“Dezenove anos… Foi o tempo necessário para chegarmos onde chegamos. As influências de Algos sobre nós, no momento, são mais intensas. Ela é selvagem e esse é seu maior encanto. Criatura rubra que vive nos céus das escadarias e no íntimo de nossa alma. Chegar onde chegamos não foi fácil. Não somos dotados de virtudes invejáveis, mas para nos conhecer um pouco, dezenove anos é o tempo que precisamos voltar. O tempo em que não conhecíamos o valor da virtude de ter o céu sobre nossa cabeça, mesmo sempre admirados pelo brilho das estrelas. O tempo em que meu… nosso… corpo prematuro, não suportava suas… nossas… muitas capacidades. O tempo em que nossa visão de realidade era ingênua e éramos incapazes de perceber o quanto a vida é desnecessariamente pífia, vulgar… Nunca teríamos imaginado, há dezenove anos, que um lugar surrealista seria nosso lar… que guardaríamos com real amor, não somente o lugar, como as pessoas, nossos filhos que conosco, vivem. Talvez não ter ouvido de Escher, na
— Lembro da primeira vez que senti isto! — gritou Sigmund, interrompendo o treinamento matinal. Sigmund era um prodígio da pequena vila nas montanhas Aakash, em Burma. Sua pele amarelo-acastanhada não diferia; os cabelos diferiam-no dos meninos, sinal da rebeldia e resistência oferecidas para cortá-los. Os olhos púrpuros eram exóticos, jamais vistos por nenhum dos locais. Uma linha energética envolvia suas íris, evidenciando instabilidade. Seu corpo trêmulo, explodindo em energia revolta, evidenciava raiva. “O caminho do meio…”, os monges sempre diziam, mas naquele momento, Sigmund odiava aquela frase. — Maung Sigmund, precisa me dizer o que sente — disse Jagravh, jovem mestre marcial, gesticulando para os aprendizes, aturdidos pelo súbito caos, deixarem o pagode. Eles saíram, confusos com o porquê da intensidade. — Minha mãe! — disse Sigmund, pondo a mão no peito, que doía como se um bisturi, manipulado por um sádico, o atravessasse. Jagravh aproximou-se do menino, pôs a mão e
— Como não posso voltar a treinar, auxiliarei com a lenha e pedirei a U Ava para ajudar com nossa refeição. — Sayama Ava, filho meu — corrigiu Ranna. — Não entendo a diferença, mãe. Não é por mal, eu juro! — U é informal e não reflete quem ela é. Como mulher e autoridade, use Sayama. Com nosso grão-mestre, use o Sayadaw. Com Saya Elil Gyi, o Saya reflete sua importância como mestre e o Gyi reflete respeito. — Sim, mas se somos familiares, não preciso de formas complexas de tratamento. Somos iguais, com as mesmas capacidades e potencial. A diferenciação deve ter sido fator determinante para os problemas da humanidade, continuar com isso é, obviamente, sinônimo de retrocesso. — Só o será quando nos perdermos, deixando algo simples, comandar nossa vida, tornando-se objeto de desejo. Preservar a cultura é importante durante a evolução, pois, significa suceder na conciliação das necessidades como ser espiritual e material. É difícil, mas essas nomenclaturas foram criadas junto às regra
Cedo, no dia seguinte, Sigmund despertou. O corpo ainda doía, mas a cabeça e a garganta estavam melhores. Deixando o quarto, ele olhou para a entrada do monastério e o sol não nascera, apesar do púrpuro amanhecer cobrir o céu, ao longe. — Bom dia! — Ele cumprimentou um dos monges. — Preciso de roupas. Dada a proibição de U Ketu, não posso ir em casa. — Bom dia, Maung Sigmund. Espero que tenha tido um bom sono. Sayadaw Ketu pediu para o levarmos a sua presença. Pode ter com ele, enquanto providencio suas vestes, seu banho e sua refeição? — Tenho escolha!? — perguntou, descontente. O monge não o respondeu, apenas seguiu ao salão onde Ketu estava. — Sayadaw Ketu, Maung Sigmund acabou de deixar seu aposento e conforme fora pedido, o trouxe a sua presença. — Agradeço! — Ketu os cumprimentou. — Aproxime-se. Sigmund aproximou-se, cautelosamente. — Sente. Precisamos conversar sobre o ocorrido ontem. — Não há o que dizer. Daw Ranna Gyi trilhou os caminhos, entre vida e morte, e senti
Sigmund sabia, mas não tinha experiência prática, mas Jagish ajudou. Sua inteligência marcial era esplêndida e ele compartilhou tudo que pôde. Por quatro longas horas Sigmund se divertiu, sorrindo como uma criança inebriada após um doce bombardear seus sentidos. — Juntem-se e vamos ao uso do chi. Venham ao centro, uma dupla por vez. Terão um raio de dez metros, ultrapassar significa punição. Os que não estiverem praticando, ficam ao meu lado. Maung Jagish e Maung Sanjiv formarão uma dupla. Maung Sigmund se ausentará deste exercício. — Não posso? — questionou Sigmund, olhando-o, frustrado. — Crê conseguir lidar, Maung Sigmund? Não me responda ainda. Sente ao meu lado e observe. Ao fim, se quiser, permitirei que tente. — Se não conseguisse lidar, não teria machucado Maung Tarendra — disse Tarusa, em defesa de seu irmão. — Não quis machucá-lo. Eu estava instável e ele veio. Não podia deixar e o jeito de afastar foi aquele. Se fosse você, teria feito o mesmo. — Ninguém em sã consciê
O corpo de Sigmund revoltou-se, animado pelos sentimentos que o mantinham submerso, se afogando em suas próprias angústias. O menino enxergava, mas não ouvia. O aroma do incenso, queimando no pagode, tão odiado, não podia ser sentido; o cheiro do cabelo de Ranna, perfumando o local, tão amado, não era possível de ser sentido. Enquanto tentava, fracassadamente, retomar o controle de seu corpo, observou o caminho até o monastério… o caminho até Ketu. Ketu aproximou-se, sentando-se próximo, recitando seus mantras. A visão de Sigmund turvou e seu corpo parou. Outros monges juntaram-se a Ketu, buscando alcançar Sigmund, mas o menino, ouvindo suas vozes, irascível, dificultou que o alcançassem. “Não quero vocês aqui!” Foi cerca de seis horas, sem sucesso para Ketu e seus monges. Percebendo que não desistiriam, Sigmund decidiu combatê-los agressivamente. Ainda era seu íntimo e ali ele era mais poderoso. Ao observar leves hemorragias nasais em alguns monges, Ketu gesticulou para para
Foi uma hora e meia de cochilo para Ranna, atrapalhado pelos monges entrando com as refeições. Ela banhou-se e ao voltar, Sigmund estava sentando. Ela correu, deixando o que estava fazendo para depois. — Filho meu, como está? Ranna observou que o púrpuro olhar do menino fora substituído por um castanho bem claro. Suspirou, preocupada, acariciando seu rosto. — Sigmund, está bem? — Ela insistiu. — Bom dia, minha mãe. Estou bem. Faminto. Vou ao banho. — Precisa de ajuda? — Acredito que sim, me sinto fraco. Dormi muito, talvez!? Ranna o pegou no colo, como não o fazia há algum tempo e o levou ao banho. Terminando, o arrumou e ambos tiveram sua refeição juntos. — Devo procurar Ketu Gyi para ir ao treinamento? — É bom que fale com ele, eu estarei em casa, tudo bem? — Sim, senhora. — Sigmund assentiu, terminando de comer. O menino deixou o quarto, guiado a Ketu, por um monge. — Bom dia, Maung Sigmund — cumprimentou Ketu que estava, como sempre, em posição de lótus, de olhos fechad
Sigmund observou Ranna aplicar seu chi para proteger-se, tornando a infusão menos letal. Sua alma começou a distanciar devagar, não tardando para a dor chegar e quanto mais distante, mais intensa era dor. A sensação de tristeza e solidão era maior, frente ao corpo imóvel de Ranna, vendo sua pele empalidecer. Sigmund manteve-se concentrado, lutando contra si enquanto buscava uma forma de lidar com aquilo. Observou o elo, que os ligava tão intimamente, esticado, vibrando. “Este é o motivo da dor, provavelmente.”, presumiu. “Se é uma ligação emocional, só pararei de sentir quando ela morrer ou quando conseguir me desprender…”, refletiu, balançando a cabeça. “Não posso deixar de amá-la, ela me deu a vida! Vulnerável, pensando nos outros, tenho uma responsabilidade com ela.”, argumentou, consigo. Os momentos finais do exercício ocorreram com os sinais de fadiga e o suor espalhando-se por ela até seu retorno efetivo ao corpo. Sua demora para despertar foi inquietante! — Sigmund — cha