Capítulo três

A semana tinha passado rápido. As meninas ao saber do meu encontro com Ian se dividiram em dois grupos: Íris e Natasha achavam que ele só estava querendo me impressionar, já Sofia e Miriam que ele estava começando a gostar de mim. Resolvi deixar esse assunto para lá. Durante a semana, Ian quase não falou comigo, nada além de um bom dia e boa noite todos os dias. No primeiro encontro, ele tinha levado a melhor, afinal, eu não pude rebater o que disse no momento, e só depois que eu formulei algo para dizer, do tipo: “não se tem como saber quem é a pessoa certa”, “há quem diz que enquanto não se encontra a pessoa certa, se diverte com a errada”.

Sexta à noite, quando eu já estava terminando de preparar uma aula, meu celular tocou. Quando fui ver, era ele me ligando. Decidi não atender. Depois de alguns minutos, enviei a seguinte mensagem:

Desculpa, estava com uma amiga aqui em casa e não dava para atender

Logo em seguida ele respondeu:

Tudo bem, pode atender agora? Preciso falar com você.

Optei por mentir mais uma vez.

No momento não, estou resolvendo uns problemas com Sofia, pode m****r mensagem.

Pouco tempo depois ele respondeu:

Prefiro te ligar. Assim que terminar, me avise.

Resmunguei irritada. Só depois de meia hora, resolvi avisar que eu podia atender. Como se estivesse esperando o meu sinal, ele ligou e eu atendi:

— Alô! — Digo.

— Oi Elisa, desculpa te incomodar a essa hora, mas eu precisava falar com você. Essa semana foi muito corrida, mal pude entrar em contato. —Disse ele com uma leve culpa na voz.

Mesmo por telefone a sua voz era intensa, rouca e sedutora. Respondi em seguida com um “tudo bem, eu entendo”. Pensei que era só isso que ele queria dizer, mas estava enganada.

— Amanhã você teria um tempo livre depois das 19:00hs? — Perguntou.

— Amanhã não. Tenho que dar uma faxina na casa e, a noite estarei muito cansada para sair. — Não era mentira, porém, eu poderia jogar a faxina para o domingo se eu quisesse encontra-lo, só que não era a minha intenção.

— E no domingo? — Tentou ele.

— No domingo fica complicado porque, segunda tenho que dar aula as 07:30hs da manhã. — Fuji de novo.

— Mas e a tarde? As 15:00hs? —Tentou ele mais uma vez, com um tom mais suplicante. Eu estava ficando sem desculpas, então concordei.

— Ótimo! Vou te buscar na sua casa, é uma surpresa o lugar onde vou te levar. —Disse ele animado. Relutei um pouco, mas no final, acabei passando o endereço.

A verdade era que eu estava apavorada com a ideia de ter que ver Ian novamente. Eu nunca soube lidar muito bem com sentimentos intensos, sempre tive dificuldade de manter relações interpessoais. Não gosto de contato físico, (principalmente com pessoas que conheci a pouco tempo), e sempre me sentir desconfortável em lugares barulhentos ou muito cheios.

Diante essas características, me autodiagnostiquei quando tinha 25 anos, com distúrbio global do desenvolvimento sem outra especificação (DGD-SOE). Nunca fiz exames ou acompanhamento para ter certeza, mas foi a única explicação que achei para justificar o porquê de eu ser tão diferente dos demais.

Geralmente, evito ficar nervosa porque não sei lidar com as reações que tal sentimento desperta. Também tento controlar o grau de importância que dou para as coisas do dia-a-dia, pois já que tive TAG, TOC e depressão;

Dei meu primeiro beijo com 10 anos, o segundo com 18 anos e, o terceiro apenas com 21 anos. Nunca consegui permitir que algum desconhecido se aproximasse romanticamente, sendo que só dei um beijo por livre e espontânea vontade, quando eu tinha 24 anos.

Minhas paixões foram quase todas platônicas, apenas uma que não. Ela surgiu com o decorrer do tempo e da convivência com a pessoa, o que me deixou com dependência emocional por um bom tempo. Um outro detalhe importante é que tenho dificuldade para encarar as pessoas, ou segurar o olhar por muito tempo.

Sou de ficar anos sem me apaixonar e quando acontece, fico anos gostando da mesma pessoa. Por essa série de motivos, fiquei apavorada com a ideia de ver Ian novamente, pois eu estava me apaixonando, mesmo ele sendo o tipo que não me chama atenção.

Eu havia cavado a minha própria cova quando aceitei a aposta e, eu tinha que lidar com isso, da melhor forma possível. Fugir não era uma opção, pelo menos, não ainda.

Era desafiador ficar ao lado dele, sentindo o seu perfume, tentando agir normal quando na verdade, um turbilhão de sentimentos conflitantes me tomava. Sentir o seu olhar e não consegui retribuí, era o que mais me deixava angustiada.

O que eu queria era terminar logo com tudo aquilo. Ele não sentia as coisas da mesma forma que eu, não se apaixonaria da mesma maneira e, eu não queria ficar sofrendo quando chegasse o fim do mês e cada um fosse para um canto. Eu não sabia gostar pouco, eu não sabia amar tão raso, mas eu sabia sofrer como nenhuma outra pessoa.

Domingo as 15:00hs quando saí de casa Ian estava com as costas apoiadas no carro me esperando. Dessa vez, ele havia colocado uma calça jeans preta, camisa vermelha, e uma blusa de mangas compridas xadrez e nos pés, um par de tênis preto.

Ao me ver, deu um sorriso que com certeza, faria qualquer mulher se derreter. Antes que eu desse mais um passo, ele me abraçou. Ao sentir o corpo dele próximo, uma onda de eletricidade percorreu todo o meu ser. Como se tivesse percebido minha reação, se afastou, e logo em seguida, com muito cavalheirismo, abriu a porta do carro para mim, e só depois iniciamos a viagem.

Curiosa, perguntei onde íamos e ele respondeu que eu só saberia quando chegássemos. Depois de 30 minutos, estacionamos em frente a uma galeria. Não entendi muito bem o porquê, mas o acompanhei, e logo a frente tinha uma cafeteria chamada: Cantinho do Leitor. Entramos e me deparei com um lugar extraordinário.

Uma cafeteria que além de comidas e bebidas, tinha uma vasta biblioteca para que os clientes lessem enquanto estivessem ali. As paredes tinham quadros com os maiores escritores do mundo. As mesas eram de vidro e transparentes, cada uma tinha dentro, frases e citações famosas. Achamos uma mesa no canto, enquanto eu me acomodava, fui admirando todo o espaço. De repente Ian diz:

Duvides que as estrelas sejam fogo, duvides que o sol se mova, duvides que a verdade seja mentira, mas não duvides jamais de que te amo.

Ele olhava diretamente para mim, daquele jeito intenso que só ele sabia. Não pude esconder o meu susto, e antes que eu dissesse algo, ele completou:

— Shakespeare. Olhe.

Ele apontou para a mesa e então entendi que era aquela frase que estava escrita ali. Só então pude voltar a respirar. Pedimos capuccino, e enquanto tomávamos, íamos conversando.

— Eu amei esse lugar. — Admiti.

—  Pensei que você ia gostar. — Ele disse satisfeito.

— Por que você não gosta de homens bonitos? —Ele questionou novamente.

Ah é, a aposta. Por um momento tinha esquecido dela.

— Eu já te disse, não vou repetir. — Falei demostrando um pouco de irritabilidade.

— Desculpa, pensei que teria um significado mais profundo. — Ele disse um pouco envergonhado.

— Não tem. — Falei de forma seca.

— Como estão as meninas? — Perguntou ele, mudando de assunto.

Conversamos de vários outros assuntos. Ian me ouvia com tanto interesse, tanto carinho, que me senti única, pelo menos naquele momento. Depois de 2hs, saímos do café e resolvemos andar um pouco pela rua que era calma e bonita.

Íamos conversando, lado a lado, até que passei por baixo de uma árvore que me deu um banho de folhas secas. Antes que eu começasse a tirá-las, Ian se aproximou e começou a fazer o serviço. Resolvi ajudar, porém ele disse que faria sozinho. Congelei e fiquei olhando-o, tão concentrado tirando folha por folha. Seu perfume era tão bom, suas mãos, apesar de grandes, sabiam ser gentis. Enquanto ele tirava as folhas, muito lentamente por sinal, fiquei encarado o seu peito largo.

No momento que percebi que mais nenhuma folha caía no chão, levantei os olhos e ele estava olhando fixamente para mim. Meu coração começou a bater muito rápido, ele estava próximo demais. Como reação, me afastei e agradeci. Ian que parecia estar em transe, demorou um pouco para perceber que eu já estava andando. Depois, ele me levou para casa. Assim que parou o carro, antes de descer, me despedi e perguntei curiosa:

— Qual é a lição de hoje?

Ele riu e desviou o olhar, depois de um momento, me encarou e disse:

— Talvez, não preciso provar que nem todos os homens bonitos são desprezíveis, mas apenas que eu não sou.

Quando falou isso, Ian parecia querer demostrar que aquelas palavras tinham mais significados do que eu poderia imaginar. Me arrependi naquele momento de ter perguntado.

Saí do carro com a cabeça zonza, com certeza, eu estava imaginando coisas. Assim que entrei em casa, liguei logo para a sensata do grupo, Miriam.

— Mulher!!! Você não vai acreditar no que aconteceu.

Contei tudo para ela e como resposta tive:

— Se esse homem não está com os quatro pneus arriados por ti mulher, eu não sei mais o que é. O que quero saber é se você realmente não sente nada por ele.

Demorei alguns momentos para responder. Há muito tempo que eu não sentia algo como aquilo. Mas podia ser apenas encanto, pois Ian sabia como tratar bem uma mulher. Admiti estar encantada pelo jeito dele. Miriam finalizou o assunto dizendo:

— Você ainda tem duas semanas pela frente para saber se ele está sendo verdadeiro e, se você começou a gostar dele.

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