Capítulo 73Nove horas depois, Patrícia desceu na rodoviária de Belo Horizonte, Minas Gerais. O corpo doía pela longa viagem, e o cansaço pesava, mas não tanto quanto a angústia que morava em seu peito.Ela entrou no terminal quase em silêncio, seguindo direto para o banheiro. Precisava lavar o rosto, respirar. Mesmo sem fome, sabia que precisava comer algo, não por ela, mas pelos pequenos coraçõezinhos que batiam dentro de si.Diante do espelho, jogou água no rosto, respirou fundo e apoiou as duas mãos na pia. Os olhos estavam inchados. O ultrassom vinha à sua mente como um sopro agridoce… os dois pequenos pontos piscando na tela. Gêmeos. Lembrou de Letícia, jurando não contar a Augusto. Ela queria ter dito. Queria que ele soubesse por ela. Mas agora… agora tudo parecia tão distante.Levantou o olhar e tocou com delicadeza a própria barriga.— Eu vou cuidar de vocês dois. Não se preocupem. Mamãe não tem preguiça de trabalhar. Vou dar tudo o que eu puder… tudo mesmo.Usou o banheiro c
Capítulo 74Augusto olhou para o relógio. Eram 5h32. O coração batia com força, acelerado, quase saltando do peito. O ônibus estava previsto para chegar às 5h35. Ele já tinha andado de um lado para o outro da rodoviária tantas vezes que os seguranças nem o olhavam mais com estranheza. O olhar dele era de quem esperava por tudo… e por alguém.Quando viu o ônibus se aproximando na plataforma, o corpo inteiro congelou por um segundo. As luzes frontais cortaram o ar úmido da manhã e o som da frenagem pareceu ecoar direto em sua alma. Ele caminhou até o veículo, os olhos fixos nas portas que se abriram com um estalo.Um a um, os passageiros começaram a descer. Um senhor com uma mala vermelha, uma moça jovem com fones de ouvido, uma família com uma criança no colo... Mas Patrícia não estava entre eles.A garganta de Augusto secou. Ele esperou até o último passageiro pisar no chão da rodoviária antes de se aproximar do motorista, visivelmente aflito.— Faltou alguém descer — disse, a voz car
Capítulo 75Augusto via a paisagem passar pela janela do jatinho particular, mas seus pensamentos estavam a quilômetros dali. Assim que embarcou de volta para São Paulo, abriu o novo celular, agora com seu número antigo reativado. A primeira coisa que fez foi escrever para Patrícia."Patrícia, por favor, me responde. Onde você está?"Esperou alguns minutos. Nenhuma resposta. Tentou novamente."Preciso ouvir sua voz, saber que você está bem..."Mais silêncio.Com os olhos fixos na tela, digitou mais uma."Pelo amor de Deus, preciso saber se vocês estão."O coração dele batia apertado no peito. A dor da ausência de Patrícia parecia crescer a cada quilômetro que o levava de volta para casa, uma casa que já não fazia mais sentido sem ela.Ele tentou ligar."Este número não está aceitando chamadas no momento."Tentou novamente. A mesma mensagem fria e automática.Augusto deixou o celular escorregar das mãos, sentindo uma mistura de frustração, raiva e desespero. Passou as mãos pelos cabelo
Capítulo 76Augusto desceu lentamente até a garagem. Os passos ecoavam no chão frio, como se o silêncio quisesse dizer algo. Seus olhos percorreram os carros alinhados, mas pararam no último da fileira, o carro que ele havia dado de presente para Patrícia.Ficou imóvel por alguns segundos, encarando o veículo como se esperasse que ela aparecesse ali, sentada no banco do passageiro, com aquele sorriso tímido e os olhos que sempre pareciam guardar segredos.O motorista, que fazia a revisão dos veículos, conferindo óleo e nível da água, parou o que fazia ao notar a presença do patrão. Observou de longe, respeitando o silêncio dele.Augusto olhou para o veículo do lado, se aproximou devagar, passou os dedos pela lataria até chegar ao farol quebrado. Ficou ali, parado, lembrando de tudo o que ela havia contado Sobre o motorista que a fechou no farol vermelho.Abriu a porta e entrou, como se buscasse refúgio em algo familiar. Ao sentar, fechou os olhos por um instante. O cheiro dela ainda e
Capítulo 77Quase um mês havia se passado e Augusto estava à beira de um colapso. Entrou como um furacão na sala do filho, os olhos em chamas.— O seu detetive deve estar hibernando para ainda não ter encontrado a Patrícia!Rafael ergueu as sobrancelhas, tentando manter a calma diante da fúria do pai.— Calma, pai...— Calma? — Augusto repetiu com uma risada amarga. — Eu estou possesso!— Vou ligar pra ele agora, pressionar. Talvez ele tenha algo...— Não, Rafael. Contrata outro. Alguém competente. Eu quero respostas para ontem!— Claro, pai. Eu resolvo isso.Sem esperar mais nada, Augusto virou as costas e saiu da sala com a mesma intensidade com que entrou. A porta bateu atrás dele, ecoando pela sala. No elevador, apertou o botão do térreo e olhou para o relógio, os ponteiros parecendo zombar de sua ansiedade.Assim que as portas do elevador se abriram, ele caminhou apressado pelo saguão da empresa. Foi então que a viu. Estela. Estava parada ali, nervosa, e o olhou com raiva nos olh
Capítulo 78Naquele mesmo dia, Patrícia estava sentada na sala de espera do consultório médico. Uma das mãos descansava sobre a barriga ainda discreta, mas que para ela já era o maior símbolo de amor. Seus olhos brilhavam e um leve sorriso permanecia em seus lábios. Mais cedo, ela havia conversado com o prefeito da cidade e, mesmo grávida, conseguiu um emprego como enfermeira. A notícia lhe trouxe alívio. Estava reconstruindo sua vida, aos poucos, com esforço e dignidade.— Patrícia Moreira? — chamou a recepcionista com simpatia.Ela se levantou com calma, enxugando discretamente os olhos úmidos, não de tristeza, mas de felicidade. Sorriu, ajeitou os cabelos e seguiu para o consultório com passos leves.Enquanto isso, em outro canto da cidade, o detetive contratado por Rafael batia a caneta na mesa com impaciência. Estava à beira de um ataque de nervos. Há semanas investigando, cruzando informações, vasculhando cadastros e nada. Patrícia parecia ter evaporado.— Mas isso não faz senti
Capítulo 79Augusto chegou ao aeroporto como um raio, a mala de mão balançando enquanto atravessava o saguão em passos largos. Seu coração batia no ritmo da pressa e da esperança. Ele não podia perder mais tempo, não agora que sabia onde ela estava.Subiu direto para o hangar particular, onde seu jatinho já o aguardava com os motores preparados. Assim que entrou, jogou o casaco no assento e se acomodou, ansioso. Olhou pela janela e bufou impaciente, os raios cortavam o céu como chicotes de fogo e a chuva batia forte contra a fuselagem.Pouco depois, o piloto entrou na cabine e se aproximou com uma expressão tensa.— Senhor Augusto... infelizmente, não podemos decolar agora. A tempestade está muito forte, a torre não liberou nenhum voo.Augusto se levantou de súbito, os olhos faiscando.— Eu não saio desse avião. — Sua voz era firme, determinada. — Só coloco os pés fora quando estivermos em solo mineiro. Entendeu?O piloto hesitou, mas assentiu em silêncio antes de voltar à cabine.Aug
Capítulo 80— Patrícia... — Augusto finalmente murmurou, a voz rouca, embargada pela emoção. — Eu te achei...Ela ainda estava paralisada. Seus olhos, arregalados, enchiam-se de lágrimas que não conseguiam cair. O mundo girava devagar enquanto seu coração martelava no peito. O tempo parecia brincar com eles, como se ambos estivessem presos em um instante eterno.Ele deu um passo. Depois outro. E mais um. Patrícia recuou instintivamente, ainda sem acreditar que aquilo era real. Sentia-se como se estivesse sonhando.— O que você está fazendo aqui? — perguntou, com a voz baixa, tremida.— Procurando você. Todos os dias. Em cada canto. Em cada rosto. — Ele parou, próximo o bastante para sentir o cheiro suave do hidratante que ela usava. — Não teve um só momento em que eu tenha desistido.Patrícia engoliu em seco, sua respiração oscilando.— E por quê? Por que me procurar depois de tudo? — Seus olhos se encheram de dor.Ele se aproximou mais um pouco.— Eu te perdi. E desde aquele dia... n