sua vida, de quem lhe era precioso e aos pouco as lembranças retornaram, a igreja, a despedida, sorrisos
Os dias passaram voando, dia após dia se recuperava, sempre médicos e enfermeiros vinham vê-la todos os dias, nessa hora era bom ter dinheiro, mesmo que não fosse seu, não teria todo esse conforto se fosse num hospital público, mas se pudesse trocar todo esse luxo pra ter seu marido outra vez, mesmo que fosse por poucos minutos... sacudiu a cabeça para os lados tentando espantar esse pensamento, não podia mais viver presa ao passado. Fielmente sua mãe se postava ao seu lado todas as noites, as vezes vinha sua irmã, as vezes algum vizinho, mas nunca estava sozinha e também nunca mais abriu sua boca para falar com ninguém, simplesmente nada, nenhuma palavra, e o mais estranho de tudo é que não vinha ninguém da igreja, ninguém mesmo, absolutamente ninguém, chegou mesmo a pensar que tudo não havia passado de uma conspiração contra eles, uma conspiração na qual o cabeça era seu próprio pai, disso não tinha dúvidas, acusava-o apenas por raiva, mas não tinha prova algu
Dias depois foi a vez de enfrentar seu pai, para piorar as coisas ele resolveu que era hora de ter uma conversa definitiva com sua filha bem na hora em que ele chegou cansado do trabalho, até então ele chegava tarde e saía cedo de propósito pra evitar Daniela, quase todas as refeições eram feitas apenas mãe e filha, até que chegou o dia, justamente na hora da refeição, o jantar foi todo em silêncio, misterioso, o ar estava pesado, todos comeram pouco, após a refeição Anselmo desligou a TV justo quando Daniela levantou-se pra ir ao seu quarto. – Daniela, espere um pouco, precisamos conversar. – Estou com sono. – Não está não, você sempre dorme mais tarde, está indo cedo pra cama por minha causa. – Eu não estou a fim de brigar, por favor. – Sente aí, eu estou mandando. Muito contra a vontade ela sentou-se, deu um suspiro de impaciência e aguardou. – Eu sei o quant
Um ano se passou desde que abandonou a casa de seus pais pela última vez e metade desse tempo ela passou na casa de sua irmã, mas conforme o combinado, Arthur mostrou-se muito respeitador ela tinha seu próprio quarto na casa dele, com sua ajuda também ela conseguiu de volta todas as coisas de seu marido que haviam ficado na casa de seus pais, até mesmo seu computador, que nem ela nem Arthur conseguiram ligar, por não saberem a senha que Leonardo tinha colocado, ela tentou por diversas vezes se lembrar mas era inútil, também proibiu Arthur de tentar qualquer método hacker ou algo do tipo, ficaria desse mesmo jeito, intocável. Também não pode sair pra trabalhar, ficava o tempo todo em casa, em troca cuidava da casa de Arthur, ele nunca mais tocou naquele assunto constrangedor, embora seu olhar, gesto ou palavras as vezes o denunciassem ela sempre se fazia de boba. Arthur já se dava por feliz apenas em tê-la em sua casa, já era um passo e tanto e t
– Quer que a gente entre com você meu amor? Perguntou Daniela a pequena Fernanda na porta da escola de música Nota Azul, Arthur tinha dado uma carona para as duas até a porta da escola, conforme disse pra Daniela, queria também ver a filha de seu amigo em seu primeiro dia de aula de música. – Não mamãe, não estou com medo, estou e muito ansiosa, quero começar logo. – Você precisa ir com ela Daniela, tem que conhecer o professor dela. – Acho que você tem razão, vou indo então. E foi assim que a pequena Fernanda iniciou sua vida no mesmo caminho de seu pai, havia duas escolas de música por aquela região e Daniela escolheu a mais humilde pelo preço ainda não tinha condições de pagar uma mensalidade mais cara, afinal o resultado seria o mesmo. Tão logo chegou na nova cidade, alugou uma casa pequena num bairro não muito distante do centro da cidade, mas com um valor razoável que poderia pagar, suas r
Ao colocar o telefone no bolso e me virar, tive o maior choque de minha vida, mal pude acreditar, aquilo não poderia ser um sonho, pois a suspeita que me revirava o estômago cada vez que conversava com Fernanda havia se confirmado, me trazendo a certeza de que meu passado tinha não somente batido à minha porta, mas arrombado e entrado com tudo em minha vida, trazendo minha felicidade de volta pois bem a minha frente, igualmente incrédula e assombrada estava a mulher que mais amei em toda minha vida, Daniela. – Le... Le... Leo... Leonardo? Léo? – Oi, minha querida. Foi o melhor momento de minha vida, ficamos chorando abraçados não sei por quanto tempo, quando nos afastamos um pouco, ambos segurávamos o rosto um do outro com as duas mãos mal conseguindo acreditar em tudo, a Fernandinha estava a poucos metros de nós, parada como uma estátua, aparentemente sem entender nada. – Eu nem acredito, é você me
Aparentemente as duas ficaram chocadas, pois não falaram mais nada, eu continuei de costas, mas em poucos minutos a Fernanda veio me abraçar, agarrou-se a mim quando viu meu rosto molhado. Virei de volta pra ela que estava com as duas mãos no rosto, também chorando, eu simplesmente me aproximei alisei seu rosto como a Isa gostava de fazer comigo antigamente: – Me perdoe amor da minha vida, por favor, me perdoe, nunca em minha vida eu podia sequer imaginar estar com outra pessoa sabendo que você estaria viva. Ela não falou mais nada, apenas se aproximou de mim ainda mais, nos abraçamos e ela falou em meu ouvido: – Me perdoe, me perdoe por favor, eu não sei o que deu em mim. Sentamos no sofá da sala, ela ao meu lado e colocou as pernas em cima de minhas pernas e ficou de lado pra mim, enquanto a Fernandinha sentou-se ao outro lado com a cabeça em meu ombro. Ficamos assim um bom tempo, sem dizer n