Capítulo 5

Alexandre

Melissa tinha deixado bem claro que minha opinião não era importante para ela. Saber que aquela jovem mulher estava se expondo a tantos perigos, ela não tinha se quer pensado sobre eles, me deixava aflito.

Deveria ser fácil ignorar o que uma mulher faz com a própria vida e o próprio corpo, mas naquele caso em especifico, não conseguia.

— Titio?

Ergui meus olhos encarando minha sobrinha, as vezes tinha a impressão que os anos tinham voado diante de mim, pois aquela garota me encarando com aqueles olhos brilhantes verdes iguais os meus, não podia ser Elizabeth, o bebezinho que um dia tinha se aconchegado em meus braços para dormir.

— Oi, meu bem. – sorri.

— Você parece preocupado.

Assim como sua mãe, minha falecida irmã, Lizz era uma pequena luz, meus oásis em meio ao caos.

— São alguns problemas no trabalho, nada demais.

— Posso ajudar?

— Não querida, mas obrigada por se oferecer.

— Tudo bem, então.

— Quer que eu te coloque para dormir?

— Tio! Eu não sou mais criança.

Ergui minhas mãos, me rendendo aquela mocinha tão precoce.

— Boa noite, então.

Lizz me deu um beijo e me deixou novamente sozinho com meus pensamentos.

As vezes me perguntava se Melissa não tinha ninguém que cuidasse dela, a protegesse. Quase nunca falava sobre sua vida, família.

Ela tinha sido a jovem mais esperta e irônica que tinha conhecido na vida, mas agora era como se algo tivesse se apagado dentro dela.

Não deveria me sentir tão atraído por ela, por seus problemas e dramas, mas não conseguia me sentir de outra forma. Era como se não conseguisse ficar longe dela, e qualquer desculpa por mais estupida que fosse – o que não era o caso – era boa para me manter por perto.

Decidi que precisava ir dormir, os problemas ainda estariam ali pela manhã.

Os próximos dias foram exatamente como imaginei que seriam. Como já era característico dela, Melissa me evitou e me ignorou sempre que possível, e quando não era me dispensou um tratamento frio e distante.

Até poderia me sentir ofendido, ou magoado, caso não soubesse que essa era uma defesa sua. Já tinha visto esse filme, mas não tinha certeza se o que tinha acontecido da ultima se repetiria, supunha que não.

Aos poucos tinha quebrado sua resistência e me tornado quase um amigo, quase pois ela nunca abaixava sua resistência por completo, e então veio o beijo.

Era difícil esquecer o beijo quando a dona daquela boca estava bem ali, ao meu alcance.

Não! Ela nunca esteve e nunca estaria ao meu alcance.

Me senti a pior pessoa do mundo ao mentir para Maria, minha vizinha que sempre ficava feliz em cuidar de Lizz, dizendo que tinha “trabalho extra” para fazer e voltaria mais tarde.

Na verdade, estava indo novamente aquela boate, só não tinha certeza se queria ver Melissa dançar ou tentar quebrar sua resistência e ter uma conversa de adultos.

Bem, agora ela era adulta e eu poderia ter uma conversa dessas com ela.

Sentei e aguardei o show, notei que as mesas ao meu redor eram em sua maioria ocupadas por homens. Que surpresa. Era obvio que eles estavam ali por ela.

Na mesa ao lado da minha tinha um homem vestindo roupas surradas e bebendo um drink atrás do outro, os olhos vidrados no palco, aquilo não me parecia boa coisa.

— Senhor?

Encarei quem me chamava e me deparei com os seguranças que tinham me arrastado para fora da última vez.

— Por favor, nos acompanhe.

— Não vou causar problemas.

— Ou você vem por bem ou vamos te arrastar.

Levantei, sabendo que eles cumpririam as ameaças. Fui deixado do lado de fora, onde a fila se estendia a perder de vista.

— Não volte aqui cara. Scarlet não te quer aqui...

Encostei na parede. Melissa tinha ido longe demais, só queria seu bem. Talvez devesse ir embora, já que ela queria ser deixada em paz.

Fui para meu carro, mas antes de dar a partida e ir embora, lembrei do homem ao meu lado, e uma sensação ruim me fez ficar exatamente onde estava.

Devo ter caído no sono, pois quando abri os olhos tudo estava deserto ao meu redor, era muito provável que Melissa tivesse ido embora.

Me senti idiota por estar ali. Dei a partida no carro e antes que arrancasse um grito fez meu sangue gelar.

Sai do carro sem me importar em trancar a porta ou qualquer coisa assim, corri na direção do grito e acabei indo parar no beco atrás da boate.

Não tinha nada ali além de latas de lixo e todo tipo de sujeira, um som abafado me fez olhar ao redor, sem ver nada.

— Olá?

Ouvi um guincho de dor e de trás de um amontoado de lixeiras um vulto se moveu, correndo na minha direção.

— Socorro!

Era uma mulher, segurei seus ombros e ao encarar de quem se tratava por baixo de um capuz de moletom vi os olhos cheios de lagrimas de Melissa.

— Alex. – ela resmungou em uma voz chorosa e me abraçou.

Apertei aquela pequena e frágil mulher em meus braços, sentindo que ela tremia por baixo da roupa.

— Ela minha!

Uma voz enrolada berrou. Olhei naquela direção, onde o mesmo homem que estava ao meu lado antes do show, vinha em nossa direção cambaleando.

— Ela não é uma coisa que pertença a ninguém, você está bêbado, vai embora.

— Solta ela! Ela é minha!

O bêbado investiu na nossa direção e a única coisa que tive tempo de fazer foi empurrar Melissa, antes de ser jogado contra o chão e ser socado.

Consegui sair de baixo daquele homem, que tinha o dobro do meu peso e tamanho e o soquei algumas vezes. Por mais que ele estivesse bêbado não era um adversário tão fácil de vencer.

Estava levando uma bela surra quando o peso dele foi tirado de cima de mim e o rosto assustado de Melissa flutuou acima de mim.

— Alex? Oh meu Deus...

Tive tempo de sorrir pelo seu desespero antes que a inconsciência me levasse.

— Ele sujou meu sofá de sangue.

— Cala a boca Jean Pierre!

— Se ele morrer nesse sofá Scarlet.

— Já disse para calar a merda dessa boca!

Abri meus olhos, lentamente, sentindo que tinha dores por todo meu corpo. Ouvi Melissa suspirar aliviada e seu amigo, usando um terno branco, cílios postiços e batom rosa revirar os olhos para mim.

— O que aconteceu?

— Você levou uma surra para salvar a garota – ele sorriu malicioso – acho que merece um prêmio.

— Jean Pierre, vá pegar uma água e pare de ser idiota.

Ele fez o que ela pediu. Melissa tinha uma toalha ensanguentada nas mãos.

— Isso é meu?

— Sinto muito, eu corri para chamar ajuda, mas...

— Como ele ficou? – levantei sentindo dor.

— Não sei... Os seguranças o levaram, para ser franca, não faço ideia do que planejavam fazer.

— Espero que o mesmo que ele fez comigo.

Toquei meu queixo, que parecia inchado.

— A culpa é minha, você vai ter hematomas horríveis amanhã.

— Não. – eu a olhei com seriedade – A culpa é dele, você não fez nada errado.

— Ele te bateu por mim.

— E eu apanharia mil vezes para não deixar aquele lixo colocar as mãos em você.

Seus olhos estavam novamente cheios de lágrimas.

— Eu... – sua voz tremeu – tive tanto medo, pensei...

Abracei Melissa novamente, ignorando a dor que esse pequeno gesto trazia.

E se eu não tivesse ficado? Se não tivesse ido ali naquele dia?

Pensar que algo ruim poderia ter acontecido a ela era impensável para mim. Me afastei, encarando seus olhos chocolate chorosos.

A dor não importava, nem o lugar ou circunstâncias, tinha algo que eu queria, e já fazia muito tempo.

— Desculpe interromper, o que imagino que seria um beijo digno de cinema, mas... a água.

Olhei Jean Pierre, parado na porta com um sorriso atrevido nos lábios.

Melissa saiu de meus braços e se afastou, tomando uma distância segura de mim.

— Obrigada.

Peguei o copo de água e bebi de um gole só.

— Sabe boy magia, você deveria levar Melissa para casa, afinal, o dia foi bem ruim hoje.

— Meu nome é Alexandre. – resmunguei irritado.

— Bom saber... – ele sorriu – Você tem W******p?

— Jean Pierre!

— O que? Não posso tentar?

— Eu agradeço pelo que fez Alexandre, mas acho que deveria ir... já é tarde.

— Acho que seu amigo tem razão... Como vai para sua casa?

— De metrô, como faço todos os dias.

— Não. Eu levo você.

— Não precisa!

— Isso não é um pedido Melissa.

— Você não manda em mim! – ela me encarou, uma expressão petulante no rosto.

— Não mando, mas vou insistir enfaticamente que me deixe te levar para casa. Por favor.

O que quer que ela tenha visto em minha expressão, ou talvez tenha sentido pena de meu estado deplorável, a fez aceitar.

— Tudo bem, mas só desta vez.

Eu e Melissa fomos para meu carro, que milagrosamente estava no mesmo lugar e trancado. Ela me entregou a chave e não deu maiores explicações sobre quem tinha garantido que ele ainda estivesse ali.

Entramos enquanto ela olhava ao redor.

— Belo carro.

— Ainda estou pagando, obrigada.

— É bom saber que o salário de professor universitário é melhor do que o que recebia no Ensino Médio.

Senti uma pontada de sarcasmo, mas preferi fingir que não tinha notado e evitar uma briga. Teria outro dia para conversar com ela, e não seria aquele dia.

Dei a partida no carro e com algumas instruções simples, em poucos minutos de silencio estávamos em frente a três torres de prédios antigos, mas bem cuidado do centro de São Paulo.

— Moro no decimo andar.

Melissa disse, parecendo notar que o silencio já era quase opressor naquele carro.

— Seu pai deve estar te esperando.

Sabia que a mãe de Melissa era um assunto proibido, já tinha tentado forçar e descobrir algo, no passado, o que tinha acontecido com ela, mas tudo o que recebi foram olhares hostis e respostas afiadas.

— Claro. – Melissa fez menção de abrir a porta, mas segurei seu braço.

— Nós ainda vamos conversar, não pense que eu desisti.

— Nunca pensaria algo assim de você. – ela sorriu maliciosa.

— Isso é sério Melissa, você tem ideia do que poderia ter acontecido hoje? Do tipo de perigo que corre todos os dias?

— Hoje foi uma exceção a regra, ninguém sabe quem eu sou.

— Ele poderia ter pego qualquer outra garota, acreditando ser você... outros podem fazer o mesmo. Você deveria parar de ir até lá, existem outros trabalhos...

— Nenhum que pague tão bem e que eu possa trabalhar dois dias apenas.

— Esse é mesmo o motivo para fazer isso? Quer mesmo todos aqueles homens indo lá por você? Te olhando? Medindo? Cobiçando?

— Só posso controlar o que eu faço, não o que os outros pensam. E que eu saiba dançar não é crime.

— Sabe que faz mais do que simplesmente dançar, você provoca esses homens.

— Pode até ser... Mas eu tenho obrigação de ceder aos caprichos deles só porque querem? Não posso mais dançar porque eles não podem se controlar? – ela me lançou um olhar irritado – Veja bem o que está me dizendo e analise quem realmente está errado nessa história.

— Não estou dizendo que esteja errada, só que as coisas são como são... e você deveria tomar mais cuidado.

— Ótimo! Vou tomar mais cuidado, tem algo mais a dizer?

— Melissa...

— Não Alex. Eu não fiz nada de errado e não vou admitir que me repreenda feito uma garotinha travessa. Eu sou maior de idade, dona de mim e não vou deixar que nenhum homem me diga o que fazer, mesmo que esse homem seja você.

Dito isto ela puxou o braço, bateu a porta do carro e desapareceu das minhas vistas, antes que eu se quer tivesse conseguido formular uma resposta.

Uma coisa eu tinha que admitir, ela era rápida em bater e ainda mais em correr.

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