Capítulo dois

Acordei as 7:00hs da manhã, tomei meu sagrado corpo de 300ml de água em jejum, vesti roupas de malha, calcei o tênis de corrida e, enviei mensagem para Miriam, perguntando se já estava pronta. Como sempre, ela estava apenas esperando o meu sinal para sairmos de casa, e nos encontrarmos no lugar de sempre. Durante o caminho até nosso ponto de encontro, coloquei o fone de ouvindo e a playlist de corrida começou a tocar. Quando cheguei no lugar marcado, ela estava me esperando.

— Bom dia, mulher! Pronta para outra? —Perguntei.

— Claro! E Sofia? Perguntou ela curiosa.

— Chegou em casa, tomou um analgésico, colocou uma camisola, e foi para cama. Antes de sair de casa, fui no quarto dela. Só consegui enxergar um monte de cabelos no travesseiro e, ouvir a respiração pesada de quem só vai acordar depois das 9:00hs. — Respondi, balançando a cabeça em sinal de reprovação.

— Acho melhor tirarmos a cerveja com teor de álcool acima de 7%, da lista de bebidas dela. — Disse Miriam, rindo e dando início a corrida.

Depois de um tempo em silêncio, ela perguntou:

— E Ian? Você foi bem direta com ele ontem, hein?

— Sim, acho que a combinação da TPM com álcool não deu muito certo. — Tentei me justificar.

— Tenho que dizer: o bicho é bonito viu! Moça? se eu fosse você, daria uns pegas. Outro que nem ele você não acha fácil não. — Ela comentou.

Eu não tive como não aceitar a proposta. A forma como ele me desafiou, era impossível negar. Depois de firmá-la, eu e as meninas fomos embora. Estávamos cansadas, e já estava ficando tarde.

— Miriam, ele é lindo realmente, mas não sou do tipo que morre de amores por homens igual a ele. Se por acaso Ian m****r mensagem para iniciar o nosso desafio, daqui um mês eu bloqueio e pronto! Não é todo dia se ganha um barril de cerveja. — Falei cheia de deboche.

— Aposto que ele vai entrar em contato sim. Ontem ele me pareceu bem determinado e te desejo boa sorte amiga, duvido que aquele homem não abale nem um pouco as suas convicções. — Miriam disse, com um olhar curioso.

Como resposta, só balancei a cabeça em negação. Depois de 40 minutos, terminamos a corrida e voltei para casa. Fui direto para o banho, e ao sair, coloquei uma camiseta masculina que adoro usar nos fins de semana, apenas ela, sem calcinha, sutiã ou qualquer outra peça. Passei o café, e enquanto estava tomando, levei um susto com um zumbi (vulgo minha irmã), indo para o banheiro. Ela pareceu não me ver, então dei um bom dia alto e como resposta, recebi um grunhido e a porta do banheiro batendo.

Terminei meu café da manhã e dei início a correção dos textos. Quando já estava pela metade, meu celular vibrou. Quando olhei, era uma mensagem de um número desconhecido:

Bom dia Elisa, tudo bem? Sou eu, Ian.

Levei um susto. Tinha até me esquecido dele. Depois de alguns segundos respondi:

Oi Ian, bom dia! Tudo bem sim.

Ele visualizou e escreveu logo em seguida:

Você teria algum tempo livre amanhã à tarde depois das 15:00hs? Gostaria de te chamar para ir no shopping comer algo e pra gente conversar um pouco mais.

Demorei um tempo para me decidir se aceitava ou não. Pensei em inventar uma desculpa e dizer que não eu podia, mas ele poderia pensar que eu estava fugindo. Então, mesmo sem estar muito a fim de ir, aceitei.

Tudo bem. As 15:00hs te encontro na entrada B do shopping.

Como resposta, ele mandou uma carinha piscando o olho. Só então percebi que Sofia estava sentada em cima da minha cama, devorando um prato de pãezinhos de queijo e tomando café. Seus cabelos estavam presos em um coque parecendo um abacaxi de tão alto e cheio.

— Era ele? — Perguntou com os olhos curiosos.

—Sim, me chamou para ir no shopping amanhã. —Respondi.

— Olha eeeela! Vai ter um encontro amanhã com um homem lindo, hihihihi. — Ela disse dando uma das suas risadas esquisitas.

— Espero que seja o primeiro e último, não sei onde estava com a cabeça quando aceitei esse desafio. — Falei, enquanto soltava uma lufada de ar.

— Está com medo de perder é? Iiiiiiiiiii. — Disse ela me provocando.

— Não é isso, sua tonta. Só não sei se tenho paciência o suficiente para aturá-lo durante um mês. — Falei revirando os olhos.

O restante do dia passou normal e na manhã seguinte, acordei com Sofia derrubando alguma coisa na cozinha. Peguei o celular e vi que já era 8:30hs da manhã. Levantei e fui direto dar início aos preparativos para o encontro.

Não era porque eu não queria me envolver com Ian, que eu ia chegar parecendo uma gata borralheira. Meus cachos estavam precisando de uma boa matizada, o loiro estava um pouco amarelado e sem vida. Desde que eu tinha voltado a ser loira, e resolvi deixar o meu cabelo crescer, os fins de semana eram dedicados a essa belezura cara e trabalhosa.

Aproveitei o tempo de ação do creme e fiz uma máscara facial com café e mel, Sofia aproveitou e cuidou da pele também.

Às 13:00hs comecei me arrumar. Escolhi um vestido tubinho azul marinho que ficava um pouco acima dos joelhos, uma blusa de mangas compridas feita de um jeans azul claro bem molinho, e nos pés, uma Anabela de um tom nude rosado, a bolsa lateral caramelo de couro fake, e na maquiagem, optei por tons de marrom neutro e liptint vermelho.

Cheguei as 14:50hs no estacionamento e quando saí do carro lá estava ele, me esperando. Levei um susto. Se de noite, com umas cervejas na cabeça, eu já o achei bonito, de dia e completamente sóbria, eu tive certeza.

Ian estava usando uma calça jeans de lavagem azul clara, tênis branco e camiseta branca. Ele me reconheceu de longe, e desde o momento que me viu, não desviou o olhar e nem tirou o seu sedutor sorriso dos lábios, me deixando um pouco constrangida.

Seus olhos eram de um azul acinzentado que nunca vi antes. o cabelo liso, de tom castanho claro e levemente loiro nas pontas, estava mais bagunçado do que no dia anterior, lhe dando um ar descontraído e o tornando ainda mais gato. Quando cheguei perto, senti o seu perfume, uma mistura de notas doces e amadeiradas. O meu tipo preferido, cacete!

Ian se curvou, pegou minha mão direita e beijou de forma cortês. Levantou os olhos antes de tirar os lábios dela e disse:

— A senhorita está muito encantadora hoje.

Eu não sabia qual era a intenção dele, mas naquele momento decidi entrar na brincadeira. assim que ele soltou a minha mão, levantei levemente as laterais do vestido e fiz uma pequena mesura:

— São seus olhos, cavalheiro.

Ele gostou, e como resposta, deu um lindo sorriso. Meu Deus, que homem de sorriso lindo é esse? — Questionei internamente enquanto o acompanhava para dentro do shopping. Ian é um homem bem alto, deve ter entre 1,80 a 1,85 pois tenho 1,65 e mesmo de salto, fico abaixo do ombro dele.

Quando chegamos na praça de alimentação, Ian perguntou o que eu gostaria de comer. Pensei um pouco e escolhi tomar apenas um sorvete. Depois que pedimos, sentamos e começamos a conversar.

—  Então... Me fala um pouco sobre você. — Ian pediu, olhando de forma curiosa, enquanto colocava um pouco de sorvete na boca.

— Sou professora de Português, do ensino fundamental II e ensino médio. Ah! E moro com minha irmã. — Falei como se só isso bastasse.

— Só isso? Para uma professora você é bem sucinta nas palavras. — Ele disse com desdém.

Eu poderia ter falado mais sobre mim, mas a intenção era ser bem chata mesmo, para que ele decidisse logo me deixar em paz. Como eu não perguntei nada, ele deu início a um monólogo:

— Meu nome como você sabe é Ian, e tenho 31 anos. Cresci aqui na cidade, porém, com 12 anos fui para São Paulo e desde então morei lá e só voltei agora. Sou chocólatra, e gosto muito de sorvete também. Ah! Não acho que açaí tem gosto de terra e não acredito que a terra é plana.

Nesse momento eu ri. Ele falava usando o mesmo tom que usei antes, e pelo jeito, me fazer rir era exatamente o que queria. Conversamos um pouco mais, ele perguntou como é ser professora e eu, como é ser engenheiro. Terminamos o sorvete e saímos andando pelo shopping, enquanto ele contava sobre ter uma irmã mais nova e um irmão mais velho.  Até que nos aproximamos de uma loja, que me fez suspirar somente por ter a palavra livraria em seu nome.

— Ah, uma livraria! Preciso entrar. ­— Gritei.

Deixei Ian falando sozinho, e assim que entrei, dei de cara com uma seção de livros de Jane Austin. Não me aguentei, quando percebi, eu já tinha dado meus pulinhos e gritinhos de empolgação. De 30, passei a ter 5 anos.

Continuei a andar pela livraria e encontrei uma seção de clássicos. Dentre os livros expostos, tinham os de: Eça de Queirós, Machado de Assis, Victor Hugo e Júlio Verne. Mais pulinhos, gritinhos e conversas com os livros.

Sim, eu converso com os livros. Coisas do tipo: nossa como você é lindo! Não acredito que tem você aqui! Você é maravilhoso!

De repente, noto uma presença bem próxima a mim, lembro de Ian e me viro morrendo de vergonha para pedir desculpa.

Ele estava tentando esconder que estava rindo, tampando a boca com a mão. Mas ao ver a minha cara de confusão e vergonha, não conseguiu segurar mais e riu descaradamente. Meu primeiro pensamento foi ficar irritada, ou pelo menos fingir e ir embora, era uma maneira fácil de me livrar dele; porém, sua risada era tão gostosa de se ouvir, tão espontânea e sincera, que acabei dando um sorriso sem graça e pedindo desculpas. Depois de ter se controlado, ele disse com um leve tom de sermão:

— Isso é maravilhoso! Eu sabia que você estava sendo chata de propósito, essa que é a verdadeira Elisa. Não me peça desculpa por agir tão fofa em uma livraria, mas sim, por tentar me enganar e fingir ser uma pessoa que você não é. Durante todo o momento que eu estiver com você, serei totalmente sincero e espero que você também seja comigo, dessa maneira, a vitória de um ou de outro será justa.

Ah, verdade! A aposta.

Eu não esperava essa reação dele, e pensei que poderia estar conseguindo o enganar de fato, afinal, eu tinha sido rude com ele na sexta à noite e mesmo assim não adiantou.

Continuei o meu tour pela livraria. Cheguei em uma parte onde tinha várias corujas de decoração de tamanhos, cores e espécies diferentes. Cada uma era mais linda que a outra e fiquei fascinada com elas. Desde pequena, gosto de corujas, não sei explicar o porquê, só sei que gosto. Ignorei a presença de Ian e fiquei admirando cada uma delas:

— Você gosta de corujas? — Ele perguntou.

—Sim. Desde pequena é o meu animal preferido. — Respondi.

— Também gosto delas, parecem ser tão sábias. — Ele comentou.

Apenas concordei com a cabeça. Saímos de lá e quando vi já era 17:00 horas. Tinha marcado de ir jantar com meus pais e meu irmão mais novo, então liguei para Sofia e perguntei se ela já estava pronta. Enquanto eu falava com ela, Ian me pediu licença e disse que tinha que ir em um lugar. Minha irmã muito curiosa, não se aguentou e começou a me fazer mil perguntas. Apenas respondi que a ideia de deixa-lo irritado comigo não deu certo, e que quando eu chegasse em casa contaria tudo para ela.

Poucos momentos depois, ele voltou com uma sacola na mão. Informei que eu já tinha que ir, pois marquei um jantar em família. Ian pareceu um pouco triste com a notícia, mas não dei muito bola, eu com certeza, estava vendo coisas. Ele então se dispôs a me acompanhar até o carro, mesmo eu protestando. Me despedi, e antes que eu entrasse, ele me deu a sacola dizendo:

— Comprei esse presente para você.

— Nossa, obrigada, não precisava. — Fiquei surpresa ao receber tal presente.

Ao abrir, encontrei uma corujinha linda, a mais diferente das que estavam em exposição na livraria. Era pequena, vermelha e delicada. Antes que eu dissesse algo ele falou:

— Acho que ela combina com você, ambas são únicas e impressionantes. Além disso, também pretendo te dar uma lição: há homens bonitos que sabem reconhecer que entre milhares de mulheres, existe aquela que é a especial, e escolhe esperar por ela.

Tentei rebater o que ele disse, mas seu olhar era tão intenso, que acabou me deixando ainda mais sem jeito. Agradeci novamente e entrei no carro. Há muito tempo um homem não me deixava vermelha daquela forma.

Passei em casa, peguei minha irmã e no caminho para a casa dos nossos pais fui contando para ela o que tinha acontecido.

— Hihihihihihi. Acho que ele se apaixonou por você! Disse ela se acabando de dar risada.

— Claro que não Sofia! Ele pode estar um pouco impressionado por eu não ter caído aos pés dele. Respondi.

Depois do jantar, chegamos em casa às 21:00hs. Assim que olhei o celular, tinha uma mensagem dele:

Como foi o jantar em família? Chegou bem em casa? Espero que tenha gostado do nosso encontro hoje. Ah, desculpa por ter dado tanta risada, foi inevitável.

Respondi que estava tudo bem, e que o nosso encontro tinha sido legal. Só não contei que foi o melhor que eu tive há muito tempo, e que ao guardar a corujinha, lembrei da maneira de como ele me olhou e senti uma reviravolta no estômago. Mas ignorei, afinal, tínhamos uma aposta e depois de um mês era cada um para o seu lado, e a lembrança daquele encontro seria apenas aquela corujinha.

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