Quando Sara estacionou o carro na frente do prédio, no final da tarde, seu corpo doía pelo trabalho árduo travado durante o dia. Arrependeu-se de não ter colocado um tênis e uma roupa mais confortável, principalmente quando avaliou o vestido sujo de terra.
Como sempre, repor as energias deixava sua mente mais clara e centrada. Conversar com rosas e folhagens parecia uma loucura para os demais, mas para Sara, elas eram suas melhores amigas. Afinal, qual adolescente em sã consciência trocaria uma tarde no shopping com as meninas da escola por uma poda no jardim? Sara Vargas, com certeza.
A nova herdeira não tinha problemas em fazer amizades. No entanto, a sua inutilidade em demonstrar seus sentimentos transmitiam aos outros uma indiferença errônea. Por essa razão, suas amizades se limitavam ao tratamento cordial e quase insignificante. Falar com plantas era muito mais fácil, elas não faziam perguntas.
Retirou a compras do banco traseiro e olhou resigna
Os dias foram passando e Sara entrou numa rotina. As manhãs eram dedicadas à decoração do apartamento, as plantas ocupavam todas as tardes e, com um sorriso forçado, a faculdade ficava com o período noturno. Como prometido, Tereza apareceu para ajudar nos serviços domésticos e sua neta postiça não se fez de tímida ao aceitar a oferta. Cuidar de casa não fazia parte de suas habilidades. Mesmo porquê, em todos os seus vinte anos, nunca houve necessidade para tal. Seu quarto sempre estivera limpo e em ordem, assim como seus pertences. Independente da maneira como Tereza resmungava ao tirar as manchas de terra das roupas, dos sapatos e do carpete. Contudo, as mudanças que Sara tanto almejava pareciam crescer dentro do seu peito. Havia algo errado, e ela não conseguia encontrar a fonte dessa sensação. — Volto na próxima semana, pequena Sara. Cuidarei da casa e da roupa. Não se preocupe. — Tereza pendurou os vestidos no armário. — Não acho justo te ocupar dessa for
Sara abriu a porta de seu apartamento e as fragrâncias das flores invadiram suas narinas, disputando atenção com o aroma da pizza. Respirou fundo, buscando energia para lidar com o homem que acompanhava seus passos. Acendeu as luzes, colocou a caixa sobre a mesa e ligou o som. Uma música suave preencheu o ambiente. — Uau. Estou vendo que você esteve ocupada esses dias. Estava curioso para saber onde você colocaria todas aquelas flores, mas agora vejo que ficaram perfeitas. — Igor parou por alguns instantes para apreciar a sala bem decorada. Os móveis de outrora haviam ganhado colegas de espaço. Almofadas nudes enfeitavam o sofá vermelho. Mesa lateral propícia para o aparelho de telefone, algumas revistas de jardinagem e um pequenino vaso com bromélias vermelhas. — Você fez tudo sozinha? — Obrigada. Mais ou menos. Tive um pouco de ajuda... — Ela imaginou como soaria se contasse que tinha uma governanta à disposição e preferiu omitir esse fato. — Fique à
A explosão que se seguiu com aquele encontro de lábios, poderia ser descrita com palavras românticas. No entanto, os sentimentos que os acometiam não chegavam nem perto da sensibilidade dos grandes poetas. Serpenteados pelo aroma das flores, a música ambiente e a luz da lua que adentrava pela janela, Igor e Sara demonstraram um entorpecimento de luxúria e desespero. Seus corpos rugiam para serem saciados. O romance e as palavras carinhosas viriam com o passar das horas, provavelmente. Contudo, o que arrebatava a ambos em cima do sofá vermelho era pura questão de necessidade. Fome, talvez. Uma ganância que eles não estavam prontos para analisarem, muito menos pesquisar suas raízes. Sara descobriu sardas em outras partes do corpo de Igor, da mesma forma que ele notou o quanto suas alturas propiciavam que posições complexas fossem testadas. Os novos amantes se conheceram mais do que intimamente. Seus corações se encontraram, mesmo que os donos estivem cegos para tal união. Entr
O suposto relacionamento embarcou numa constante. Se antes as noites de Sara tinham somente a faculdade como programação, com a chegada de Igor o período noturno fora alterado de forma deliciosamente substancial. Jantares quase todos os dias, refeições preparadas, servidas por ele e tendo Sara como sobremesa. Sempre nessa sequência e no apartamento dela, uma vez que o de Igor ainda estava impossibilitado. Lógico que ela o questionou em outros momentos sobre a reforma e conquistou respostas aceitáveis e compreensíveis: “já estudei tudo o que podia, e amanhã coloco a mão na massa”; “ah, ainda não acabei, vai demorar um pouco”; “está sujo, tenho que chamar uma faxineira”. Sem perceber, a neta de Vargas passava pouco tempo em seu mundo imaginário. As evasões se limitavam a visitas de Tereza ou às conversas esporádicas com Castelo. De uma maneira prática de ser, o empresário trouxe um alívio pertinente ao complexo desempenho da universitária durante as aulas. A pr
A conversa que tivera com Igor rondava a mente de Sara como uma cobra traiçoeira. Deixar a cargo de outra pessoa uma responsabilidade pré-determinada, para se dedicar às suas amigas parecia um sonho de consumo. Ela pensou em Vargas. Vasculhou suas lembranças buscando algum indício de uma possível aceitação de que não haveria problemas em ficar em segundo plano na empresa. Porém, não encontrara nenhum sinal contraditório. Abandonar por completo, Sara nunca teria coragem, isso era um fato comprovado. Como uma gravação em sua pele. Entretanto, pela primeira vez desde o falecimento dele, afastar-se dos documentos e decisões finais não lhe trazia a sensação de que o estivesse traindo. Contudo, ainda existia um fator crucial que a impedia de levar essa proposta para o Castelo. Quem seria confiável o suficiente para assumir seu lugar? Porque não se tratava somente de papéis e ordens, mas de amor e entrega. Sentimentos explorados por Vargas. Óbvio que o rosto de Igor
O corpo de Sara vibrava com as descobertas. Como fora tão cega? A vida poderia ter sido muito menos sofrida se tivesse enxergado as perdas por outra ótica. Meu Deus! Vocês estavam aqui o tempo todo me mostrando a verdade, ela falou para a Palmeira de Areca que enfeitava o hall de entrada do prédio. Sim, trocara o morto pelo vivo. Contudo, aquela clareza parecia ter surgido no momento apropriado. “Tudo tem o seu tempo”, seu pai costumava dizer. Ou será que essa percepção tinha algo relacionado ao homem de 1.90 que a visitava regularmente? Talvez com a leveza do coração, da mente e do corpo o restante ficara mais definido, ela observou. A universitária sorria como um adolescente, enquanto se encaminhava para o banho. Retirou as roupas sujas de terra e aceitou o jato de água quente. Sua musculatura agradeceu o mimo e o cuidado, deixando o corpo mais relaxado. O aroma de shampoo encheu o banheiro, assim como a mente borbulhante. Ela necessitava tomar algumas med
Igor não apareceu para jantar, naquela noite. Nem na seguinte. Contudo, enviou uma mensagem justificando sua ausência: – Precisei viajar para resolver um problema de trabalho. Ficarei morrendo de fome. Quando voltar, o jantar será em grande estilo –, e essa pequena consideração alimentou as certezas de Sara. Não poderia ser somente sexo, ela supôs. No início, sim. Mas após todos aqueles encontros, olhares e carinhos trocados entre eles, sua intuição lhe dizia que algum sentimento palpável brotara no coração do administrador. Essa pausa forçada serviu para que ela entendesse a dimensão do seu amor por Igor. Sua ausência fora sentida com tamanha violência, que nem mesmo as plantas pareciam surtir efeito desejado. A somatória: planta mais Igor mais paz estava em defasagem. Até mesmo a falta de talento dele para tocar o violão fora notada. Não aconteceram mais tentativas de visitar o apartamento do futuro, talvez, músico. Independentement
— Ah... — Sara encarou o homem sentando e muito bem instalado, atrás da mesa de Vargas. Notou quando ele ergueu o rosto e recostou-se na cadeira altiva do seu avô. — Mas... como... Novamente, Sara deveria ter feito muito mais do que balbuciar palavras desconexas. Talvez conferir se estava realmente no lugar certo, marcar um oftalmologista para sua visão, chamar os seguranças ou quem sabe ligar imediatamente para o advogado, que estava parado bem atrás dela. No entanto, o dono do olhar fixo e penetrante impediu tal discernimento. — Estou vendo que estamos fadados a encontros surpresas. — A voz tocou na pele de Sara, porém, o efeito fora diferente da primeira vez. Igor arriscou seu habitual charme, quando na verdade tudo por dentro dele gritava o contrário. O que ele tanto tentou evitar, por ainda não estar pronto para tal revelação, acontecera. — O que você está fazendo na minha sala? — Os punhos cerrados ao lado do corpo determinava sua fúria. Castelo a