Capítulo 6

MELISSA

Poderia simplesmente achar que tudo o que tinha acontecido na noite passada tinha sido um sonho, mas os hematomas em meu braços e a dor na minha nuca onde aquele homem nojento tinha puxado meu cabelo com violência contavam outra coisa.

Durante toda a noite tive pesadelos com seu rosto, seu hálito de álcool e cheiro de perfume barato. Vomitei ao lembrar de sua boca repugnante colada a minha e de suas mãos sobre meu corpo.

Nunca me livraria daquela sensação de pânico e impotência, quando vi Alex, a única coisa em que consegui pensar é que queria seus braços protetores ao meu redor. Não me importei de parecer frágil naquele momento, mas agora, enquanto analisava tudo com frieza sabia que tinha cometido um erro, mais de um para ser franca.

Ele tinha razão, não tinha considerado os perigos de ser uma dançarina de boate, mesmo porque meu rosto era um mistério para todos, bem como meu nome e identidade reais.

Mas aquelas precauções não tinham sido suficientes para me livrar do perigo.

E por fim, tinha novamente baixado a guarda para Alexandre, deixado que ele visse minhas fraquezas e precisava corrigir isso, bem rápido.

Cheguei mais cedo a faculdade, e como esperado, o encontrei a minha espera. Tive vontade de sorrir, mas aquilo não era verdadeiramente engraçado.

— Bom dia Melissa.

— Bom dia.

Observei horrorizada que seus hematomas e ferimentos pareciam piores a luz do dia, e a culpa era toda minha.

— Você deveria estar em casa, não acho que esteja em condições de dar aula.

— Confie em mim, já estive pior. – ele riu, parecendo de divertir pela minha preocupação.

— Não tem graça. – franzi o cenho.

— Não. – ele fez uma careta – Na verdade não tem mesmo. Nós podemos conversar?

— E você lá sabe fazer outra coisa?

— Já disse que não vou desistir.

— Não vou abrir mão do meu trabalho só porque você acha “inadequado”.

— É bem mais do que achar inadequado e sabe disso.

— O que eu sei é que não vou abrir mão e ponto final!

O sinal bateu me dando uma desculpa aceitável para fugir dele.

— Agora eu tenho que ir. – comecei a me afastar.

— Isso não terminou Melissa.

Corri para longe, ignorando aquela ansiedade conhecida, que fazia meu estomago se contrair.

Não posso dizer que consegui me concentrar na aula, ou que me lembro do borrão que foi aquele dia, mas o dia passou, é tudo que posso garantir.

Sabia que ele estava a minha espera, e que seria confrontada. Era isso o que Alexandre fazia, sempre, desde o dia que tinha conhecido ele.

Então quando coloquei meus pés para fora da sala não foi surpresa que sem nenhuma explicação ele me pegou pela mão e me puxou para longe.

— As pessoas vão começar a se perguntar o que nós dois estamos fazendo.

— Nesse momento em particular isso não me importa.

Quis dizer que eu me importava, e muito, mas sabia que seria inútil tentar argumentar com ele naquele momento em particular. Simplesmente me deixar ser levada até p estacionamento, onde entrei no seu carro e aguardei para ver o que aconteceria a seguir.

Para minha surpresa ele parou em uma rua movimentada cheia de restaurantes.

— Jura? – sorri irônica – Isso é um encontro?

A julgar pela careta que ele fez a piada não tinha sido tão boa, ou ele estava de muito mau humor.

Alexandre foi o primeiro a descer do carro e eu o acompanhei, ainda intrigada do motivo de estarmos ali, e apesar da minha brincadeira, não estava nenhum um pouco a vontade de estar ao seu lado, sozinhos.

— Você ainda gosta de massa?

Ainda? Por que aquele homem tinha que se apegar a detalhes? Por que tinha uma memória tão boa?

Apenas assenti, chocada por ele se lembrar de uma conversa de anos atrás, sabia porque me sentia incomodada perto dele Alexandre tinha o dom de cavar no mais profundo de mim, e descobrir meus segredos, mesmo contra minha vontade.

Entramos no restaurante que era uma cantina italiana e nos sentamos em uma das mesas espalhadas pelo salão, notei que era uma das mesas mais afastadas e o clima ao redor dava a impressão que não tinha mais ninguém ao nosso redor.

O garçom nos trouxe o cardápio e eu o abri quase de imediato, só para não encara-lo diretamente.

— Me ignorar não vai te ajudar.

Baixei o cardápio, olhando aqueles olhos verdes que tanto me deixavam nervosa.

— Não é justo.

— Não costuma ser. – ele fez silencio me analisando – Precisamos ter “aquela conversa”

— Já sei de onde os bebês vem.

— Melissa!

Suspirei, sabendo que não conseguiria fugir daquela conversa. Alexandre tinha aquele olhar decidido que me fazia mergulhar em milhares de lembranças, sabia que aquela conversa despertaria milhares de outras lembranças.

— Vá em frente, não sou mais uma garotinha.

— Você sabe que eu não podia ficar, depois do beijo.

Tentei manter minha expressão neutra, mesmo com a ferroada em meu peito provocada pela enxurrada de lembranças que suas palavras causaram em mim.

— Eu sei.

Claro que eu sabia, não era idiota, só que mesmo sabendo disso, sendo objetiva e racional, meu coração idiota tinha se enchido de esperanças e sido partido com uma velocidade impressionante.

— Eu era seu professor.

— Você é meu professor. – não consegui evitar a raiva na minha voz.

— Não é a mesma coisa, e você sabe disso.

— Sei? – franzi o cenho – Você ainda parece ter os mesmos hábitos terríveis daquela época.

— Terríveis? – ele ergueu uma sobrancelha.

— Se intrometer onde não é chamado.

— Eu só quero seu bem.

— Desculpe se não consigo acreditar.

Estava magoado com ele, e por mais que quisesse fingir que não me importava ou que suas atitudes não me atingiam, era mentira e nós dois sabíamos disso.

— O que eu podia fazer?

— Não me beijar, para começo de conversa.

— Foi... – ele olhou para as próprias mãos – Eu não planejei, foi um impulso.

Conseguia entender como ele se sentia, porque na época, e mesmo agora, eu me sentia compelida a fazer certas coisas quando estava com ele. Era como se perdesse o controle, e eu nunca perdia o controle.

— Não faz diferença... Você foi embora e ponto final.

O garçom retornou dessa vez para verificar nossos pedidos. Pedi a especialidade da casa, mesmo sem ter certeza do que era exatamente e Alexandre pediu um nhoque ao molho sugo. Assim que pegou nossos pedidos o funcionário desapareceu.

— Sabe que faz diferença.

— E o que? – sustentei seu olhar, determinada a não parecer uma garotinha assustada – O que isso muda? Vamos sair de mãos dadas saltitando? Cantando? Por favor Alexandre, nós dois sabemos que essa conversa não faz o menor sentido.

— Só quero que você pare de me tratar feito um estranho, pare de agir assim.

— Assim como?

— Como se não tivesse sentimentos, como se não se importasse com nada. – ele parecia triste e isso fez meu coração se apertar – Isso não é vida Melissa, você merece mais do que isso.

— Não é da sua conta. – baixei os olhos, sentindo que ele estava fazendo de novo, quebrando minha resistência, baixando minha guarda.

— Eu sei que não, mas não consigo deixar de me importar com o que acontece com você.

— Pare com isso. – o encarei irritada. – Pare de fazer promessas que não vai cumprir, de dizer coisas para me fazer confiar em você. Cedo ou tarde você vai embora, como já fez antes, e eu...

E eu vou ficar sozinha, e abandonada, de novo.

— Não vou a lugar nenhum.

Sorri irônica.

— Não minta para mim, nós dois sabemos como isso termina.

— Como isso termina?

As palavras vieram a minha mente, mas não tive coragem de dizer. Sabia que ao dizer colocaria ideias na cabeça dele, e pior na minha. Mas já estava feito e comecei a pensar como seria sentir sua boca contra minha, não um simples roçar de lábios, quase inocente que tinha sido o que acontecera cinco anos atrás.

Percebi que seus olhos ainda estavam sobre mim, analisando meu silencio, julgando. Um sorriso torceu seus lábios e tive que desviar os olhos de sua boca apetitosa.

— Ora vejam só.

Foi tudo o que ele disse, mas foi suficiente para fazer uma estranha e deliciosa sensação percorrer meu corpo.

Nossos pratos chegaram ambos acompanhados de suco de uva, que eu se quer me lembrava de ter pedido. Me limitei a comer, imersa demais em meus pensamentos para se quer olhar para Alexandre.

— Você desistiu do balé?

Amenidades? Bem, com elas podia lidar.

— Quando você só tem dinheiro para o básico tudo aquilo que é “supérfluo” sai da lista.

— Dançar não é supérfluo, ao menos nunca foi para você.

— Ainda estou dançando, não é mesmo? – sorri, provocando-o.

— Sabe do que estou falando. Pensei que seu sonho era ser bailarina, profissional.

— Sonhos são para crianças e adolescentes deslumbradas.

Dei uma boa garfada no prato e o levei aos lábios, observando sua testa se vincar.

— Dançar naquela boate foi o único jeito que encontrou? Para continuar dançando?

— Não é sobre a dança!

— Não é? – ele sorriu, parecendo muito satisfeito consigo mesmo – Essa sim é uma explicação que faz sentido.

— Talvez eu goste de rebolar para uma multidão de homens ver. Como pode saber do que gosto ou não?

Pela sua expressão de desagrado minhas palavras tinham acertado em cheio.

— Não pode gostar disso.

Sorri maliciosa.

— Talvez goste...

Alexandre piscou, parecendo ter dificuldade em processar minhas palavras, engoliu em seco, deu um gole em seu suco e olhou para o lado evitando me encarar.

Eu o tinha constrangido?

Encostei na cadeira, só então notando que estava praticamente inclinada sobre ele.

— Você já foi mais divertido.

Soltei sem pensar, só então me dando conta que tinha entregado o ouro a ele. Provando por A mais B que gostava de nossas antigas conversas, perfeito.

— Você já foi menos carrancuda.

Ele tinha razão, mas não cairia em sua armadilha com tanta facilidade.

— Boa tentativa. – sorri.

Terminamos o almoço sem que nada estivesse resolvido entre nós, sem que ninguém tivesse cedido, mas com aquela conexão estranha que tínhamos parcialmente reestabelecida.

— Deveria tentar novamente, falo da dança.

— Lá vem você...

Coloquei meu cinto de segurança enquanto ele dava partida no carro.

— Não me diga de Administração é sua faculdade dos sonhos.

Olhei para fora, evitando seus olhos, que certamente me tirariam a verdade de uma forma ou de outra.

— Nem sempre temos aquilo que queremos, a vida é assim.

— Não precisa ser.

— Eu não sou mais criança para acreditar em contos de fada. Balé não era para mim, fazer o que? Não sou do tipo que luta contra o inevitável.

— Fala como se não tivesse escolha, como se não pudesse mudar de direção.

— Talvez não possa. – dei de ombros.

— Você sempre pode. E dançar em uma boate usando aquelas roupas provocantes e uma máscara, não é o único jeito de fazer isso, continuar dançando.

— Cite um.

Encarei Alexandre, que abriu a boca pronto a falar, mas a fechou assim que percebeu que não tinha nada a dizer.

— Viu só? – sorri vitoriosa.

— Vou pensar em algo.

— Imagino que sim.

Alexandre parou o carro ao lado do meu prédio.

— Obrigada pelo almoço, não posso dizer que amei o tópico da conversa, mas foi bom conversar.

— Não faz isso com frequência não é mesmo?

— As pessoas não gostam de mim.

— Ou você não da uma chance as pessoas.

— Tão idealista. – sorri irônica, tirando o cinto e me preparando para sair.

— Espere.

Alexandre segurou meu pulso e se inclinou na minha direção.

— No almoço, quando você corou...

— Eu não corei! – me defendi prontamente ao que ele sorriu.

— Você ficou vermelha, não tem como esconder isso.

— Vá para o inferno Alex!

— Senti falta desse apelido.

Sua mão tocou meu rosto fazendo uma corrente elétrica viajar pelo meu corpo agora em chamas.

— Não tem nada de incomum nele.

— Quando você diz tem.

Meu estomago se retraiu, por que como eu tinha dito para ele, nós dois sabíamos como aquilo acabava.

Alexandre pareceu ler meus pensamentos pois seus olhos desceram para meus lábios e senti um aperto na garganta.

E se ele me beijasse? E se não beijasse?

Enquanto minha mente trabalha em ambas as situações seus lábios pressionaram os meus, não tinha nada de gentil ou delicado naquela pressão, sua língua pediu passagem e permiti sem se quer parar para pensar em nada daquilo. O beijo se aprofundou enquanto eu esquecia de respirar, de pensar de tudo menos daquela boca contra a minha.

Meu sangue parecia lava em minhas veias correndo quente e rápido, meu coração martelava contra meu peito.

Alex se afastou e vi o horror em seus olhos, já tinha visto aquilo e sabia muito bem o que vinha depois.

— Se vai se arrepender de me beijar, de novo, não deveria se dar ao luxo de ficar tão perto de mim.

Sai do carro batendo a porta decidida a nunca mais deixar aquele homem me tocar, não valia a pena.

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