Rian
Uma vez por mês, numa sexta, meu tio e a esposa vinham jantar aqui.
Tia Viviane era uma médica fisioterapeuta (com base nos relacionamentos anteriores do meu tio, cheguei a conclusão que médicos só ficam com médicos e advogados). Ela tinha uma pele tão escura que poderia ser uma princesa de Wakanda (ok, eu não gosto de Marvel, mas foi impossível não ir ver esse filme), cabelos com tranças longas e mãos com manchas brancas. Não existe um sinal para vitiligo em Libras, mas o sinal da minha tia se refere a mancha que ela tem perto do queixo. Ela era bem mais alta que tio Flávio e estava sempre de salto alto então a diferença de tamanho era maior ainda.
Ela e minha mãe estavam conversando na cozinha, o rádio estava ligado, tocando um CD com Lago dos Cisnes gravado. Ao lado dela, minha mãe parecia um hobbit
MatheusEu vejo minha mãe uma ou duas vezes na semana. Ela trabalha como diarista sem carteira assinada em duas casas diferentes. Normalmente ela fica de segunda até quarta numa casa, dormindo lá, e depois trabalha quinta, sexta e sábado em outra. Domingo ela folga. Ela vem para casa na noite de quarta, mas eu não a vejo mesmo assim porque chega quando já estou dormindo.Domingo é a única exceção sempre e mesmo assim não é uma exceção, sabe? Domingo ela está cansada, depois de almoçar se joga na cama e dorme até o dia seguinte.A gente basicamente só conversa por mensagem e sempre bem rápido porque ela tem medo de que a patroa a veja mexendo no celular.Mas, mesmo nos vendo pouco, minha mãe e eu nos dávamos bem, bom... O quão bem é possível quando se convive t&atil
RianFranzi os lábios observando o tabuleiro com atenção antes de mover um dos peões."Xeque-mate."Matheus suspirou e empurrou o tabuleiro para fora da minha cama, peças brancas e pretas se espalharam pelo chão. O olhei irritado, mas ele apenas deu risada."Não sei porque ainda tento jogar isso com você.""Porque minha mãe tá em casa e as outras coisas que a gente podia fazer, a gente não pode." - respondi, revirando os olhos e ele riu de novo. - "Já decidiu o que vai fazer no seu aniversário?"Matheus fez careta e virou o rosto, cruzando os braços um instante antes de fazer o sinal de "não.""Não sei se vou comemorar. Tô cansado esse ano.""Eu gosto da ideia dos seus amigos de ir à praia."Ele concordou encostando a cabeça no meu ombro um momento, antes de se afast
Matheus– Ok, uma informação importante. – Pedro falou, tirando uma caixinha do bolso e sentando-se ao meu lado na calçada em frente sua casa. – Esse é metade do presente.Eu e a Sam rachamos o presente, então ela vai te dar a outra metade.– Isso é diferente. – observei pegando a caixa e desmanchando o laço para poder abrir. – Berloque! Mas... Sem berloque?– Os pingentes quem vai dar são a Sam. Como eu disse, rachamos o presente.Escolhemos de acordo seus gostos muito questionáveis.– Como assim?– Cheguei! – dei um pulo de susto quando a Samantha falou, colocando as mãos nos meus ombros.– Menina, quer me matar de susto é, caralho? Da onde que você saiu?– Quero. – ela riu e me mostrou a língua, se ajeitando do meu lado. &ndash
RianO resto do dia foi... Foi estranho. Eu estava tentando manter a calma, mas era difícil. A situação do suco pode parecer idiota, mas foi bem pesada para mim e era difícil racionalizar bem tudo que eu tava sentindo.Era só tão irritante quando alguém ficava na dúvida ou achava que eu não conseguia fazer algo. "Ah, você é surdo? Então não deve conseguir fazer isso, né?" Na maioria das vezes, elas escondem o pensamento com preocupação, com bondade, boas intenções.Mas, ainda tá ali a ideia de que uma deficiência é uma sentença de incapacidade e anormalidade. Tá ali. E elas podem tentar esconder o quanto quiserem, dá para ver.Eu queria não ter visto.Quando eu disse que iria comprar, Matheus me olhou daquele jeito... Era o mesmo jeito que o Pedro tinha
MatheusMinhas mãos tremiam enquanto o professor de física entrava na sala.Uma coisa: minhas notas são maravilhosas, mas minha menor nota sempre era em física. Desde que comecei a ter essa matéria, nunca consegui 10. Era sempre 9,5 ou 9,75.No caso, o 9,75 podia ser arredondado para dez, mas o filho da puta do professor arredondava pra 9,5.Cara, eu odiava esse professor.– Professor, você já tem as notas da última prova? – uma das meninas perguntou.– Já vou passar pra vocês. – o professor respondeu se sentando e tirando o envelope de provas corrigidas da mochila.Respirei fundo, ainda tremendo. Ok, ok, tudo bem. Eu não tinha entendido bem a matéria, mas tinha estudado bastante, tinha me dado um branco na hora da prova sobre como fazer as contas, mas eram todas de alternativa e eu tinha quase certeza de
RianGelei ainda na garagem.Alexia estava falando com a vizinha em frente ao portão.O Dobermanão estava com elas.E ele estava me olhando.Voltei para dentro correndo.Meu Deus, eu só queria comprar leite condensado pra fazer brigadeiro!Eu só queria uma porcaria de brigadeiro.Inferno.Já na sala me joguei no sofá irritado. Por que eu tinha que ficar assim só com um cachorro que ficou me olhando? Por que eu tinha que ser tão idiota e me prestar a um papel tão ridículo?Senti um beliscão no tornozelo e me sentei, tentando afastar esses pensamentos.“Você comprou o leite condensado?” – minha mãe perguntou.Hesitei.Merda.“Tava fechado.”Ela uniu as sobrancelhas não parecendo acreditar. Encolhi os ombros sem jeito. Ela sabia que
MatheusUni as sobrancelhas quando Alexia veio abrir o portão.– Ele me pediu pra vir abrir. – respondeu vendo meu rosto. – Não saiu do quarto hoje. Minha mãe teve que levar café na cama.– Eu pensei que o cachorro não tinha feito nada. – murmurei entrando e dando um abraço nela.– Ah, ele fez. – Alexia garantiu. – Fez ele lembrar que tem um medo fodido de cachorro. Era só o que precisava. Mas, tem males que vem para o bem, né, amorzinho? Eu consegui convencer ele a passar com uma psicóloga. Agora só vamos ter que convencê-lo a sair de casa no dia da consulta. Nada de mais. – apesar do tom relaxado, pude perceber quão preocupada ela estava.– Lexi, ele tá bem mesmo, não é?Ela parou, umedecendo os lábios antes de declarar:– Eu n&atild
Rian"Eles fizeram o que?" - franzi a testa para o meu celular. Do outro lado da tela, o Matheus deu de ombros, os olhos baixos. - "Mata eles!"Matheus deu risada, mas não pareceu ser um riso sincero. Dava para vê-lo encostado contra a cabeceira de sua cama, parecendo incrivelmente deprimido."Mata!" - repeti. - "Ou só dá um soco mesmo, também serve."Outra vez, ele deu risada. - "Eu to tão cansado daquela escola.""Bate em todo mundo e depois muda de escola!" - sugeri."Vou parar de levar os cadernos pra aula." - ele deu de ombros. - "O que os professores ditarem eu posso gravar no celular e copiar no caderno depois. O que eles copiarem na lousa, eu posso tirar foto e copiar depois.""E não vai bater em ninguém?" - franzi a testa."Primeiro, eu nem sei quem fez isso, então não é como se eu soubesse em quem bater.""Em t