ValerieO silêncio daquela casa era diferente de qualquer outro. Não era o silêncio da paz, mas o da tensão contida. Um silêncio que gritava, mesmo sem emitir som. Valerie estava acostumada a ele. Tão acostumada que, por anos, acreditou que era o som da vida comum. Mas nos últimos dias, depois da fuga de Giulia, aquele silêncio passou a ser insuportável.Estava sentada na poltrona perto da janela, observando o céu de um cinza opaco, como se o próprio tempo conspirasse com a angústia que a dominava. Na mesa ao lado, o copo de água deixado pelo marido aguardava, como todas as noites.Ela o ignorou. Levantou-se, pegou o copo e caminhou até a planta no canto da sala. Derramou o conteúdo lentamente.As folhas, outrora vibrantes, estavam murchas. Algumas tinham manchas marrons nas bordas. A terra parecia seca, mas era a planta que estava sendo consumida por dentro.— Ele está me matando… — sussurrou para si mesma, sentindo os olhos encherem de lágrimas.As peças estavam se encaixando. A
A música ecoava suavemente pelos salões de mármore, misturando-se ao tilintar de taças de cristal e ao murmúrio de vozes importantes. Giulia descia os degraus da grande escadaria da mansão com a leveza de uma deusa vestida de sangue. O vestido vermelho longo abraçava suas curvas com perfeição e fluía como um rio de seda a cada passo. O colar de brilhantes cintilava sob a luz dourada dos lustres e seu coque elegante, levemente despenteado por propósito, realçava a suavidade de seu rosto e o tom intenso do batom vermelho.Havia algo de diferente naquela noite. Não era apenas a presença da alta cúpula da máfia internacional reunida naquele salão imponente. Era o modo como os olhos se voltavam para ela — não com luxúria ou escárnio, mas com uma admiração contida. Giulia não parecia estar se esforçando para impressionar. Ela simplesmente era. Um furacão de leveza, força e beleza.As mulheres a encaravam com um misto de surpresa e respeito. Algumas, esposas de mafiosos, sorriam em aprovação
Enrico e Carlo O salão da mansão Bianchi exalava poder e sofisticação. Tapetes orientais encobriam o mármore frio, candelabros de cristal lançavam luzes suaves sobre as mesas bem-postas, e um quarteto de cordas preenchia o ambiente com uma melodia clássica. As taças tilintavam, os risos eram baixos e comedidos. Tudo ali era calculado, controlado — exceto ela. Giulia era a única peça fora do tabuleiro costumeiro. Usava um vestido vermelho justo, mas elegante, que abraçava suas curvas com discrição e classe. Seu cabelo estava preso em um coque delicado, alguns fios soltos moldando o rosto. Ela estava encantadora, mas era visível o desconforto em seus olhos, como se soubesse que aquele mundo não era, ainda, o seu. Ainda assim, sustentava o olhar de todos com dignidade. Enrico, ao seu lado, exalava domínio. Um terno preto sob medida, um broche com o brasão da família preso discretamente na lapela. Ele a apresentava com orgulho — sua noiva. A mulher que ele escolhera não apenas para div
EnricoEnrico saiu de dentro do quarto, deixando Giulia completamente relaxada sobre a cama. Ainda a madrugada escurecia o dia, mas ele não podia mais adiar as coisas, a sensação de ansiedade apertava seu peito, mas ele gostava, já tinha sentido isso antes...Foi para o seu escritório Enrico discou no telefone criptografado. O toque soou apenas uma vez antes de ser atendido.— Fala. — A voz de Guilhermo veio firme, ainda que baixa. Sempre alerta, mesmo no meio da madrugada.— Prepare tudo. O casamento vai acontecer. Ainda este mês.Um silêncio carregado caiu do outro lado da linha. Quando Guilhermo respondeu, sua voz trazia algo entre preocupação e lealdade.— Você tem certeza disso?— Tenho. — Enrico apoiou o cotovelo no braço da poltrona, encarando a escuridão além da janela. — Não é mais sobre o velho, ou sobre orgulho. É sobre ela. Quero Giulia perto. Por inteiro. Quero que todos saibam que ela me pertence... e que eu pertenço a ela.— E você acha que isso vai protegê-la ou coloc
O herdeiroMeu nome é Enrico, sou o próximo Don da família Grecco, tenho 27 anos e essa é a história da minha vida, de como eu virei capo e como foi tudo até aqui. Na verdade, minha história não foi muito diferente dos outros herdeiros da máfia, mas eu sempre quis que fosse. Assim eu não ia experimentar esse sofrimento que carrego dentro do peito. Como um doce dado para uma criança e arrancado logo em seguida. Só que junto com o doce, tinha meu coração arrancado dentro do peito e vivia ou sobrevivia quebrado. Dizem que o sofrimento transforma as pessoas, faz com que elas deixem de acreditar nas coisas do alto e só olhem para o próprio umbigo, que elas deixem de ter esperança, de sonhar. Eu nunca almejei herdar o trono do meu pai, mas como primogênito, não teve outro jeito. Só se sai da máfia morto, e eu preferia viver fingindo que estava tudo bem e sem exercer meu verdadeiro propósito, além de conviver com o vazio do luto, do que perder a vida.Sempre invejei o meu irmão Giancarlo, e
GIULIAMeu nome é GIULIA, tenho vinte e um anos, morena da cor do pecado, com olhos castanhos claros e cabelos cheios com ondas e encaracolados. Muito abençoada pelo cara lá de cima e hoje eu vou contar como o meu conto de fadas virou meu pesadelo pessoal de um dia para o outro. Eu cresci achando que o mundo era meu, que eu podia fazer qualquer coisa que eu quisesse, e nem precisava me esforçar para isso. Meus pais sempre me deixaram viver assim, tendo tudo na minha mão, no topo do mundo, ainda mais sendo filha única e mais ainda fazendo parte de uma família importante da Itália.Meu pai sempre disse ser um empresário bem-sucedido e que eu não precisava me preocupar com nada a não ser comigo. Eu vivi nessa ilusão até acabar a minha faculdade, o curso que eu escolhi com tanto carinho e que achava mesmo que ia seguir na minha carreira, abrir meu próprio negócio. A minha vida era resumida em tecido e linha, analisar as mulheres, os panos que as cobriam e imaginar o quanto eu podia melh
Giulia De repente, sinto as minhas mãos molhadas e olho para baixo e acabo percebendo que, o aperto que eu fazia questão de dar na mão do tal homem, chegou até mesmo a arrancar um pouco de sangue, por causa do detalhe que eu tinha no meu anel, como se um pingente com a lateral cortanteGIULIA - MEU DEUS, DESCULPA! NÃO SABIA QUE ESTAVA TE APERTANDO ASSIM TANTO.ENRICO - Anda, vamos voltar para dentro.GIULIA - Para dentro? Mas nós não estamos dentro do hotel?Agora, neste momento, percebo que posso ter fugido para um futuro desconhecido. Olho sem entender para o homem, sombrio à minha frente, no meu coração, acredito que ele é o meu cavaleiro de armadura brilhante, mas também não sei no que me estou prestes a me meter e isso também é assustador.Enrico: - Temos de voltar para Itália, onde eu mando e posso te manter em segurança.Giulia - Não, Itália não, o meu pai e este meu... como posso dizer, ex noivo, vivem lá. Eles podem me pegar, o meu pai tem dinheiro e ontem, me disse que está
EnricoFoi como se eu tivesse visto a Patrízia naquela mulher, não sei explicar porquê, mas foi exatamente isso que sentiEla era frágil, estava assustada, com um casamento que nunca lhe tinha passado pela cabeça e, no entanto, tinha a coragem de enfrentar o mundo simplesmente para seguir o seu coração Sim . . . Como acontecia quando eu estava com a minha Patrizia, como senti naquela noite, vendo a mulher que viria a ser minha esposa, ser torturada pelo meu pior inimigo, com o olho inchado, roxo de tanto levar pancada, ser humilhada, à mercê daquele desgraçado. Assim como me transformei num monstro e arranquei a traqueia dele com as minhas próprias mãos, fui atrás do covarde que se atreveu a olhar para aquela mulher como se fosse a sua presa. Ordenei ao Guilhermo que a levasse para o meu carro, o que ela fez contra a sua vontade, afinal, não nos conhecíamos, mas o medo fez com que ela concordasse quase que de imediato, depois eu me encontrei novamente com ela, depois de ter dado o m