Capítulo quatro

A semana começou bem, Ian não havia falado nada demais nos dois primeiros dias. Quarta feira, estava eu terminando a minha última aula antes do almoço quando Dona Sônia, a inspetora escolar, entrou na sala e me informou que tinha uma pessoa me esperando. Perguntei quem era e ela disse que se chamava Ian. Minha expressão serena desapareceu na hora e sem perceber questionei:

— O que ele está fazendo aqui?

Dona Sônia apenas sorriu e antes de sair comentou sussurrando:

— Não sei, mas que homem bonito viu! Ai se seu tivesse meus 30 anos de novo.

— Tudo bem professora? — Questionou Rafaela, uma aluna que estava sentada na frente.

—Tudo bem sim. — Respondi dando um sorriso amarelo. Terminei a explicação assim que o sinal tocou.

Eu estava juntando os materiais da mesa quando comecei a ouvir murmurinhos entre os alunos. Eu não precisei levantar a cabeça para saber o que era, ou melhor dizendo, quem era. Seu perfume já tinha invadido meu nariz e sua voz ao dar bom dia, causando reviravoltas em meu estômago novamente.

— Quer ajuda? — Uma sombra gigante tomou conta da mesa, quando levantei a cabeça era Ian, com um look que eu ainda não tinha visto. Estava todo social, com uma blusa branca por dentro da calça social preta e um blazer azul marinho. O cabelo devidamente penteado, parecia um ator de Hollywood.

— Poderia carregar esses livros? — Apontei para uma pilha de cinco livros que estava do lado. Ele pegou e eu saí levando apenas minha bolsa, e alguns papéis soltos.

Ian me acompanhou em silêncio até a sala dos professores. Pedi para ele esperar na porta enquanto entrei com os materiais e antes de sair, não pude deixar de notar o uau de Telma, professora de biologia.

Segui em frente e ele veio atrás de mim. Com certeza percebeu a minha irritação. Antes que ele dissesse algo eu perguntei:

— O que você está fazendo aqui, Ian?

Eu não esperava que ele apareceria na escola daquela maneira. Não tínhamos tanta intimidade e nem íamos ter. O fato de pensar que eu teria que explicar que ele era apenas um conhecido, e ter que ouvir as mulheres que trabalhavam comigo falar sobre o tanto que ele é bonito, e querer que eu o apresentasse, me fez revirar os olhos. Pensar também nos alunos perguntando sobre o namorado gato que eu tenho (só que não), me irritou mais do que eu achei ser possível.

— Queria te chamar para almoçar. — Respondeu um pouco desapontado.

Fechei os olhos e respirei fundo. Só podia ser brincadeira. Eu não queria brigar ali, então, pedi para que ele me seguisse. Fomos a pé, em silêncio até um restaurante que tinha perto da escola. Depois de colocarmos a comida, nos sentamos em uma mesa mais afastada das demais.

— Não queria te deixar irritada. O fim de semana ainda está longe, eu só queria te ver. —Tentou justificar.

Há é, a maldita aposta. Entendi.

— Não acho legal ter essa proximidade. Daqui alguns dias acaba a aposta e você não sabe o quanto que é irritante ter que ficar respondendo aos questionamentos dos alunos que te viram e das professoras. Por sinal, você quer que eu te passe o contato delas? Elas vão pedir. — Falei soltando uma lufada de ar.

— Você acha que vim aqui por causa da aposta? — Ele perguntou um pouco confuso.

— Mas é claro! Qual outro motivo seria senão esse? — Respondi.

— Não é por causa da aposta. — Ele disse sério.

Parei um pouco para pensar enquanto colocava um garfo com comida na boca. Como não achei nenhum tipo de justificativa além dessa, admiti:

— Não entendo o porquê então.

— Você realmente não entendeu ainda? — Questionou ele levantando uma sobrancelha, algo que percebi ser um hábito.

Perdi o restante da paciência que tinha. Se não era por causa da aposta, com certeza, era por causa das lições que ele se achava apto para me dar. Sem filtrar nada comecei a falar:

— Você está querendo me ensinar que homens bonitos também são atenciosos? Isso eu sei. Eles são com quem querem dar uns pegas. Se essa era a lição de hoje, não deu certo. Tentar me dar lições é muito inteligente da sua parte, diga-se de passagem, só que hoje não deu certo.

Quando vi, já tinha dito. A expressão de Ian que era de desconfiança, passou a ser de irritação. Ele largou o garfo no mesmo momento, percebi que seu maxilar ficou tenso, então disse pausadamente e tentando controlar a voz:

— Você acredita, de verdade, que estou aqui, apenas por causa daquela maldita aposta?

— É claro. — Respondi rápido demais.

— Você é uma tonta, Elisa! — Ele disse, resmungando baixo logo depois.

Fiquei confusa. Se foi por causa da aposta que ele estava me chamando pra sair desde quando me conheceu, há pouco mais de duas semanas, ele queria que eu achasse o quê?

Eu estava confusa, irritada e chateada com o que aquela maldita aposta estava fazendo comigo. Eu poderia ter pedido desculpas por ter sido grosseira, ou poderia apenas perguntar o real motivo, mas a minha intenção era fugir o mais rápido possível, e foi o que eu fiz.

— Quer saber? Perdi a fome! Tenha um bom dia!

Antes que ele falasse algo, levantei da mesa e saí sem olhar para trás. Por mais que 99% de mim estivesse certeza que eu tinha agido corretamente, 1% me dizia que eu merecia um soco no meio da cara para ver se eu acordava.

A tarde foi horrível. Não via a hora de chegar em casa, tomar um banho e comer algo, já que a fome que eu tinha perdido antes voltou com força total 2 horas depois. Ian não deu sinal de vida durante o restante do dia.

Assim que cheguei em casa, contei o que tinha acontecido para Sofia, ela usou uma frase que nossa mãe sempre dizia quando queria chamar a nossa atenção:

— Elisa minha filha, usa a imaginação! Você já tem é 30 anos. Como que um homem bonito daqueles vai te visitar e você é grossa com ele? Vê se procede e deixa de ser tonta!

Talvez eu tenha realmente sido tola ao agir daquele jeito. Eu poderia ter sido um pouco mais gentil. Já que o motivo dele ter aparecido de surpresa não era nenhuma lição, era só ter perguntado qual era. Queria pedir desculpas, mas não sabia como.

O medo de me apaixonar ainda mais, estava fazendo com que eu não pensasse direito e, agisse por impulso. Mas talvez, fosse melhor assim. Cada um para o seu canto e pronto.

Enquanto eu decidia se mandava uma mensagem para me desculpar ou apagava o número dele, Ian me ligou. Eu não sabia se atendia ou se deixava tocar. Demorei tanto pra tomar uma decisão, que só atendi quando ele me ligou na segunda vez consecutiva.

— Oi. — Falei sem graça.

— Estou na porta da sua casa, venha aqui fora, por favor. — Disse Ian, desligando logo em seguida.

— Mas que grosso! — Gritei indignada.

Pensei em não ir abrir o portão. Primeiro que ele parecia estar chateado e eu sabia que ele estava com a razão. Mas, por outro lado... quem ele pensa que é para ligar desse jeito, e desligar o celular na minha cara sem ao menos deixar que eu terminasse de falar?

Sofia que estava próxima na hora, me aconselhou a ir.  Tomei um copo de água para tentar controlar o tremor e clarear a minha mente antes de sair. Abri o portão e ele estava lá.

Estava com uma roupa casual e, com os cabelos bagunçados de novo. Apoiando as costas no carro com os braços cruzados, Ian estava muito irritado, seus olhos azuis pareciam que iam me fuzilar a qualquer momento.

— Não esperava te ver a essa hora. — Falei com a voz trêmula.

— Não se preocupe, pretendo ser o mais rápido possível. — Respondeu ele secamente.

Logo em seguida, abriu a porta de trás do carro e tirou um barril de cerveja da mais cara que tem. Eu fiquei olhando sem entender o significado daquilo. Quando abri a boca para perguntar, ele me cortou dizendo:

— Aqui está o prêmio. Se era por causa disso que você acha que eu fui te visitar, que te chamei para ir no shopping, e que te levei naquele café, pois bem, está aqui o prêmio, eu desisto da aposta.

Ele estava realmente irritado. Fiquei sem saber o que responder. Ian aproveitou o momento de confusão em que me encontrava e colocou o barril de cerveja diante os meus pés. Sem se afastar, me olhou de maneira magoada e voltou a falar:

— Quero que saiba que desde o início nunca foi sobre a aposta. Eu te propus ela, apenas para me aproximar de você, já que não parecia ter outra maneira. Não te contei depois, que não era por causa da aposta que te chamei para sair, porque achei que tinha percebido, mesmo de forma sutil, meu interesse por você. Fui na escola te chamar para almoçar, porque queria esclarecer tudo de vez, deixar a aposta de lado e também, porque senti sua falta.

Ele parou por um momento, desviou o olhar para o lado e quando voltou a me encarar, a raiva e a mágoa tinham ido embora. No lugar, tinha uma mistura de expectativa e tensão. Ficou parado desse jeito até que percebi, um pouco depois, que ele estava esperando alguma posição minha.

Meu cérebro tinha virado gelatina. A facilidade que tive em dar um fora nele aquele dia, já não existia mais. Tentei falar:

— Eu... bom... é que...

Não estava dando certo. O que tinha acontecido comigo? Ian não parava de me olhar, então tentei controlar a tensão que estava sentindo, estalando os dedos e olhando para o lado. Alguns segundos depois, algo compreensível saiu dos meus lábios:

— Não imaginei que tinha algum interesse em mim depois do fora que te dei, e após ter me feito a aposta. Também não sou boa em detectar sinais desse tipo, sou boa com interpretação de textos, não de sentimentos.  Pensei que estava sendo tão gentil e atencioso por causa.... você sabe.

— Procuro ser gentil e atencioso em todos os momentos se quer saber. Independente se estou interessado ou não em alguém. — Ele disse, dando um leve sorriso e tentando quebrar o clima tenso que estava no ar.

Aproveitei para respirar fundo e terminar de formular as frases seguintes, para não parecer uma tonta:

— Eu... sinceramente... não sei o que dizer. Aquele dia foi mais fácil te dar um fora pois eu já tinha tomado uma boa quantidade de álcool. Só que agora... você parece ser uma pessoa legal.

A minha dúvida pareceu animá-lo. Antes que eu dissesse que não tinha mudado de ideia sobre me envolver com homens bonitos, ele disse:

— Vamos fazer assim: sexta feira eu te ligo. Quero te chamar para sair de novo, e dessa vez, sem usar a aposta como desculpa. Quero apenas que me dê uma chance. Agora consigo esperar até o fim de semana, já que hoje, te vi duas vezes, inclusive, adorei as pantufas. — Disse ele sorrindo.

Antes de sair, Ian me deu boa noite, entrou no carro e foi embora, me deixando de boca aberta, desorientada e com um barril de cerveja diante os meus pés. Só então percebi que devido o momento de raiva, saí usando as pantufas de panda.

— Ai droga! — Falei tampando os meus olhos com as duas mãos. Em seguida ouvir a risada de Sofia, que tinha escutado tudo atrás da porta.

— Hihihihihihihi. Eu sabia que ele gostava de você.

— E agora? O que eu faço? — Perguntei completamente perdida.

— Vamos consultar as meninas ué. — Sugeriu ela.

Fui para o grupo titulado como: Melhores amigas e contei tudo. Recebi as seguintes respostas:

Natasha: ah, se fosse comigo, eu ligava e dizia que só vou se eu quiser, e quem marca o dia da gente se vê sou eu.

Íris: já eu ia, e chegava dando um beijão na boca dele daqueles!

Miriam: você poderia dar uma chance. Não custa nada, afinal você já ganhou a aposta se é isso que te preocupa. Além disso, quem sabe, ele pode ser o amor da sua vida.

Eu: obrigada meninas, qualquer novidade aviso.

Há momentos que ninguém pode te ajudar a tomar decisões. Se eu ia ou não aceitar me encontrar com Ian, eu precisava decidir sozinha. Demorei pra pegar no sono, tudo aquilo que estava acontecendo era surreal. Cada dia que passava, a armadura que eu tinha em volta do meu coração ia enfraquecendo. A cada sorriso, gesto de carinho e palavra dita por ele, meu coração batia mais forte, meus pensamentos ficavam mais confusos, e a ideia de me afastar se tornava mais insana.

Ian era a personificação dos homens que sempre amei nos livros de romance; lindo, gentil, carinhoso e muito cheiroso diga-se de passagem. Só que não sei se sou a mulher perfeita para ele. Meu maior medo, é que daqui a um tempo, ele perca o interesse e termine comigo. E eu sei que se eu permitir que ele se aproxime ainda mais, quando isso acontecer, meu coração ficará tão despedaçado que não sei se conseguirei amar novamente.

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