Ho tang bah ho tih yst.
A espada de Awdrenn “O Invicto” caiu próxima aos meus pés. Que skit! Eu pensei. O hyerogladius lendário fora duramente atingido pela carga de um enorme qyeratotherio (uma besta encouraçada de quase três mil quilos, com chifres acima das narinas) conduzido por um guerreiro fortemente armado e ainda maior que sua própria montaria, embora isso parecesse quase impossível. Ou talvez nem fosse tão grande assim, é verdade. A emoção altera um bocado as coisas...
Eu percebi que meu velho amigo não parecia bem. Estava ferido. Ao dizer isso, me refiro a estar ferido de verdade. O que era (e ainda é) algo raro de acontecer, pois, para quem conheceu presencialmente uma das maiores lendas de Sekhairiann e o viu combater tantas vezes, vê-lo vulnerável, daquela forma, parecia ser um fato inacreditável. Talvez a idade lhe tivesse privado da plenitude de seu famoso poder. Contudo, mais de vinte corpos inertes se estendiam ao seu redor, pintando de escarlate os campos de Menamamunn, atestando que Awdrenn Zolanbuhr, zon iid Awderann, jon iid Demmar, ainda era considerado, no mínimo, um guerreiro temível.
Pensei em ajudá-lo, mas eu não sabia como. Para me salvar de um ataque fulminante, cravei minha espada na barriga do equinodonn que um dos desgraçados montava para me atacar. Com essa manobra, o filho de uma meburaba caolha foi derrubado da sua montaria, rolando ribanceira abaixo. Todavia, o corpanzil musculoso e pesado de seu enorme animal desabou em cima de mim. Eu estava imobilizado com mais de quinhentos quilos de gordura, ossos e músculos em cima de meu corpo. Por sorte não tive todos os meus ossos estilhaçados.
Tentava me livrar da massa inerte da criatura, ou alcançar a hessenshokenn (a espada consagrada dos hyerogladius) de Awdrenn para arremessá-la de volta ao seu dono, mas não conseguia fazer nem uma coisa, nem outra. Cuspi meia dúzia de palavrões entre os dentes. Ao longe vislumbrei a torre de Desann’Aldhur. A gigantesca torre de pedra e uldhamus. Guardiã dos reinos feerit. Outrora imponente e retilínea, desafiando o sol, como um ponteiro. Porém, naquele dia, restava apenas a estrutura carbonizada de um dos maiores orgulhos de nosso reino.
Esquivei-me de minhas divagações e voltei o olhar para meu amigo novamente. O guerreiro inimigo, que atacara “O Invicto”, fazia o retorno com seu monstruoso qyeratotherio, claramente espantado com o fato de Awdrenn ainda estar vivo e conseguindo ficar de pé. Entretanto, não cedeu à surpresa. Rosnou um impropério qualquer, gritou um nome de família ou clã – ou qualquer skit dessas – e avançou novamente em trote veloz, desta vez, certificando-se de mirar bem com sua lança, para que naquela rodada o hyerogladius não escapasse recebendo apenas o impacto do animal e, consequentemente, fosse empalado horizontalmente pelo metal frio.
Awdrenn parecia estar tonto demais para reagir. Seus olhos vasculhavam silhuetas no espaço, de tão embotados de sangue e suor. Gritei pelo seu nome. Ele parecia não me ouvir. Ninguém parecia ouvir.
O ataque pegou a todos de surpresa. Jamais imaginaríamos que uma tropa inimiga conseguiria novamente se infiltrar no território de Diaphanes. Não tão cedo! Não imediatamente após termos reforçado as defesas, dado o ataque contra Desann’Aldhur. Algo semelhante só acontecera muitas décadas atrás.
Os invasores nos superavam em número. Sabiam que entre os que compunham a minha guarda, estavam os guerreiros da nata de Sekhairiann. Apesar disso, nossos soldados estavam ocupados contendo o ataque. Nem eu nem eles poderíamos fazer coisa alguma por aquele que ainda era um dos mais poderosos e honrados hyerogladius que já se ouviu falar.
Seu inimigo se aproveitara enquanto ele estripava dezenas de outros invasores. Pegara-o de surpresa, ferira-o gravemente e deixara-o desarmado. Uma presa fácil para seu próximo ataque. Temi ser novamente a testemunha do fim de mais um dos grandes heróis do passado.
Em uma última tentativa reuni todas as minhas forças para livrar-me do cadáver do equinodonn, a fim de ainda tentar ajudar Awdrenn. Fechei meus olhos e dei tudo de mim, mas a carcaça do animal mal se movera. Aprendi a manejar razoavelmente uma espada, mas ainda continuo com o poder muscular de um ayehdomann de skit! Foi o que pensei. Uma ânsia de dor e perda me assolou. Abri os olhos e com eles olhei para o meu amigo. O cavaleiro inimigo já estava sobre ele, com a lança a menos de um palmo de seu peito. Parecia que o tempo tinha parado. Suprimi um grito de pavor. “O Invicto” não poderia encontrar o seu fim desse modo.
Então, como se Dhorn e Aeshenn tivessem atendido às minhas preces, eu pude ver novamente uma das letras sagradas, como vira em pouquíssimas vezes em toda a minha vida. A algumas polegadas adiante da fronte de Awdrenn ela surgiu: “Yam”, a rocha. “A força”. Mais uma vez, pude presenciar o milagre dos hyerogladius. Awdrenn segurou a lança, antes que esta o atingisse, usando sua mão esquerda, ao mesmo tempo em que a desviava, para em seguir agarrá-la também com a mão direita, montando a alavanca, fazendo com que seu atacante fosse atirado por cima de sua cabeça, como em um movimento de pêndulo. Mesmo assim o enorme e encouraçado qyeratotherio ainda manteve seu ímpeto. Não obstante, o hyerogladius apenas desviou-se suavemente de sua arremetida e com o punho esquerdo golpeou a besta, como se suas mãos fossem feitas de duríssimo metal, nocauteando a criatura.
Em toda a minha vida eu só tinha visto dois outros hyerogladius realizarem proezas desse nível. Vira muitos promoverem façanhas fantásticas, é verdade, mas não nesse patamar! Mesmo para mim, que caminhei ao lado de guerreiros que enfrentaram orixxe renegados e chytrall, ainda assim aquela era uma cena de tirar o fôlego.
O guerreiro inimigo tentou se erguer, ainda grogue da queda e desnorteado pela surpresa, porém Awdrenn avançou com incrível velocidade desferindo-lhe um potente chute no meio das costas. Ouvi, mesmo à distância em que me encontrava, um horrendo som de ossos sendo partidos bruscamente. Como um boneco sem vida, o soldado inimigo se desmontou perante os pés do invicto. Estava morto.
– Ejunn Awdrenn! Emann e a luz de Kirasynn te concederam a força para mais uma vez vencer! Fico deveras feliz! No entanto, queira prestar alguma ajuda a este velho amigo. Skit! Como dói...
Ele sorriu, ainda arfando por causa do esforço de seus últimos movimentos.
– Não sou seu ejunn, Koverdall. Você é tão nobre quanto eu, e ambos somos tão nobres quanto qualquer outro de nossos soldados. Assim como qualquer ser vivente é tão nobre quanto a joia mais rara, e tão reles quanto a poeira. Você sabe disso.
– Meu bom amigo! Você é o Dux Gladium de Rhonixxia! Não é de bom tom que eu me esqueça de adicionar os títulos devidos antes de seu nome. Espanta-me que ainda consiga filosofar no meio dessa balbúrdia, entretanto eu estou em uma situação de skit para apreciar poesia. Agora, por favor, me ajude a tirar esse equinodonn rasholly e filho de uma cannedary de cima de mim!
Awdrenn novamente sorriu. Limpou o sangue e suor de seu rosto e veio me ajudar a erguer o pesado moshunn. Quer dizer... Ele levantou-o sozinho, eu apenas fingi que fazia alguma diferença.
Agarrou sua afiada e portentosa hessenshokenn, limpou-a e guardou-a em sua bainha. Em seguida, dirigiu-se rapidamente aos soldados. Àquela altura eles não precisavam mais da ajuda do Dux Gladium, pois a maioria dos inimigos já desfalecia em sangue. Se houve algum sobrevivente, fugira sem ser notado.
– Eles vieram pelo sul. Esses desgraçados... – Cuspi enojado. – Que Emann nos proteja! No entanto, a esta altura e ao que tudo indica, Thanatia também já caiu. Esses desgraçados devem ter atravessado o Rio Bolli, vencendo as patrulhas e postos avançados dos trugh.
– Não creio, ayehdomann. – Retirou o elmo (tão diminuto que quase podia ser confundido com uma tiara) e limpou a testa empapada. – Se Thanatia ou as aldeias trugh do kirann Folle já tivessem caído, teríamos recebido notícias por parte de alguns batedores. Temos muitas tropas por aquelas bandas de lá. Além do mais, estes vândalos formavam apenas um bando, não um verdadeiro panteão. Devem ter conseguido atravessar o cerco e subido apenas para saquear ou algo assim. Ou isso, ou alguém os infiltrou em nosso território, justamente para nos interceptar.
– Pode ser, meu frynn (amigo). Embora eu não quisesse pensar em uma traição, a esta altura dos fatos, quando já estamos tão enfraquecidos, não convém que ignoremos esta possibilidade. De qualquer forma, no que diz respeito à Thanatia, não creio que a terra dos herald resistirá muito mais tempo. Se a kiravn Gween não retornar logo com o exército de Sekhairiann restaurado, estaremos em um perigo que jamais pudemos vivenciar ou imaginar. – Kiravn. Pensei. Como eles cresceram. Anos atrás os chamava por prinnzam Gwydre e praiatsa Gween, quando ainda eram apenas os jovens príncipes de Rhonixxia.
– Rhonixxia não cairá, Koverdall. Tenha fé.
Sorriu com sua cordialidade usual. Pareceu ler meus pensamentos... Ao ouvir as palavras de Awdrenn, enquanto ele dava um tapinha amigável em meu ombro esquerdo, quase como se tirasse um pouco da poeira, lembrei-me de outras palavras, proferidas por outro grande hyerogladius (na verdade, o maior de todos), outro grande amigo. Palavras perdidas no tempo e na paixão de minhas memórias.
– Você não tem fé, bardo? Não acredita que swannimane comuns possam enfrentar os chytrall e deuses caídos? Pois te digo que esta é a hora de escrevermos os nossos destinos. Eles é que nos temerão!
Ele estava certo. Não poderíamos esquecer a fé. Nunca. Annahk Thennoryah e Gwydionn Zondrakk ensinaram-nos, no passado, a nunca perder a fé. A nunca desistirmos dos sonhos. Nós tínhamos caminhado ao lado dessas lendas. Seu legado é a semente que fora plantada em nossos corações.
Reorganizamos a escolta. Sofremos apenas a baixa de um soldado. Apenas... Na verdade senti-me tomado por imensa tristeza ao ver o corpo daquele jovem, que morrera para nos proteger.
É impressionante como uma única baixa nos afetou tanto. Em tempos idos, as baixas eram muito maiores. Participamos de guerras em que milhares pereceram. No entanto, após tantas décadas de paz absoluta, ver o semblante sanguinário da guerra surgir novamente no horizonte, trazendo morte e dor pelas mãos de inimigos tão cruéis; aterrorizava-nos e quebrava os nossos espíritos. Tínhamos que prosseguir. Tínhamos que orar para que Gwydre e Gween pudessem repetir os feitos de seus pais. Para que pudessem empunhar novamente Glyrunndhur, trazendo a paz, a liberdade e a justiça para Sekhairiann.
Retomamos nosso caminho. Passado algum tempo, ao avistar as imponentes e ornamentadas muralhas de Rhonixxia, plenamente adornadas por cristais, meu coração palpitou. Apesar dos tempos árduos em que vivemos, Rhonixxia ainda se sustenta vigorosamente como a promessa de esperança, inaugurada logo após a derrocada do tirânico Império Único. Um novo reino edificado em nome do amor e dos sonhos. A grande cidade que funde os antigos reinos de Hemporia e Sellenia. Funde os territórios de Diaphanes e Cromannith, funde os povos hem feer e luxx feer. O símbolo da luta contra toda e qualquer forma de inimigos que almejem cessar a liberdade.
Após passarmos pelos arcos do dragão (uma série de arcos com função de passarela e, ao mesmo tempo, função decorativa, em cujos arabescos fora inscrita a história das guerras balluthianas), percorríamos a principal via de entrada, adornada em suas margens pelas renmemaronne, as estátuas dos grandes heróis das guerras passadas: Udrer, Ethannor, Arganthus, Sannyria, Syerzsche, Annahk, Gwydionn e tantos outros...
Afastei-me da grande capital nos últimos três anos, pois os herdeiros Gwydre e Gween já tinham se tornado adultos e, portanto, não precisavam mais de mim. Além disso, eu possuía meus próprios filhos para criar. Mesmo assim, a visão de Rhonixxia preencheu meu coração de ternas lembranças e momentos gloriosos.
– E então, meu querido bardo... Toque algo capaz de reacender um coração apagado...
– Não existem corações apagados. Enquanto eles batem há ainda alguma brasa. Existe frio. E para todo coração congelado existe alguém que queira aquecê-lo, bela dama.
Passamos por largas avenidas, pelas veredas comerciais e pelo centro militar de Rhonixxia, o “gladitherum”. Mais adiante, finalmente pudemos vislumbrar os titânicos muros que cercam o centro da cidade. Ao aproximar-me do grande portão, os vigias da torre me fizeram parar, junto com minha guarda particular, pelo menos uns vinte metros de distância. O Dux Gladium Awdrenn anunciou-se ao corpo de vigília. Em alguns segundos a estrutura começou a ranger, a grade protetora descia perante nossos olhos, desaparecendo embaixo da terra, os portões abriram-se escorregando pelos trilhos paralelos à muralha, e a incrível ponte retrátil estendeu-se por cima do fosso.
– Nunca deixo de me impressionar com a engenhosidade dos mestres artennologist. – Disse Awdrenn.
– É verdade, meu velho amigo. O ejunn Kibler Boriluk e seu falecido sann (tio) inauguraram uma nova era para o mundo. Ele fundou, inclusive, um liceu para treinar novos artennologist, o Ingennius. Creio que, em um futuro não tão distante, os artennologist serão os pilares de toda a nossa civilização.
– Não me sinto à vontade de pensar em um mundo totalmente sem deuses, fé e magia. Um mundo seco em que tudo possa ser reduzido a explicações práticas.
– A magia não é diferente dessa ciência que eles pregam, meu caro. A diferença é que: uma, a ciência, já pode ser compreendida e a outra, a magia, ainda não. Quanto aos deuses, eles sempre estarão esperando por nós. A fé nunca morrerá. Poderá ser corrompida, adulterada, mal interpretada e até mesmo comercializada. Mas, os bons corações, como o seu, sempre manterão a fé viva e pura. Agora vamos! Haverá tempo para reflexões. Este é o tempo das ações. E já escapa por entre nossos dedos.
– Ainda assim, amedronta-me pensar em um tempo em que as guerras não serão mais realizadas com espadas em punho.
– Alguém muito especial, uma vez me disse que sempre haverá espaço para guerreiros corajosos enfrentarem os orixxe caídos e chytrall, ainda que munidos apenas de espada em punho, meu caro.
– Por mais que o universo mude, por mais que inúmeras novidades surjam ao nosso redor a cada dia, o mundo sempre precisará de heróis, meu amigo. Os deuses sempre precisarão de rebeldes teimosos, como meu marido Gwydionn, que nunca aceitam perder. E sempre precisarão de poetas, como você, para cantar os feitos dos heróis. Não tema o destino, apenas cante tudo aquilo que puder presenciar.
Atravessamos a faixa de defesa do centro de Rhonixxia, para nos encontrarmos, a seguir, mergulhados no segundo centro comercial, o mercado nobre. Prosseguimos pelas avenidas da mais brilhante e próspera cidade de Sekhairiann. Apesar da multiplicidade inacreditável da multidão, movendo-se como enormes rios e afluentes por entre as barracas abarrotadas de temperos, perfumes, tecidos, joias, esculturas e afins; não levamos mais que duas horas para chegarmos às cercanias do palácio. Novamente passamos por outra inspeção da guarda e finalmente adentramos Rakuenneri, “A pequena Rakuenn”, conforme Gwydionn e Annahk batizaram sua morada, após o término de sua construção.
Descemos de nossas montarias e as entregamos aos jovens mennawe, que exerciam seu ofício com alegria e entusiasmo, montando rapidamente os caros e vistosos equinodonne que ainda não podiam comprar. Enquanto eles conduziam os animais aos pátios apropriados, pensei no quanto ainda havia tanta inocência no mundo. Era justamente por estes jovens e pupinne que lutávamos.
Despedimo-nos da guarda. Apenas eu e Awdrenn caminharíamos por dentro dos corredores de Rakuenneri. Fora os dias abertos às festividades e à visitação, somente a guarda real e os nobres da “família” podem andar livremente pelo palácio.
Ansiava por rever todos aqueles que um dia foram agraciados pelo antigo rei Gwydionn com o título “Zondrakk”. Ansiava por rever os rostos de meus amigos e ouvir suas vozes. Como recompensando meus anseios, para minha surpresa, quem veio ao nosso encontro antes de adentrarmos o varchamber kamk (hall de recepção do palácio) foi o próprio e grande Twyrann Zondrakk. Um Zondrakk não somente no título, mas um legítimo descendente de uma das verdadeiras famílias dos dragões, descendentes legítimos da lendária kiravn Dashenn e do deus Rhonixx, descendentes de Rawzynn e Gwederann, que receberam dos deuses os presentes de nascimento para todos os swannimane: os dons. Embora não nos víssemos há apenas quatro anos (eu e Twyrann), parecia ter se passado uma eternidade em que eu não vislumbrava mais o seu sorriso terno, ou escutava sua gargalhada estrondosa.
– Meu ejunn! – Meu ímpeto era de abraçá-lo, contudo, fui educado desde a mais tenra infância, para lidar com a corte, por isso ajoelhei-me para tomar a sua colossal mão e beijá-la!
– Deixe disso Koverdall, seu bardo tratante! Entre amigos não há espaço para essas formalidades! Ou, por um acaso, eu deixei de ser considerado como amigo? Tenho que enviar bilhetes para avisar, se eu quiser ir a sua casa para almoçar? – Em seguida piscou amigavelmente para Awdrenn.
– Nunca! Todavia, como eu disse a Awdrenn, ainda hoje, há que se respeitar os costumes sempre! Além disso, se você fosse a minha casa para almoçar, certamente teria que avisar sim! Pois, caso não me falhe a memória, uma dispensa inteira é pouco para aliviar a fome do “destruidor”!
– Há há há! Nem tanto ultimamente. Minha esposa, a senhora de Zerandius tem se dedicado a educar meu apetite, além de muitas outras coisas he he he! Porém, quanto a essas firulas, deixe-as para o lado de fora do palácio. Talvez, quando a ocasião exigir. Não venha com essas frescuras quando estamos a sós, entre nossos irmãos.
– Eu já disse isso a ele, Twyrann. – Awdrenn sorriu como se estivesse insinuando ser difícil me corrigir, no tocante a essas coisas.
– Venha cá. – Disse-me Twyrann com voz de trovão e a seguir me abraçou. – Todos nós temos muita saudade de ti, meu amigo falador!
Como todos os outros, inclusive eu, Twyrann envelhecera um pouco. Tornara-se mais maduro e menos... Menos limitado, por assim dizer. Não obstante, seu abraço continuava exagerado. Não tinha noção de sua própria força descomunal.
– Eu também sinto saudades de todos vocês, meu amigo. Contudo, agradeceria se você me soltasse, pois preciso sentir meus pulmões inflarem-se de ar novamente.
Twyrann me soltou. A seguir emitiu uma de suas ruidosas gargalhadas. Para ele, a fragilidade de todas os outros swannimane normais, era algo engraçado. Não fazia por maldade, mas como uma pupinn grande, ria quando lembrava que ninguém mais em toda Sekhairiann compartilhava de sua imensa força. A não ser seu irmão Gwydionn... Que Emann o tenha.
– E sua esposa e filhos? Como estão, meu frynn? Espero que eles gozem de tanta saúde quanto você.
– Sim, sim, sim! Garannz puxou à bazer, né? Mais estudos e livros e menos exercícios e combate...
– Quando pupinn ele tinha seus olhos e cabelos dourados! Um tanto magrelo para a maioria dos Zondrakk, claro. Porém Annzschor também fazia esse tipo.
– É verdade! O rosto dele, ainda dizem, é igual ao meu, porém mais fino. Todavia os olhos dele assumiram a cor dos da bazer! Interessante, não é? Kannsha ainda é loirinha também, com os olhos Zondrakk e bastante musculosa. Isso me agrada bastante! É minha parceirinha nos treinos! Ywrrynne puxou a tia... Que Emann a tenha!
– Puxa! E onde eles estão? Como queria vê-los!
– Minha amada Lussidith veio comigo. Apesar de Zerandius não estar livre da ameaça, o nosso amigo krol durahk khan e sua kiravn prometeram-nos dispor todas as forças de Urkh-Shithur na defesa do território de Harau. Nossos sobrinhos, Gwydre e Gween precisam muito mais que estejamos aqui. Quanto aos meus filhos... Há! Eles herdaram a veia aventureira Zondrakk, né? Garannz e Kannsha acompanharam Gween e os outros na missão de ‘restauração’. Sabe sobre o que falo?
– Sim. Sim, meu frynn. Só me perdi quanto à urgência da missão e achei que ainda os pegaria aqui. Continue.
– Ywrrynne permaneceu ao lado de Gwydre, como sempre.
– Que Dhorn guie nossas pupinne nesse momento tão duro.
– Como você já disse uma vez, frynn Koverdall, os Zondrakk são descendentes de Rhonixx zon iid Emann, oler iid Dhorn! Deuses devem nos temer. Éramos todos praticamente pupinne quando chutamos a bunda de chytrall e exércitos de swannimane (viventes racionais) corrompidos.
Gostaria de possuir a mesma convicção de Twyrann. Para ele as coisas sempre foram bem simples. Ele e Gwydionn eram Zondrakk. Zon iid Udrer, jon iid Gwonn (filhos de Udrer, netos de Gwonn) e descendentes do deus Rhonixx, que por sua vez era filho de Emann e irmão e aluno de Dhorn. Por que deveriam temer alguma coisa? Eram fortes, bravos, rápidos, inigualáveis no combate e, por conseguinte, invencíveis. Para que ter medo de alguma coisa?
Décadas atrás, embora fosse menos esperto que a grande maioria, Twyrann provara seu ponto de vista. Foram dias gloriosos, nos quais um bando de jovens munidos de coragem e fé infinita conseguiu mudar o mundo. Porém, hoje em dia tudo se tornara mais sombrio. Por mais que eu me esforçasse, não conseguia manter a mesma confiança que ele.
– Então, frynn Awdrenn? Fui informado de que foram atacados ao escoltarem nosso ayehdomann para cá. Alguma baixa?
Impressionante como mesmo um dos hyerogladius mais poderosos de Sekhairiann sentia o peso e pressionava levemente os joelhos quando Twyrann colocava sua mão colossal sobre seu ombro.
– Sim, Twyrann. Infelizmente um jovem soldado pereceu durante a emboscada.
– Coitado. Mas, ele morreu em combate?
– Sim. Lutou bravamente. Levou dois ou três com ele.
– Então Heinnthal o receberá muito bem no Walshavalla! Assim que ele encontrou seu fim no campo de batalha, certamente Thalit, a senhora da morte, deve ter enviado os seus deshimay para buscá-lo. Ela o conduzirá com os olhos fechados pelas “escadas entre os mundos” até chegarem ao Walshavalla. Quando tiverem chegado, ela o entregará a seu marido, o deus Heinnthal. Nesse momento, o lodwann receberá o direito de abrir novamente seus olhos, pois só assim Heinnthal olhará dentro da alma do rapaz e o reconhecerá como um honrado guerreiro. A seguir, recolherá Fyunfenshil, sua lança divina, e deixará o rapaz passar, cruzando a ponte do julgamento! Não devemos chorar! Ele estará lutando em breve na arena dos imortais, ao lado de Gwydionn, do antigo kirann Ethannor, de meu vazer Udrer e muitos outros! É sim!
Twyrann gesticulava com movimentos largos e vigorosos, e fazia expressões teatrais enquanto falava. Como sempre, cada vez que se empolgava em contar alguma história, parecia mais que narrava para si mesmo que para os outros. Como se estivesse aprendendo na medida em que se lembrava do que dizia. Era um guerreiro de nascença. Criado para a guerra e para o combate. Um guerreiro ao modo antigo e bárbaro. Não era um ser de ponderações ou de angústias. Vivia pela vida e pelo momento. Se fosse preciso lutar, lutaria. Se fosse preciso matar, mataria. Se fosse preciso morrer, jamais hesitaria. Sua doutrina era o seu imenso kthondogon (martelo de duas mãos), que mesmo sendo tão pesado para a maioria, era atado às costas do gigante como se fosse uma mera ferramenta. Seu medo: o de não poder morrer lutando. Por isso suas crenças eram fortemente embasadas nas leis de Dhorn e Heinnthal, assim como faziam os guerreiros antigos.
– Entretanto, deixemos isso tudo para outra hora, não é? Além do mais, sempre me esqueço de que meu oleri Gwydionn está em Rakuenn, não no Walshavalla. Vamos! Gwydre nos aguarda.
Chegamos ao varchamber de recepção do palácio. O kirann Gwydre Thennoryah Zondrakk, que já antecipava nossa chegada, caminhou apressado em minha direção e me abraçou.
– Sann Koverdall! Que bom te rever! – Acenou com a cabeça e sorriu para Awdrenn e Twyrann. – Sanne!
– Não está velho demais, meu bom kirann Gwydre, para continuar me chamando e aos demais de sanne?
– E o nom não é íntimo o suficiente para dispensar alguns títulos, sann Koverdall? Para que usar “rei” antes de meu nome, se já me deu algumas palmadas, assim como tantas vezes contou tantas de suas histórias para que eu e minha irmã dormíssemos?
– Pode me chamar agora de frynn. Não sou mais o sann que tomava conta de ti. Porém, serei eternamente seu amigo, meu querido kirann.
– Se eu parar, você para também!
– Não há como! O nom é o kirann!
– Não há também como eu parar, o nom me criou desde que eu era um pupinn.
Ele sorriu. Era como o sorriso de sua bazer. Não deixava de ter nos olhos alaranjados um pouco do jeito maroto, de eterno moleque, que seu vazer também tinha. Gween, sua irmã gêmea, claro, puxara muito mais ao gênio, combatividade e impetuosidade do kirann Gwydionn. Gwydre possuía a serenidade, intelectualidade e sobriedade da kiravn Annahk. Vê-los, era como se pudesse ver novamente Gwydionn e Annahk com algumas particularidades trocadas. Nesses momentos, lágrimas sempre me vinham aos olhos.
Desfez parte do entusiasmo em seu sorriso, entretanto, assumindo um tom um pouco mais sério e cerimonial.
– Que bom que está aqui, sann. Precisaremos muito do nom.
– De mim? Estamos ladeados pelos dois mais poderosos hyerogladius vivos!
– Coragem, destreza e poder são sempre muito úteis nas mãos certas sim. Estas quatro mãos de meus sanne não poderiam ser as mais certas! Tenho sorte de governar com parentes e amigos tão competentes e sábios me escorando o tempo todo! – Era cordial, gentil, simpático e diplomático como a bazer. – Não obstante, sann Koverdall, há tarefas que exigem outros tipos de habilidades. Acompanhem-me, por favor.
Gwydre, então, conduziu-nos ao varchamber de reuniões, e indicou-me, bem próximo a si, um lugar que havia reservado na mesa para este velho ayehdomann. Estavam reunidos os maiores líderes de Sekhairiann. Entre eles, muitos que caminharam ao nosso lado nos bons e velhos tempos. Perdemos um bom bocado de minutos nos cumprimentando novamente. Pude rever a Füq Maweth de Zerandius, Lussidith Vanderthel, esposa de Twyrann Zondrakk. Embora ela não fosse parenta direta do Maledikth, havia muito em seu olhar sempre perscrutador que lembrava a infinita inteligência, persuasão, argúcia e poder sinistro do “Renascido”, Annzschor Zondrakk. Ao vê-la parecia escutá-lo presencialmente:
– Embora deteste ser piegas e pragmático, bardo, eu tenho que admitir que o bordão: “todos temos um papel na ordem dos acontecimentos”, é a mais pura verdade. Eu sei o meu papel, óbvio. Gwydionn e Annahk devem se tornar kirann e kiravn, os governantes do mundo digno e renascido que virá. Eles devem cumprir o seu destino. No tocante a minha presença encarnada, eu vim a esse mundo para garantir que isto aconteça. Nada, nem ninguém, irá me impedir disto. Nem mesmo a morte. Já renasci várias vezes. Renascerei outras mais enquanto for preciso, porque eu vou cumprir o meu destino. E você, bardo? Conhece o seu?
Ri sozinho lembrando-me do quanto, à época (não mais) me irritava que ele e Gwydionn sempre me chamassem apenas de bardo, raramente usando o título ayehdomann. Acabou virando moda entre todos os nossos frynne.
Concentrei-me novamente nos fatos que aconteciam ao meu redor naquele momento. Apesar de muitos expressarem opiniões levemente diferentes, todos concordavam em uma mesma coisa: o momento crucial chegara. Era a hora de fazermos guerra. Não daria mais tempo para esperar pelo retorno de Gween, ejunn Daurann, ejissann Liryath, seus filhos: Paryz e Syrynn, e os filhos de Twyrann: Garannz e Kansha. Terminada a grande reunião, Gwydre veio a mim.
– Sann Koverdall. É chegada a hora de desempenhar o seu papel.
– Primeiro eu acredito que precisaria tomar conhecimento exato sobre o mesmo, não é? Qual seria o meu papel, zon iid Gwydionn?
– Meu vazer e minha bazer sempre me ensinaram que uma guerra não é vencida somente com armas ou guerreiros. No entanto, acima de tudo, com sonhos, amor e fé. Esse é o seu dom, sann. O nom é um ayehdomann. O bardo sagrado. Veículo da voz e da palavra de Djannyn, a deusa da música e das mensagens dos deuses. E, de acordo com o que meu vazer acreditava, o nom é o maior de todos os ayehdomann. Este é o seu papel.
Sempre me surpreendia lembrar que Gwydionn realmente pensava assim...
– Sabe que há muito tempo pendurei a minha guitarra, jovem kirann Gwydre. Não sou mais um ayehdomann, embora tenha sido o seu preceptor e de Gween. Existem certamente muitos outros jovens mais talentosos e mais afiados para esse tipo de coisa em sua corte.
– Não há ninguém melhor, sann. Além disso, o nom esteve ao lado de minha bazer e de meu vazer. Não quero alguém que componha apenas uma canção especulativa ou meramente estética sobre os tempos que virão. Ou sobre a honra de nossos guerreiros. Para isso bastariam meros bardos que nada sabem sobre o que o senhor e meus pais viveram. Destes skiterine encontramos por aí aos borbotões. Todos ávidos por alguma migalha em troca de qualquer verdade inventada... – Gargalhei sutilmente. Nesses momentos o sangue Gwydionn se mostrava no tom de voz, vocabulário e nos mínimos gestos do jovem kirann. – Quero que o nom conte a história de como nosso reino se edificou. Quero que o nom narre os feitos do passado, conte tudo sobre minha bazer e meu vazer. Relembre ao nosso povo sobre nossas raízes, sobre como fomos criados. Lembre-os da força que temos para não permitirmos que mais uma onda de corrupção e tirania nos assole. Porque não há poder maior do que o dos sonhos e do amor. Quando estivermos reunidos com o nosso povo amanhã, para anunciar a batalha final, cante sobre tudo o que o nom presenciou, cante sobre o amor e a fé. Porque, como meus pais sempre diziam: é disso que os sonhos são feitos.
Não se adquire um bom vocabulário com a leitura de livros escritos conforme uma ideia do que seja o vocabulário da faixa etária do leitor. Ele vem da leitura de livros acima da sua capacidade. (J.R.R. Tolkien) Há três modos de ler esse livro
Saibam, ó sekhairiannos, que nos dias que seguiram após o primeiro dia da “conquista da liberdade”, um novo mundo, renascido das cinzas do de outrora, se formava pouco a pouco. Um mundo em que novamente os reinos podiam respirar em paz, cientes de que nenhum outro império unificador e tirano ameaçaria suas liberdades novamente. Um mundo em que as tradições renovavam suas forças e pais e filhos voltavam a serem simplesmente pais e filhos sem uns se voltarem contra os outros. Um mundo livre que lhes foi oferecido de presente à custa das vidas de inúmeros heróis e sonhadores que não tiveram medo de dizerem a verdade e lutarem por ela. Um paraíso edificado à sombra da coragem, do amor, da justiça e da espada. Um mundo gerado por lendas vivas que jamais se acovardaram diante do mal, jamais aceitaram sua corrupção e o enfrentaram
Nasci em Laguna Argenta. Um pequeno vilarejo de pescadores nas cercanias de Sellenia, ao extremo oeste do imenso território de Diaphanes, a terra das inesgotáveis minas do precioso uldhamus. Por origem, sou um luxx feer. Nosso povo, em sua maioria, vive entre o grande Oceano Feérico e a região dos grandes lagos do oeste, que são atravessados pelo Rio Hambiz. Graças à deusa Gehtarah, sempre fomos um povo abençoado pelas águas que nos provém com tudo de que precisamos. Nossas terras são férteis e nossa agricultura é rica. Além disso, como eu já citei anteriormente, especialmente em meu vilarejo nós sempre fomos e ainda somos muito voltados para a pesca e atividades marítimas.Como estamos separados de Balthus Zeminn (uma das principais cidades satélites de Sellenia) por mais de duzentos potheoth (quilômetros), e nossos re
Meu nome é Koverdall Thavidzon. Eu fui um ayehdomann, eu fui um bardo e acabei me tornando um bom lutador. Eu cavalguei com as lendas e vi de perto os maiores guerreiros de todos os tempos travarem batalhas inimagináveis, tão grandiosas quanto a batalha travada por Heinnthal e suas tropas divinas contra os devannyr, frente aos portões de Walshavalla.Vim narrar, para vocês, a história que nunca foi contada. A verdadeira história dos heróis que mudaram o destino de Sekhairiann. Porque eu estava entre eles. Eu abandonei minha guitarra e empunhei uma espada para fazer parte de uma orquestra incomparável. Ouvi e ajudei a executar a sinfonia do clamor de espadas, escudos e todas as armas. Ajudei a compor a canção mais bela da história de nosso mundo. A canção que ficará imortalizada e que comoverá todos os deuses no dia em que Emann resolver iniciar o ju
Menamamunn assim foi batizada por causa de seus vastos campos de grama verde e cheirosa. A terra das incontáveis manadas de mamunnene. Um território composto por centenas de fazendas e alguns raros e pequenos vilarejos. Uma terra estritamente rural, na qual os diaphanesianos (nativos de Diaphanes, território que abriga o reino de Sellenia) buscavam a tranquilidade da vida em contato com a natureza, dedicando-se à criação de mamunnene, equinodonne, capriorniuse, suinnene, rhitujine, as aves ovíparas ulhodrine e outros mais. Terra em que, mesmo durante Kurishay, a estação mais fria do ano, ainda assim mantinha um clima que permanecia sempre agradável.Era o mês de Paliknny, do ano de 1016. Udrer Zondrakk e seus dois filhos, Gwydionn e Twyrann, cavalgavam por Ywrrynnlünd, nome com o qual fora batizada a fazenda da família
Gehtarynn, 1018.“Meu nome é Annahk Thennoryah, zon iid Sannyria, jon iid Kazenarad, filha sagrada de Kirasynn, a deusa da luz sagrada. Destinada a ser uma ptherynn...”– Ahh! Isso não está nada bom... – Reclamei, amassando a folha recém-escrita e jogando-a em um canto, juntamente com outras dezenas de bolinhas de papel. – Como é que eu vou fazer essa redação? Tudo me parece tão fútil e tão sem finalidade...Batidas na porta do quarto me alertaram, assustando-me ao espantar todas as minhas divagações.– Annahk, filha. Você já terminou sua lição? – Perguntou uma voz incisiva do outro lado da porta.– Estou quase lá, bazer!Olhei para o montante de bolinhas pelo chão e tratei de recolhê-las e colocá-las na cestinha de lixo, a
Estava ela lá. Dadar...Sentada na varandinha de seu casebre, com o sol batendo apenas em suas pernas. Como sempre, tentando perfurar com seus olhos vazios o véu para outros mundos que ninguém mais via. A eldrenn sempre fora quase muda, além de cega. Muda, muda exatamente não... Fora quase muda para a maioria do povoado desde que se lembrassem dela.Quase não sorria. Tinha uma expressão sempre perdida em devaneios, talvez meio distante de Midharenn, vagando em mundos secretos e invisíveis. Não era como os outros cegos que pareciam esforçarem-se para enxergarem aquilo que nunca conseguiriam, tateando o ar com o nariz. Os músculos de seu rosto estavam sempre em paz com o ambiente, sem precisarem enfrentá-lo na busca desesperada de algo. Ela parecia cega antes mesmo de nascer, como se não tivesse nunca imaginado que os outros pudessem enxergar.Na verdade talvez nem
Thalitynn, 1017.O céu vermelho em Hadennor estrondava. Ameaçando, provocando, conclamando as tropas à que desfiassem seu terreno mortal e hostil. A tempestade castigava os invasores. Lavava suas feridas, encharcava suas armaduras, embotava sua visão deixando o solo pastoso e impossível para que equinodonne (a espécie equina de Sekhairiann), qyeratotherione (animal semelhante ao rinoceronte), loxodontene (um tipo de gigantesco mamute encouraçado com três trombas), struthiotyne (ave bastante parecida com o avestruz) e demais tipos de montarias pudessem prosseguir em sua marcha.Kaetann Vallais, o bardo, entoava uma canção monótona e irritante, na qual fazia trocadilhos insossos, cacarejando ao narrar a grande aventura das tropas que resolveram fazer uma empreitada independente contra Balluth.Do alto de seu equinodonn ele (o suposto líde