A semana tinha passado rápido. As meninas ao saber do meu encontro com Ian se dividiram em dois grupos: Íris e Natasha achavam que ele só estava querendo me impressionar, já Sofia e Miriam que ele estava começando a gostar de mim. Resolvi deixar esse assunto para lá. Durante a semana, Ian quase não falou comigo, nada além de um bom dia e boa noite todos os dias. No primeiro encontro, ele tinha levado a melhor, afinal, eu não pude rebater o que disse no momento, e só depois que eu formulei algo para dizer, do tipo: “não se tem como saber quem é a pessoa certa”, “há quem diz que enquanto não se encontra a pessoa certa, se diverte com a errada”.
Sexta à noite, quando eu já estava terminando de preparar uma aula, meu celular tocou. Quando fui ver, era ele me ligando. Decidi não atender. Depois de alguns minutos, enviei a seguinte mensagem:
Desculpa, estava com uma amiga aqui em casa e não dava para atender.
Logo em seguida ele respondeu:
Tudo bem, pode atender agora? Preciso falar com você.
Optei por mentir mais uma vez.
No momento não, estou resolvendo uns problemas com Sofia, pode m****r mensagem.
Pouco tempo depois ele respondeu:
Prefiro te ligar. Assim que terminar, me avise.
Resmunguei irritada. Só depois de meia hora, resolvi avisar que eu podia atender. Como se estivesse esperando o meu sinal, ele ligou e eu atendi:
— Alô! — Digo.
— Oi Elisa, desculpa te incomodar a essa hora, mas eu precisava falar com você. Essa semana foi muito corrida, mal pude entrar em contato. —Disse ele com uma leve culpa na voz.
Mesmo por telefone a sua voz era intensa, rouca e sedutora. Respondi em seguida com um “tudo bem, eu entendo”. Pensei que era só isso que ele queria dizer, mas estava enganada.
— Amanhã você teria um tempo livre depois das 19:00hs? — Perguntou.
— Amanhã não. Tenho que dar uma faxina na casa e, a noite estarei muito cansada para sair. — Não era mentira, porém, eu poderia jogar a faxina para o domingo se eu quisesse encontra-lo, só que não era a minha intenção.
— E no domingo? — Tentou ele.
— No domingo fica complicado porque, segunda tenho que dar aula as 07:30hs da manhã. — Fuji de novo.
— Mas e a tarde? As 15:00hs? —Tentou ele mais uma vez, com um tom mais suplicante. Eu estava ficando sem desculpas, então concordei.
— Ótimo! Vou te buscar na sua casa, é uma surpresa o lugar onde vou te levar. —Disse ele animado. Relutei um pouco, mas no final, acabei passando o endereço.
A verdade era que eu estava apavorada com a ideia de ter que ver Ian novamente. Eu nunca soube lidar muito bem com sentimentos intensos, sempre tive dificuldade de manter relações interpessoais. Não gosto de contato físico, (principalmente com pessoas que conheci a pouco tempo), e sempre me sentir desconfortável em lugares barulhentos ou muito cheios.
Diante essas características, me autodiagnostiquei quando tinha 25 anos, com distúrbio global do desenvolvimento sem outra especificação (DGD-SOE). Nunca fiz exames ou acompanhamento para ter certeza, mas foi a única explicação que achei para justificar o porquê de eu ser tão diferente dos demais.
Geralmente, evito ficar nervosa porque não sei lidar com as reações que tal sentimento desperta. Também tento controlar o grau de importância que dou para as coisas do dia-a-dia, pois já que tive TAG, TOC e depressão;
Dei meu primeiro beijo com 10 anos, o segundo com 18 anos e, o terceiro apenas com 21 anos. Nunca consegui permitir que algum desconhecido se aproximasse romanticamente, sendo que só dei um beijo por livre e espontânea vontade, quando eu tinha 24 anos.
Minhas paixões foram quase todas platônicas, apenas uma que não. Ela surgiu com o decorrer do tempo e da convivência com a pessoa, o que me deixou com dependência emocional por um bom tempo. Um outro detalhe importante é que tenho dificuldade para encarar as pessoas, ou segurar o olhar por muito tempo.
Sou de ficar anos sem me apaixonar e quando acontece, fico anos gostando da mesma pessoa. Por essa série de motivos, fiquei apavorada com a ideia de ver Ian novamente, pois eu estava me apaixonando, mesmo ele sendo o tipo que não me chama atenção.
Eu havia cavado a minha própria cova quando aceitei a aposta e, eu tinha que lidar com isso, da melhor forma possível. Fugir não era uma opção, pelo menos, não ainda.
Era desafiador ficar ao lado dele, sentindo o seu perfume, tentando agir normal quando na verdade, um turbilhão de sentimentos conflitantes me tomava. Sentir o seu olhar e não consegui retribuí, era o que mais me deixava angustiada.
O que eu queria era terminar logo com tudo aquilo. Ele não sentia as coisas da mesma forma que eu, não se apaixonaria da mesma maneira e, eu não queria ficar sofrendo quando chegasse o fim do mês e cada um fosse para um canto. Eu não sabia gostar pouco, eu não sabia amar tão raso, mas eu sabia sofrer como nenhuma outra pessoa.
Domingo as 15:00hs quando saí de casa Ian estava com as costas apoiadas no carro me esperando. Dessa vez, ele havia colocado uma calça jeans preta, camisa vermelha, e uma blusa de mangas compridas xadrez e nos pés, um par de tênis preto.
Ao me ver, deu um sorriso que com certeza, faria qualquer mulher se derreter. Antes que eu desse mais um passo, ele me abraçou. Ao sentir o corpo dele próximo, uma onda de eletricidade percorreu todo o meu ser. Como se tivesse percebido minha reação, se afastou, e logo em seguida, com muito cavalheirismo, abriu a porta do carro para mim, e só depois iniciamos a viagem.
Curiosa, perguntei onde íamos e ele respondeu que eu só saberia quando chegássemos. Depois de 30 minutos, estacionamos em frente a uma galeria. Não entendi muito bem o porquê, mas o acompanhei, e logo a frente tinha uma cafeteria chamada: Cantinho do Leitor. Entramos e me deparei com um lugar extraordinário.
Uma cafeteria que além de comidas e bebidas, tinha uma vasta biblioteca para que os clientes lessem enquanto estivessem ali. As paredes tinham quadros com os maiores escritores do mundo. As mesas eram de vidro e transparentes, cada uma tinha dentro, frases e citações famosas. Achamos uma mesa no canto, enquanto eu me acomodava, fui admirando todo o espaço. De repente Ian diz:
— Duvides que as estrelas sejam fogo, duvides que o sol se mova, duvides que a verdade seja mentira, mas não duvides jamais de que te amo.
Ele olhava diretamente para mim, daquele jeito intenso que só ele sabia. Não pude esconder o meu susto, e antes que eu dissesse algo, ele completou:
— Shakespeare. Olhe.
Ele apontou para a mesa e então entendi que era aquela frase que estava escrita ali. Só então pude voltar a respirar. Pedimos capuccino, e enquanto tomávamos, íamos conversando.
— Eu amei esse lugar. — Admiti.
— Pensei que você ia gostar. — Ele disse satisfeito.
— Por que você não gosta de homens bonitos? —Ele questionou novamente.
Ah é, a aposta. Por um momento tinha esquecido dela.
— Eu já te disse, não vou repetir. — Falei demostrando um pouco de irritabilidade.
— Desculpa, pensei que teria um significado mais profundo. — Ele disse um pouco envergonhado.
— Não tem. — Falei de forma seca.
— Como estão as meninas? — Perguntou ele, mudando de assunto.
Conversamos de vários outros assuntos. Ian me ouvia com tanto interesse, tanto carinho, que me senti única, pelo menos naquele momento. Depois de 2hs, saímos do café e resolvemos andar um pouco pela rua que era calma e bonita.
Íamos conversando, lado a lado, até que passei por baixo de uma árvore que me deu um banho de folhas secas. Antes que eu começasse a tirá-las, Ian se aproximou e começou a fazer o serviço. Resolvi ajudar, porém ele disse que faria sozinho. Congelei e fiquei olhando-o, tão concentrado tirando folha por folha. Seu perfume era tão bom, suas mãos, apesar de grandes, sabiam ser gentis. Enquanto ele tirava as folhas, muito lentamente por sinal, fiquei encarado o seu peito largo.
No momento que percebi que mais nenhuma folha caía no chão, levantei os olhos e ele estava olhando fixamente para mim. Meu coração começou a bater muito rápido, ele estava próximo demais. Como reação, me afastei e agradeci. Ian que parecia estar em transe, demorou um pouco para perceber que eu já estava andando. Depois, ele me levou para casa. Assim que parou o carro, antes de descer, me despedi e perguntei curiosa:
— Qual é a lição de hoje?
Ele riu e desviou o olhar, depois de um momento, me encarou e disse:
— Talvez, não preciso provar que nem todos os homens bonitos são desprezíveis, mas apenas que eu não sou.
Quando falou isso, Ian parecia querer demostrar que aquelas palavras tinham mais significados do que eu poderia imaginar. Me arrependi naquele momento de ter perguntado.
Saí do carro com a cabeça zonza, com certeza, eu estava imaginando coisas. Assim que entrei em casa, liguei logo para a sensata do grupo, Miriam.
— Mulher!!! Você não vai acreditar no que aconteceu.
Contei tudo para ela e como resposta tive:
— Se esse homem não está com os quatro pneus arriados por ti mulher, eu não sei mais o que é. O que quero saber é se você realmente não sente nada por ele.
Demorei alguns momentos para responder. Há muito tempo que eu não sentia algo como aquilo. Mas podia ser apenas encanto, pois Ian sabia como tratar bem uma mulher. Admiti estar encantada pelo jeito dele. Miriam finalizou o assunto dizendo:
— Você ainda tem duas semanas pela frente para saber se ele está sendo verdadeiro e, se você começou a gostar dele.
A semana começou bem, Ian não havia falado nada demais nos dois primeiros dias. Quarta feira, estava eu terminando a minha última aula antes do almoço quando Dona Sônia, a inspetora escolar, entrou na sala e me informou que tinha uma pessoa me esperando. Perguntei quem era e ela disse que se chamava Ian. Minha expressão serena desapareceu na hora e sem perceber questionei:— O que ele está fazendo aqui?Dona Sônia apenas sorriu e antes de sair comentou sussurrando:— Não sei, mas que homem bonito viu! Ai se seu tivesse meus 30 anos de novo.— Tudo bem professora? — Questionou Rafaela, uma aluna que estava sentada na frente.—Tudo bem sim. — Respondi dando um sorriso amarelo. Terminei a explicação assim que o sinal tocou.Eu estava juntando os materiais da mesa quando comecei a ouvir murmurinhos entre os alunos. Eu não precise
Como ele havia dito, sexta feira me ligou rapidamente, só disse que era para encontrarmos na sorveteria, que tinha próximo à avenida Principal. Marcamos para às 17:00hs, no sábado. Só em ouvir a voz dele, meu coração acelerou. Pensar que eu ia encontrá-lo no dia seguinte, fez minha ansiedade subir uns 200%.Desde o dia que ele veio em casa, e disse que estava interessado em mim e não na aposta, a decisão de dar uma chance para nós dois se tornava possível. Então, naquele encontro eu iria deixar as coisas fluírem naturalmente, eu já estava ferrada mesmo. Como dizem por aí: “pra quem já está molhado, um pingo é besteira.”Tirei a manhã de sábado para cuidar da pele e dos cabelos. Na hora de me arrumar, usei um esfumado em tons rosados nos olhos, fiz um delineado gatinho, e nos lábios, um batom nude ro
Decidi guardar o que havia acontecido somente para mim. Eu já imaginava o que minhas amigas iam dizer: Íris, xingaria até a sétima geração de Ian e Letícia; Natasha, diria que fui tonta e que eu devia ter marcado território; Sofia, ficaria indignada e Miriam, diria apenas: — que tenso amiga!Eu não estava emocionalmente preparada para lidar com aquela situação. Sempre fui a tapa-buraco de relacionamentos fracassados, a pessoa que curava corações quebrados e eu já estava cansada disso. Me arrependi de ter tido esperanças de que pudéssemos ficar juntos. Era óbvio que Ian estava procurando alguém para esquecer a ex. Então decidi naquele momento, me afastar de vez.Sequei as lágrimas. Eu nunca tinha chorado por ninguém antes, o que confirmava que eu realmente estava lascada. A saída era focar no trabal
No outro dia uma tropa chegou em casa, eram as meninas. Miriam trouxe mais laranjas para melhorar minha imunidade, Natasha, comprou uma caixa de chocolate, e Íris, uma garrafa de vinho. Sofia já tinha contado que Ian dormiu lá em casa, então fui obrigada a contar tudo o que aconteceu mesmo com a voz um pouco rouca.— Eu que queria um homem desses todos os dias para cozinhar pra mim. — Comentou Natasha.— Eu queria ele era na minha cama me esquentando! — Disse Íris dando risada.— Na dúvida, eu queria as duas coisas. — Finalizou Miriam, para surpresa do restante.— O pior veio depois. Ele disse que me ama.Quando falei isso, três pares de olhos arregalaram para o meu lado. Contei o que tudo com mais detalhes. Como resposta tive um sonoro e triplo...— Fudeu.Como não tinha muito o que fazer no momento, conversamos sobre outros assunto
Ian só foi dar notícias na segunda de manhã, quando me enviou a seguinte mensagem:Elisa, bom dia. Estou ótimo, obrigado por cuidar de mim. Sobre aquele assunto... você tem razão, tenho que resolver, por isso, vou me afastar por esses dias. Vou tentar ser o mais rápido possível, por favor, espere por mim.Uma parte de mim ficou feliz por ele ter tomado a decisão de resolver o relacionamento dele com Letícia, a outra parte ficou na expectativa do retorno dele, e todo o meu ser ficou com medo dele mudar de ideia e optar por ficar com ela.Depois de quase uma semana de atestado médico, finalmente voltei para a escola. Acabei chegando alguns minutos atrasada devido ao trânsito. Quando entrei na sala onde eu daria a primeira aula, me deparei com um novo professor:— Bom dia! — Falei ao entrar.Os alunos comemoraram minha volta, as meninas foram menos calorosas,
No outro dia Caio chegou no horário marcado. Ele tinha um único estilo, que misturava um pouco do social e do casual; usava um perfume cítrico, muito bom, mas não se comparava com o de... Mais uma vez eu lembrava de Ian involuntariamente.Não seria fácil esquecer aquele maldito homem. Se eu tivesse conhecido Caio antes do Ian, poderia ser que eu me apaixonasse por ele. Ou não, afinal, ele também faz parte do grupo dos homens bonitos. Sempre que ele passava pelos corredores, as adolescentes suspiravam e faziam comentários obscenos.Chegamos no restaurante e durante o almoço consegui me distrair um pouco. Caio contou que era o filho mais velho de um trio de três homens. Tinha 34 anos e resolveu ser professor por amor pela literatura como eu. Descobri que ele também era fã dos livros de Sherlock Holmes e que tinha uma queda pelos romances de Machado de Assis. Conversar com Caio
A semana passou e com ela, minhas crises de choro. Ian parecia ter sido uma ilusão, pois ninguém falava dele. Caio tentava cada vez ficar mais próximo. No sábado à noite, resolvi ficar assistindo série para passar o tempo. Sofia teve que ir trabalhar a noite e eu fiquei sozinha.De repente, o interfone tocou. Meu coração parou de bater só em imaginar quem poderia ser. Quando atendo, descubro que era Caio. Senti uma leve decepção, mas logo me recuperei. Pedi para esperar um instante, enquanto eu trocava de roupa rapidamente.Coloquei um short jeans e uma camiseta comum, fiz um coque e fui abrir o portão. Fiquei de boca aberta com o que vi: Caio bem vestido, segurando um buquê de rosas vermelhas em uma mão, e na outra uma caixa de chocolate.— Boa noite! Isso é pra você. É muito cafona? — Ele perguntou enquanto me entregava os presentes.
Sexta chegou e eu estava uma pilha de nervos. Por mais que eu tentasse não pensar somente nisso, não adiantava. Limpei a casa, tomei um banho, e a partir das 17:30hs, eu não parava mais quieta.Expulsei Sofia de casa por motivos óbvios. Ela então, aproveitou para ir assistir um filme com Natasha. As 18:00 horas em ponto o interfone tocou. Meu coração quase pulou da boca e saiu voando pela janela. Quando atendi, era ele. Toda a coragem que eu estava para ter aquela conversa desapareceu naquele momento. Pensei em desistir, pedi para ele ir embora, mas a cena dele chorando enquanto eu fechava o portão, fez com que a coragem voltasse. Então peguei a chave e fui.Assim que abri o portão quase tive um piripaque. Ian estava abatido, parecia que não dormia bem há várias noites, mas não estava chorando e nem com expressão de mágoa. Quando me viu, seus ol