AYLA..Eu me lembro do cheiro primeiro. Um cheiro acre, pesado, queimando o fundo da garganta. Depois, o calor. Um calor sufocante que se espalhou pela casa antes mesmo que eu pudesse ter uma chance. Quando pensei em fazer algo, tudo já estava tomado.Chamas lambiam as paredes. A madeira rangia como se chorasse, implorando para não ruir. A fumaça entrava pelos meus pulmões como se quisesse me arrancar a alma. Ouvi gritos. Gritos da minha mãe. Do meu pai. Mas eu não os via.— Mãe! Eu tentei gritar. — Pai!Mas minha voz se perdeu entre o estalar do fogo.Corri, tropeçando em cacos, tentando encontrar alguma saída, alguma luz. Meus pés descalços ardiam com o calor do chão. Meu corpo tremia inteiro. Cada segundo parecia uma eternidade. Eu queria voltar no tempo. Voltar para quando tudo estava intacto. Para quando minha família ainda existia.Foi quando meus pais pararam de responder.A dor que senti não tinha nome. Gritei como nunca antes. Gritei até minha garganta se ferir. O mundo p
A porta da cabana se abriu devagar. Um homem idoso surgiu, passos firmes, apesar da idade. Seus olhos estavam nublados pelo tempo, mas quando me viu… eles brilharam. Como se vissem algo que ele esperava há muito.Ele parou.E sorriu.Um sorriso largo, sincero, que encheu meu peito de calor. Eu realmente senti que aquele homem me conhecia, mesmo que eu não soubesse quem ele era. Azrael caminhou até ele e me levou junto, como se aquele momento fosse precioso demais para acontecer de longe.— Ayla, esse é Ethan. Meu único e melhor amigo… além de você. Ele sorriu, mas seus olhos ficaram úmidos. — Vocês se conheceram na sua vida passada. Ele me ajudou quando perdi a memória, me deu abrigo, ficou ao meu lado nos meus piores dias. O tempo passou apenas pra ele… espero que aguente mais uns anos.Estiquei minha mão, mas Ethan não a segurou. Ele me puxou para um abraço, forte, acolhedor, verdadeiro. Um nó se formou na minha garganta. E lágrimas brotaram sem que eu conseguisse impedir.Eu me
AZRAEL ..Quando Ethan abriu aquele sorriso ao ver Ayla, algo dentro de mim se aqueceu. Eu conhecia aquele sorriso. Era o tipo de sorriso que ele só dava quando via algo raro, algo precioso. E ver Ayla nos braços dele, sendo envolvida num abraço tão puro, me desmontou por dentro.Ela não se afastou. Pelo contrário, se entregou àquele gesto. E naquele instante, eu percebi que os dois corações reconheciam algo que talvez nem a lógica humana fosse capaz de explicar: eles já se conheciam… de outra vida.Eu não disse nada. Só observei. E senti.Quando Ayla agradeceu a ele por ter cuidado de mim, por ter me abrigado quando nem eu sabia quem eu era, minha garganta apertou. Eu lembrava de cada segundo daquela fase sombria, dos dias em que eu vagava sem saber meu nome, sem saber por que meu peito doía tanto. Ethan me acolheu como um pai, como um irmão, como... como o último elo que me mantinha firme.E agora, vê-la ali, viva, me olhando com aquele amor nos olhos, dizendo que eu não precisav
O “mais do que tudo” que saiu dos lábios de Ayla selou mais do que um momento. Selou destinos. Selou uma promessa antiga que ecoava até mesmo além do tempo. E naquele instante, ali deitado sobre ela, tudo em mim, minha essência, minha alma corrompida, pareceu se purificar só por estar tão próximo dela.Ela era virgem. Eu sabia. Nunca havia sido tocada, nunca se permitira, nunca se entregara. E agora, ali, diante de mim, era isso que ela fazia. Não só me oferecia seu corpo, mas também sua confiança. Seu coração.O meu pau estava pulsante, meu corpo tinha urgência em compartilhar com ela aquela energia que parecia reverberar em meu ser.Toquei seu rosto com delicadeza, como se ela fosse feita de vidro, e senti seu arrepio responder à minha pele. Seu olhar não vacilava, apesar do medo sutil que se escondia nos cantos de sua coragem. Me inclinei, selando seus lábios com os meus, tentando dizer com aquele beijo o que as palavras não alcançavam.— Eu prometo ser gentil...Murmurei contra su
AYLA..Foi impossível olhar para Azrael e não sentir vontade de beijá-lo, era uma sensação que vinha da alma. Então eu fiz tudo aquilo que eu precisava e queria fazer.Eu nunca tinha sido tocada por um homem antes. Meu corpo era terra intocada, guardada como um relicário precioso, não por obrigação, mas por fé, por legado… e também por medo.Mas com Azrael… era diferente. Foi entrega. Foi a certeza de que, se era pra ser de alguém, só poderia ser dele. Não havia espaço para dúvidas. Nem passado, nem tradições, nem regras. Só nós dois.Meu coração batia tão forte que achei que ele poderia ouvir. Quando o beijei, foi como se o tempo parasse, ou talvez tivesse começado ali, de verdade. Eu me acomodei no colo dele e senti seu corpo estremecer. E o meu… o meu corpo estava em chamas, mas não de dor. Era desejo, era amor, era um chamado que vinha de dentro da minha alma, como se ela reconhecesse o lugar ao qual pertencia.A forma como ele me olhava… como se eu fosse feita de estrelas.Cad
AZRAEL ..A princípio, achei que fosse apenas o enjoo por causa do calor da manhã, ou quem sabe o cheiro forte do café feito no fogão a lenha. Mas quando Ayla saiu correndo pela terceira manhã seguida para vomitar, e a esposa de Ethan me lançou aquele olhar… eu soube.Ela não precisou dizer mais nada, mas mesmo assim o fez.— Azrael, tenho certeza que Ayla está grávida.Senti o mundo parar. Olhei para Ethan, e ele me retribuiu com um sorriso lento, como se carregasse séculos de sabedoria nos olhos. Não houve medo em mim. Houve reverência.A gravidez foi confirmada dias depois, quando um velho amigo de Ethan, um médico aposentado, chegou à cabana. Ele não fez perguntas, apenas escutou o coraçãozinho que batia dentro da barriga de Ayla. Um som tão pequeno, mas que ecoou em mim como um trovão.Eu ia ser pai.Um anjo obsessor, condenado ao exílio por quebrar todas as regras, prestes a trazer ao mundo uma vida nova, uma que carregaria a junção do celestial com o terreno. Algo que jamais
AYLA . . No começo, achei que era só o calor da manhã, ou o cheiro forte do café feito no fogão a lenha que me embrulhava o estômago. Mas quando corri pela terceira manhã seguida, sentindo o mundo girar, vi nos olhos da esposa de Ethan algo que eu mesma ainda não conseguia admitir. Grávida. A palavra me soou como um sussurro no vento, e ainda assim sacudiu tudo dentro de mim. A confirmação do médico, dias depois, só oficializou o que o meu corpo e a minha alma já gritavam. A partir dali, nada foi como antes. A gravidez transformou tudo, meu corpo, meus sentidos, minha maneira de enxergar o mundo. Cada enjoo, cada dor, cada sorriso silencioso no meio da madrugada... era uma promessa se formando dentro de mim. Viver na floresta tornou tudo mais sagrado. A natureza parecia saber de mim antes mesmo que eu soubesse. A mata nos protegeu, como uma mãe acolhe um filho rebelde. E foi ali, entre folhas, raízes e silêncio, que aprendi a respirar diferente. A comer o que a terra
AZRAEL . . O momento havia chegado. A dor dela me cortava mais fundo do que qualquer espada celestial um dia poderia. Ayla se contorcia no colchão, o rosto banhado em suor e coragem. Eu segurava sua mão, e por um instante, desejei ter poderes novamente… só para sentir aquela dor com ela, dividindo cada centímetro daquilo. — Está vindo. Ela sussurrou, e mesmo em agonia, havia luz em sua voz. Mas o mundo não estava pronto. O céu escureceu repentinamente, sem nuvem, sem vento. Apenas o peso. O ar se tornou denso. Conhecia aquela sensação. O tremor na terra. O silêncio dos pássaros. O grito contido das raízes. Eles estavam vindo. Me levantei, instintivamente. Olhei para fora e vi... a sombra. Não era uma névoa. Não era uma tempestade. Era um exército. Os anjos obsessores. Todos eles. Irmãos. Companheiros. Portadores do mesmo juramento: destruir a pureza antes que ela floresça. A última tentativa de impedir o que estava prestes a nascer: Uma nova era. Mas a floresta.