No final do meu expediente, pego minha bolsa, arrumo o cabelo com um gesto automático e me despeço de Helena com um sorriso cansado. O dia foi longo, e tudo o que quero agora é ir para casa e me perder no silêncio.Mas, assim que alcanço a rua, o Honda Civic me chama atenção. Lá está ele, o senhorzinho que meu pai contratou para ser minha sombra. Espião, guardião ou simplesmente um lembrete constante de que meu pai não confia na minha independência.Suspiro, já sentindo a exaustão crescer, mas decido não deixar isso passar. Avanço com meu carro até emparelhar com o dele. Inclino-me, girando a alavanca do vidro do passageiro com dificuldade, o som do vidro descendo me irritando tanto quanto a situação. Ele não tem escolha: desliza o vidro dele também, os olhos castanhos cheios de constrangimento.Sorrio, mas não com simpatia. É um sorriso de ironia, carregado de sarcasmo.— Vou poupar seu trabalho — digo, o tom cortante. — Diga ao meu pai que neste final de semana vou trabalhar na casa
— É só esse final de semana. Parece que a babá teve um problema — explico, enquanto tomo um gole do chá, sentindo o calor relaxar um pouco a tensão no meu corpo.— Tudo bem. Ah, eu tenho uns amanteigados. Você quer? — Ivone diz, já levantando e indo em direção ao armário.Um sorriso escapa antes mesmo de eu responder.— Hum, com certeza! Vai cair muito bem com esse chá de hortelã.Ela ri enquanto coloca a lata na mesa, abrindo-a com o cuidado de quem guarda um tesouro.— Ainda bem que você é magrinha, hein?Ergo uma sobrancelha, fingindo indignação.— Está dizendo que eu como muito, é?— Ué, você mesma me disse outro dia que tem o metabolismo acelerado e que está sempre com fome.— Sim, é verdade. — Dou uma risadinha enquanto pego um amanteigado. — Mas não encho meu prato como você pensa. Só como umas besteiras fora de hora. Isso é fruto da minha criação. As babás eram loucas para me dar algo para comer quando eu chorava.Ivone arregala os olhos, quase incrédula.— Deus do céu! Verdad
—Estou surpresa com isso. O senhor Ahmad é tão sensato, tão dinâmico. Ficar bêbado a ponto de atravessar sem ver o carro? Até mesmo a distração é surpreendente.— Pelo visto conhece bem meu sobrinho.Eu o encaro sem graça.—Posso dizer que sim, eu já estou há dois meses trabalhando com ele.Ele sorri.—Espera aí. Você é assistente pessoal dele? Lembro-me que ele precisava de alguém para essa vaga. As garotas não duram muito tempo nessa função.—Sim, me disseram isso.—Ele deve estar gostando muito do seu trabalho.—Sim, acho que sim.—Então a garota que ajudará Elma é assistente pessoal do meu sobrinho?Ele me olha de um jeito estranho. Eu aceno com a cabeça.—Sim, senhor.Ele sorri, mas não diz nada. Então ergue os olhos e abre mais o sorriso.—Aí está Osman.Eu giro meu corpo e vejo um menininho lindo surgindo na sala. Seus cabelos são negros, olhos de um lindo castanho claro. Quando ele vê o avô, corre em direção a ele e agarra suas pernas. Ergue o rostinho e olha para mim. Ele é a
OzanO remédio que tomei para a dor me deixa tonto, meio fora de mim, mas mesmo assim, minha mente não para. O efeito sonolento do analgésico tenta me puxar para o fundo, enquanto meu corpo responde de forma oposta: o coração batendo rápido, o suor na testa, e a adrenalina me mantendo desperto.Eu sou um paradoxo ambulante.Essa ideia de contratar Sofia como babá temporária parecia lógica na minha cabeça. Fora do ambiente de trabalho, sem os papéis de chefe e subordinada, eu teria a chance de observá-la melhor, entender a influência que ela tem sobre mim. Mas, mesmo assim, algo dentro de mim continua a construir paredes entre nós.Porque a verdade é que eu a quero. Quero cada detalhe dela, cada sorriso, cada palavra afiada, cada olhar que ela tenta esconder quando pensa que não estou prestando atenção. Mas, ao mesmo tempo, algo em mim grita para mantê-la longe, para protegê-la de mim e, talvez, a mim mesmo dela.Sou uma bagunça completa.Já confiei em duas pessoas. Duas. Pareciam cert
SofiaA noite está calma, mas meu coração não. O dia foi longo, e embora o cansaço esteja presente, o sono teima em não vir. Depois de cobrir Osman e sair do quarto, senti o olhar de Ozan em mim, um calor inexplicável queimando minha pele enquanto eu me afastava.Agora, estou na varanda, tentando encontrar alívio na brisa fresca. A camisola branca que escolhi é simples, mas o tecido leve dança com o vento, e sinto o frio tocar minha pele exposta. Meus pensamentos vagam para momentos do dia, para os olhares de Ozan que sempre parecem mais intensos do que deveriam.De repente, uma presença ao meu lado me tira do devaneio. Me viro devagar, e lá está ele.Sem camisa.Só de shorts.Meu Deus.O vento bagunça seus cabelos molhados, e a luz suave da lua faz seus traços parecerem ainda mais intensos. Seu corpo musculoso está ali, completamente exposto, e eu me esforço para manter minha respiração controlada, mas é impossível. Meus olhos percorrem seu peito, como se minha mente insistisse em me
A cama é grande e macia, quase uma réplica da que eu tinha no meu antigo quarto. Os lençóis de algodão estão impecáveis e perfumados, mas, por mais que eu tente, o sono não vem. É como se meu corpo recusasse o descanso, mesmo estando exausto. Meu coração bate mais rápido do que deveria, e minha mente é um turbilhão.A imagem de Ozan, sem camisa, vindo na minha direção se repete na minha cabeça como um caleidoscópio que não para de girar. Cada detalhe da cena parece ampliado: o brilho da pele dele sob a luz, a segurança no caminhar, a intensidade de seu olhar. Não é apenas um pensamento; é uma presença, como se ele estivesse aqui, invadindo o quarto e a minha tranquilidade.Desde que comecei a trabalhar para ele, me sinto assim: tensa, inquieta, como se estivesse sempre em um estado de alerta. Me pergunto, sem querer, como ele interpretou minha atitude de rejeitá-lo.“Estou me preocupando à toa”, digo a mim mesma. Ele é Ozan. Pode ter qualquer mulher que quiser. Minha recusa não deve t
OzanQuando ela sai, meus dentes se trincam automaticamente. Um gesto involuntário, quase animal. Ela acha que me engana? O pensamento vem ácido, corrosivo. Só pode ter saído com algum cara cheio da grana, penso, sentindo um calor incômodo subir pelo peito.Essa garota, no fundo, é uma alpinista social? Tento buscar alguma lógica em suas atitudes, mas é como decifrar um quebra-cabeça em que metade das peças está faltando. Sofia continua sendo um mistério, uma equação que não consigo resolver. E isso me incomoda mais do que estou disposto a admitir.Talvez eu seja mesmo lerdo para lidar com mulheres. A ideia me atravessa como um raio inesperado, trazendo à tona lembranças de Ayla. O peso amargo do passado me toma, deixando um gosto metálico na boca. Não é o tipo de memória que eu gostaria de revisitar, mas ela insiste em surgir, como uma velha ferida que nunca cicatrizou por completo.Termino meu café com um engolir seco e saio da cozinha, cada passo ecoando na minha mente inquieta. O
Olho tudo ao meu redor enquanto a luxuosa embarcação desliza pelas águas, afastando-nos cada vez mais da marina. O cenário é um retrato de liberdade: o azul infinito do mar que se mistura ao horizonte, o som ritmado das ondas contra o casco e a brisa salgada acariciando meu rosto. Inspiro fundo, sentindo o ar puro preencher meus pulmões, como se ele pudesse limpar não apenas o corpo, mas também os pensamentos.Assim que o iate chega ao alto-mar, o motor é desligado, permitindo que o silêncio sereno das águas tome conta. Esse gesto parece quase simbólico, como se o barulho da vida fosse deixado para trás junto com a marina. O som das ondas agora domina, e tudo parece mais seguro, mais calmo.Um homem de semblante amistoso surge na proa, carregando uma bandeja com copos grandes de suco de abacaxi. Ele tem um sorriso acolhedor, daqueles que fazem qualquer ambiente parecer mais leve.— Senhor Ahmad, prazer em revê-lo. Trouxe suco, desejam tomar agora? — diz, com a voz cheia de respeito e