Ellen

Já se sentiu sendo observada o tempo todo, mas não sabia quem e onde estava o seu observador?

Pois bem, me sentia assim o tempo todo. Em casa, na faculdade, andando na rua, acompanhada ou não.

Estava começando a achar que estava ficando esquizofrênica e que precisaria de um tratamento urgente para o meu transtorno.

Tinha vezes que imaginava alguém nas sombras do meu quarto, me observando dormir. Eu ficava tão assustada que não conseguia fechar os olhos.

Desde que meu pai morreu, venho tendo a impressão de que ele me assombrava, e isso era como uma tortura. Já não bastasse a minha irmã tentar a todo custo me manter fora de casa, ou de quaisquer coisas que pertencesse a nossa família, por simplesmente desejar tudo só para ela.

Por sorte eu tinha Anthony que, desde que essa tragédia aconteceu, vem cuidando de mim. Às vezes penso que ele exagera com o seu excesso de proteção, mas no fundo sei que faz isso por me amar.

Eu não desejava vir a esse lugar, odiava lugares fechados, barulhento e cheio de pessoas que eu nem conhecia, porém, minha amiga, Eva, insistiu por duas semanas para que eu a acompanhasse nessa festa com a desculpa de que não queria ficar sozinha, o problema era que ela sumiu há vinte minutos, me deixando sozinha perto do bar.

O lugar estava lotado e muito barulhento, coisa que me incomodava. Olhei em meio à multidão e não a achei, provavelmente devia estar colada a um desconhecido qualquer que lhe pagou uma bebida.

Ela era minha única amiga de verdade, por isso cedi e vim, mas agora parece que Eva não precisava mais da minha companhia e ainda tinha o fato de que mesmo estando nesse lugar, algo me observava e incomodava.

Passar em meio a multidão foi difícil e tenho certeza de que, quando chegar em casa, estarei fedendo a álcool, pois quase me encharquei por conta de um homem que derramou o líquido sobre mim.

Nunca frequentei lugares assim. Gostava mais de ficar em casa estudando e lendo bons livros. Quando meu pai era vivo, ele sempre me dizia para aproveitar a minha juventude enquanto era tempo, mas odiava ter que fazer algo só porque era típico da minha faixa etária. Sempre fui assim e gostava de viver em paz, sem os problemas da adolescência.

Como não conhecia a região, também não fazia ideia de como chegar em casa. Não havia muitos taxis e pensei que teria que ir andando até a minha casa.

Sabia que na próxima rua havia mais movimento de carro, e seria mais fácil pegar um taxi. O problema era que para chegar até lá, eu teria que andar alguns metros no escuro da rua onde ficava a casa noturna.

Me amaldiçoava mentalmente por ter cedido às chantagens de Eva, que nem se importava se eu seria morta ou raptada por um estranho se saísse do lugar sem companhia.

Respirei fundo antes de sair de onde estava para enfrentar a rua esquisita. Eu não era tão medrosa, no entanto, quem visse a localidade poderia dizer que era o covil de pervertidos à espera da sua próxima vítima.

Não demorou muito para que aquela sensação estranha voltasse a mim, causando um frio na barriga que quase paralisava as minhas pernas. Forcei-me a continuar a andar, rezando para que fosse apenas minha cabeça paranoica me irritando novamente.

— ELLEN!

Parei no meio do caminho ao ouvir meu nome ser gritado com uma entonação de fúria. No momento eu estava com muito medo para identificar de quem era a voz raivosa que me chamava. Era óbvio que deveria ser um conhecido, pois não anunciei quem eu era dentro da boate, aliás, não havia conversado com ninguém além da minha amiga sumida e o barman.

Virei-me devagar e encontrei os olhos cheios de fúria do meu primo, que vinha em minha direção a passos largos.

Assim que confirmei que não era ninguém que pudesse me matar e esquartejar, respirei fundo e deixei meus ombros, tensos, caírem.

— Por Deus, Anthony, quer me matar de susto?! – Falei assim que estávamos frente a frente.

Mesmo com a má iluminação da rua, conseguia ver a beleza que ele tinha. Era inegável que meu primo era um dos caras mais lindos de Los Angeles, e sabia que muitas mulheres corriam atrás dele. Anthony nunca deu atenção a nenhuma, o que me deixava pensando sobre o porquê alguém como ele, na sua idade, ainda não tinha assumido um relacionamento.

— O que pensa que está fazendo aqui? – Perguntou ainda bastante furioso. Ele era bastante alto, e muito forte. Quando ficava bravo, como agora, sentia como se ele fosse me engolir. – Deseja ser morta ou algo parecido?

Como se não bastasse o seu porte físico e sua cara de mau, eu ainda tinha uma queda, ou melhor dizendo, uma avalanche, por ele. Seus olhos azuis eram penetrantes, seu rosto com traços fortes e a barba davam a Anthony uma beleza fora do comum, se ele não fosse um empresário bastante ocupado, teria uma carreira na moda.

Por isso que sempre que ele brigava comigo, ou só me assistia fazendo alguma coisa, meu coração batia no peito como um motor de carro, minhas mãos suavam e ficava difícil pensar em alguma coisa.

— Acredite, pensei o mesmo, mas parece que é bastante difícil conseguir um taxi aqui, e eu não ficaria esperando um milagre acontecer. – Me justifiquei.

— Não precisaria de taxi se não tivesse vindo. – Falou se aproximando mais e me deixando realmente amedrontada.

Às vezes parecia que Anthony era um irmão mais velho, que estava sempre cuidando de mim ou dando uma bronca. O problema era que o meu corpo não o via assim e isso era preocupante.

— Está chateado porque vim? – Perguntei quase sussurrando. – O que você está fazendo aqui? – O questionei assim que me dei conta da coincidência.

Meu primo era o homem mais fechado que eu conhecia, nunca saía para boates ou festas, que não fossem necessárias, claro. Ele odiava estar na presença de estranhos, assim como eu, e essa coincidência me colocava em dúvida.

— Vamos embora desse lugar. – Falou, ignorando os meus questionamentos.

Ele pegou em meu braço e praticamente me carregou para mais perto do seu carro, que eu não vi quando entramos na boate.

— Anthony, me solta, posso andar sem que você tenha que me carregar. – Disse ficando irritada.

— Não estou para brincadeiras, Ellen, então é melhor me obedecer. – Falou rude.

Estava achando estranho a forma como ele estava agindo, pois meu primo era uma pessoa gentil e carinhosa comigo. Ele era a pessoa que me apoiava e protegia, mas agora estava agindo como um maluco só porque vim a uma boate.

Seu carro conversível não estava muito longe da onde estava, e surpreendi-me por não tê-lo notado quando saí. Anthony realmente estava fora de si, e isso me preocupava.

Ele abriu a porta do carro e esperou que eu entrasse para fecha-la. Não fazia ideia do porquê estava tão bravo. Apesar de ter corrido certo risco ao vir para esse lugar, não era nada de tão grave. Ou pelo menos não tinha acontecido nada ainda. Assim que entrou e ligou o carro, meu primo permaneceu com a sua expressão irritada e não disse mais nada.

Fizemos o percurso em completo silêncio e sabia que ainda ouviria algumas coisas quando chegasse em casa.

Isso me fazia lembrar do meu pai. Se estivesse vivo, também me daria uma bronca por ter me arriscado em uma rua escura e esquisita, mas estaria feliz por finalmente eu ter saído de casa.

Na mansão da família, só Becca e eu morávamos. Ela era a típica irmã irritante que implicava por tudo. Era óbvio que falaria por horas devido ao ocorrido, mas não porque se preocupava e sim porque adorava achar um porquê para me irritar.

Nunca fui de fazer tal coisa, ninguém nunca teve que me dar uma bronca e agora eu me sentia como uma criança. Assim que ele estacionou em frente a porta da mansão, permaneceu por alguns segundos antes de abrir aporta e sair.

Anthony deu a volta e abriu minha porta e eu não movi nenhum músculo com medo de sair e ter que ouvir mais e mais. Antes de colocar o pé para fora, olhei para ele, que se recusava a me olhar.

Agora eu conseguia ver seu rosto com exatidão. Ele estava bravo e mesmo assim era lindo. Desejei me bater por estar admirando a beleza do homem que era muito mais velho e que é meu primo. Apesar de não haver barreiras sanguíneas.

— Não queria que isso tivesse acontecido, mas não estava confortável na boate para ficar sozinha e resolvi voltar para casa. – Falei tentando mudar o clima de tenso.

Saí do carro ainda preocupada em pisar em um campo minado. Essa situação era nova, por isso não sabia como agir.

Seus olhos azuis estavam cinza devido à iluminação. Depois que deixou a barba crescer, seu rosto ficou ainda mais sério e sombrio, o que me deixava com um misto de medo e desejo. Às vezes, quando me encarava, sentia como se fosse derreter em sua frente. Mesmo sem experiência alguma, sabia quando um homem desejava uma mulher e muitas vezes eu achava ver isso em seus olhos.

Era como se Anthony tivesse uma alma escura e desconhecida. Apesar de ter crescido com ele ao meu lado, tinha impressão de que não o conhecia, não sabia o que se passava em sua cabeça e que queria me engolir viva.

Anthony era o nosso único primo. Seus pais também já haviam morrido. Ele sempre foi protetor, e depois do que houve com meu pai, ele tomou a responsabilidade para si. Becca já tinha seu rumo na vida, mas eu era a mais nova, havia acabado de completar dezoito e comecei a faculdade.

— Prometa-me que nunca mais se colocará em perigo dessa forma. – Exigiu ainda me olhando com superioridade. – Não estarei sempre a seu lado para protegê-la. – Falou tocando em meu rosto de forma carinhosa, mesmo que seu olhar demostrasse outra coisa. Seu toque era como brasa em minha pele, provocando no meu corpo um desejo incomum. – Não sabe o quanto desejo isso, porém, sou uma pessoa ocupada e não posso estar em todos os lugares.

A pergunta que fiz anteriormente ainda estava na minha cabeça, mas seu olhar e toque me fazia esquecer de qualquer coisa, e sentia que a qualquer minuto minhas pernas me trairiam, denunciando o que se passava na minha cabeça.

Controle-se, Ellen, ele é seu primo, nunca a olhariam desse jeito.

— Não se preocupe. – Falei tocando em sua mão que ainda me torturava. – Não pretendo ir a lugares como esse, não são o meu estilo.

— Ótimo. – Falou ao afastar-se, quebrando o seu feitiço. – Entre, já está tarde.

Ele estava de costas para mim, parecendo não querer mais olhar nos meus olhos. Via a tenção em suas costas largas. Não sabia o que tinha feito para deixa-lo desconfortável.

Desde muito jovem convivo com Anthony e a cada ano ele se torna uma pessoa misteriosa e sombria para mim. Às vezes sendo sensível e amoroso, me dando conforto e paz, e outras vezes sendo mandão e me tratando como um cristal. Odiava vê-lo sendo o cara mais velho que cuidava de mim, pois esse cara eu não conhecia, ele se transformava em um desconhecido.

Mesmo tendo trinta e quatro anos, nunca o vi com uma mulher e nem com mais ninguém. Sabia que desde que seus pais morreram, o homem se tornou mais reservado e focado no trabalho.

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