Cap 2

GIULIA

Meu nome é GIULIA, tenho vinte e um anos, morena da cor do pecado, com olhos castanhos claros e cabelos cheios com ondas e encaracolados. Muito abençoada pelo cara lá de cima e hoje eu vou contar como o meu conto de fadas virou meu pesadelo pessoal de um dia para o outro.

Eu cresci achando que o mundo era meu, que eu podia fazer qualquer coisa que eu quisesse, e nem precisava me esforçar para isso. Meus pais sempre me deixaram viver assim, tendo tudo na minha mão, no topo do mundo, ainda mais sendo filha única e mais ainda fazendo parte de uma família importante da Itália.

Meu pai sempre disse ser um empresário bem-sucedido e que eu não precisava me preocupar com nada a não ser comigo.

Eu vivi nessa ilusão até acabar a minha faculdade, o curso que eu escolhi com tanto carinho e que achava mesmo que ia seguir na minha carreira, abrir meu próprio negócio.

A minha vida era resumida em tecido e linha, analisar as mulheres, os panos que as cobriam e imaginar o quanto eu podia melhorar aquilo e brilhar nas passarelas. As roupas que eu podia inventar, que eu era capaz de valorizar a silhueta de cada uma delas só com a minha criatividade.

Por isso o curso de moda em Paris, no berço da moda. Eu queria mudar o mundo com as minhas criações, com o meu jogo de cores costurados em forma de roupa. E eu estava feliz, ansiosa pela minha formatura, vivendo aquele momento na maior intensidade porque era isso que eu queria, eu planejava em acabar aquela coisa formal e percorrer o mundo estudando, mudando-o, ressignificando as passarelas e as ruas.

Mas naquela mesma noite, num dia quente de final de mês de julho que eu também recebi a notícia que me faria descobrir que o mundo não era aquele conto de fadas que eu acreditava.

A sensação que eu tinha era que um dia, eu dormi sendo a princesinha do papai e no outro, acordei sendo a prometida de um mafioso de meia idade, sanguinário sem escrúpulos ou coração, com a fama de destruir qualquer vida que se aproxime dele, inclusive a de mulheres que passam na sua cama.

Só estavam brincando com a minha vida, fingindo que eu poderia ser livre, mas não, eu era prometida a um mafioso.

Eles só estavam esperando chegar à data prometida para que eu me tornasse apenas a senhora Damasceno, mulher da máfia, aqueles bibelôs que eles usam para exposição. Que sabia se comportar na sociedade, organizar eventos, deixar o sobrenome cada vez mais forte, garantir poder e acima de tudo, não deixar a família que me criou desamparada.

O meu casamento já estava marcado e da máfia só se sai morto, isso eu já tinha lido nos livros e visto nos filmes, também não existia divórcio. Ali eu entendi o porquê eu não podia sair como minhas amigas, não podia ir às confraternizações da turma e quando precisava sair para qualquer coisa, sempre tinham sombras e seguranças atrás de mim. Eu não era apenas a filha de um empresário bem-sucedido, meu pai era da máfia.

A princípio eu tentei procurar um motivo, uma razão coerente, tentei descobrir se aquela atitude era uma reação desesperada da minha família por conta de uma falência repentina ou qualquer atitude em um momento de desespero que pudesse ser explicável, mas não, a situação não era essa.

Vinte e um anos, essa é a minha idade, e o tempo em que esse compromisso foi marcado, enquanto estava no ventre da minha mãe, sem entender de nada, sem saber que a minha família se importava mais com a máfia do que com felicidade da única filha.

GIULIA - Mas eu acabei de me formar, eu quero viver a minha vida, trabalhar, tudo o que eu planejei, papai, por Deus ele me dá calafrios

FRANCESCO - Você não nasceu para isso. Você agora vai ser uma Damasceno, só o seu nome importa e tudo o que essa união vai trazer para nós

GIULIA - O senhor não entende, nós não estamos falando de uma simples família, daquelas que vocês chamam de alta sociedade, que o único defeito é não fazer cerimônia em transmitir o gene de insuportável de pai para filho, estamos falando da máfia, papai? O senhor não entende? Um ciclo onde não sei onde começa e muito menos, onde termina. Como eu vou sair disso? Eu vou me divorciar se for infeliz? Isso não importa? E se ele for tão cruel comigo como são os boatos? Eu não quero ser reduzida à pó por uma união que eu não desejo. Eu não nasci nesse mundo e não vou entrar.

FRANCESCO - Olha bem para minha cara Giulia, vê se eu estou mesmo me importando com isso. Eu quis fazer esse acordo considerando toda a nossa história e o que estamos ganhando com tudo isso. Você é minha filha, aquela a quem eu me dediquei mais de vinte anos da minha vida e agora, a única coisa que eu lhe peço, você me nega? Eu te criei a pão de ló, como a princesinha do papai, a deusa da casa e das nossas vidas, te dei tudo o que que podia e mais, até algumas coisas que não podia. O seu casamento foi pensado desde quando você ainda estava na barriga, eu sonhei em te ver casada com o herdeiro dos Damasceno e você não vai me tirar o que almejei a minha vida inteira. Nada mais justo que você me retribua, não é mesmo? Se você se sentir infeliz, simplesmente abra as pernas, feche olhos e ainda mais, a boca, você vai conseguir absolutamente tudo o que quiser, com esse presentinho bem fechadinho que você tem no meio das pernas, pode colocar o mundo aos seus pés

GIULIA - Retribuição? É sério? Isso não é retribuição papai, é uma forma de acabar com a minha vida. Eu não quero me casar com ele e não vou fazer essa loucura e o que o senhor quer dizer com “o presentinho bem fechadinho que eu tenho no meio das pernas?”, eu nunca achei que o senhor poderia agir como um louco

FRANCESCO - Você não tem que querer, o casamento está marcado para o próximo mês e já está tudo preparado, vestido, cardápio, decoração, tudo. Não se atreva a achar que você tem escolha porque você não tem. Eu não vou hesitar em te fazer pagar se você quiser fazer graça. Escuta bem Giulia, eu mando e você obedece e nada mais. É melhor você não me testar.

No meio daquela discussão eu parei para pensar, acho que eu não sabia o que era decepção até aquele momento.

O tom de voz do meu pai, o jeito que ele me dizia cada palavra, a expressão de raiva no seu rosto, tudo aquilo me mostrou que a minha vida foi toda uma mentira, como se eu fosse uma boneca vivendo em sua casa de brinquedos, que tudo tinha um objetivo, cada presente, cada carinho, cada sorriso, cada cafuné na minha cabeça, tinha o objetivo de me deixar parada, como uma boa menina só esperando esse dia chegar.

O meu mundo foi destruído naquele dia pelo meu pai que não era só a melhor pessoa para mim, ele era o meu exemplo do que eu queria quando fosse formar uma família, o exemplo do tipo de homem que iria aceitar para ficar do meu lado, ele era meu herói e com certeza, eu nunca aceitaria qualquer homem que fosse menos do que aquele grande homem que tinha me ensinado a dar os meus primeiros passos, a me levantar quando alguma coisa me fazia cair, a limpar as minhas lágrimas e tentar de novo quando eu pensava em desistir, só que ali, na minha frente, toda a imagem que eu tinha formado de pai tinha sumido, eu não tinha mais aquele meu exemplo de cuidado e amor.

O que ele não contava, o pequeno detalhe, era que eu poderia me tornar a pedra no sapato colocado dele. Infelizmente, para ele, eu era aquela menininha boba que aceitava os gritos e ficava quieta.

Eu podia até ficar, mas era só para esconder as palavras e demonstrar nas ações. Se tinha uma coisa que meus pais tinham me ensinado, era analisar toda a situação, pensar friamente, mesmo que doesse, só para tomar à atitude que me favorecesse a mim e a ninguém mais. Era uma das características do meu ser mimado e eles nem podiam reclamar disso, já que sou a cobra criada por eles mesmo.

Nunca que eu ia aceitar me casar daquela forma, nunca que eu ia aceitar me diminuir desse jeito só para manter o status da minha família, eu preferia fazer uma loucura. E fiz, quando no meio da noite eu peguei não só o meu dinheiro de uma mesada que nunca precisou ser gasta, mas todas as joias que ganhei sem motivo nenhum e que sabia que tinha algum valor, arrumei as minhas malas, coloquei uma roupa que me desvalorizava totalmente e parti sem rumo, para qualquer lugar que não me fizesse lembrar da minha vida, qualquer um.

Eu nem sei como, consegui desviar de todos os seguranças, mas consegui chegar no aeroporto e era isso mesmo que eu queria, na minha ideia, sem muita prática de fuga, achei que seria mais difícil que meu pai achasse o meu nome nos voos particulares.

Eu até que me lembro do carinha no guichê me pedir confirmação sobre o meu destino “Colle Del Lys”, mas é só isso mesmo, depois, a imagem que eu tenho na mente se reduzia a entrar no carro, me sentar na janela, descansar a minha cabeça no vidro e tentar esconder as minhas lágrimas.

O motorista não me fez nenhuma pergunta, aliás, me olhava uma vez ou outra pelo retrovisor, mas até isso evitava. Eu apenas segui o meu caminho, aquele que se distanciava ao máximo do homem desprezível que meu pai escolheu para me prender como esposa

Cheguei no hotel, fiz o check- in, subi ao meu quarto, para deixar minha pouca bagagem e me direcionei até o bar. Sinceramente, única coisa que pensei no momento foi em tomar um Martini ou vários e tentar esquecer a catástrofe em que minha vida se tornou

Não percebi o momento em que as lágrimas começaram a rolar pelo meu rosto e nem quando eu cedi, ainda mais, ao desespero, abaixei minha cabeção no balcão e tentei contei os meus soluços. Eu realmente não via solução, a única coisa que se passava na minha cabeça era que eu deveria continuar a seguir o meu caminho, torcendo para não ser encontrada, mas naquele momento eu apenas cedi, só isso

Enrico – Algum problema?

Eu não tinha reparado em sua presença, o meu desespero era, para mim, mais interessante. Estranhamente, não levantei a minha cabeça para analisar a voz grossa que se dirigia a mim, mas me senti segura o suficiente para contar a minha situação

Giulia – Bem? Não, não está nada bem, ao menos que você ache que ser escrava de um velho para o resto da vida signifique estar bem

Silêncio . . . A voz silenciou, foi por isso que me obriguei a levantar a cabeça e encontrar uma figura imponente, escura e intensa, bem a minha frente, procurando me decifrar, procurando verdade em mim, mas em silêncio

Giulia – Desculpa, eu nem te conheço, não deveria jogar em cima de você a minha frustração

Enrico – Pelo que eu entendi, você está fugindo, eu gostaria de saber do que

Giulia – De um . . .

Eu não consegui segurar o meu choro, ali, percebi que tudo o que eu conhecia como meu mundo, simplesmente não existia mais. Eu sempre fui tão forte, tão determinada, mas me vi sem chão naquele momento, perdida, tanto que não vi problema em confiar em um desconhecido

Giulia – Eu estou fugindo do inferno

Foi o tempo de eu terminar de falar, apenas isso é, o inferno que eu estava fugindo, me encontrou

Victorio – Ora ora ora, e tão quer dizer que, eu viro as costas por umas poucas horas e a minha querida noiva decide se oferecer para o primeiro gigolô que aparece

Inconscientemente, eu segurei firme as mãos do homem que há alguns minutos conversava comigo. Meu susto foi tamanho que não percebi o momento em que cravei minhas unhas em suas mãos, em completo desespero. Aquele pedido também foi inconsciente, eu não sabia o que fazer

Giulia – Por favor, não deixe que ele me leve, eu te imploro . . .

Nenhum resposta veio dos seus lábios, ele apenas continuou da mesma forma, sentado em uma banqueta, na beira do bar

Seus olhos continuavam sombrios

Victorio – Eu não vou falar duas vezes, Giulia, então, levante-se e venha comigo

Minhas unhas entraram ainda mais na pele daquele desconhecido, que não moveu um ao músculo em reclamação, ao invés disso, colocou o verme que se atrevia a se passar como meu noivo, em seu devido lugar

Enrico – Guilhermo, dê um jeito nesse maldito, e garanta que ele não se atreva mais a me dirigir a palavra dessa forma, nem mesmo a essa moça

Victorio – Como? Quem você pensa que é para falar assim comigo?

Enrico – Para você não saber quem eu sou, então não deve ser ninguém. Guilhermo, não vou falar duas vezes

Os olhos do Victorio me fulminar, acredito que, se existisse o poder de morte pelo olhar, minha família estaria tendo que preparar o meu velório

Victorio – Giulia, eu vou te avisar uma única vez, então escute com atenção

Eu percebi que o homem respirou fundo, tentando se segurar no lugar e não ir ao encontro a mim e me a força, pelo pescoço, como se eu fosse um cachorro que deve ser adestrado

Victorio – Pelo amor de Deus, não faça a besteira de não me acompanhar

Eu não me mexi, não sei se por não acreditar no que estava acontecendo, por medo ou por uma segurança inexplicável em um homem, que ainda estava do meu lado, mas que eu mal conhecia

Victorio – Sua vagabunda, eu . . .

O homem que tinha poder na voz, se levantou e socou o Victorio, sem dó e nem piedade, soco de morte . . . acredito que se aquele outro homem, o que foi chamado de Guilhermo não tivesse intervindo, o embuste morreria

Enrico – Não tenho o costume de ficar me justificando e muito menos, para vermes como você, mas só para que se sinta avisado e não cometa o mesmo erro, esse foi apenas um ato de misericórdia da minha parte, entenda como benevolência ou o que quer que essa mente m*****a queira entender e saia da minha frente, da próxima vez, não serei tão generoso

Assim que suas palavras saíram pela boca, ele se virou e me estendeu a mão, que eu segurei como se minha vida dependesse disso, na verdade, dependia e o acompanhei sem saber que, pronta ou não, eu enfrentaria a maior de todas as batalhas da minha vida e mais, ao lado do Don da máfia italiana.

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