Saibam, ó sekhairiannos, que nos dias que seguiram após o primeiro dia da “conquista da liberdade”, um novo mundo, renascido das cinzas do de outrora, se formava pouco a pouco. Um mundo em que novamente os reinos podiam respirar em paz, cientes de que nenhum outro império unificador e tirano ameaçaria suas liberdades novamente. Um mundo em que as tradições renovavam suas forças e pais e filhos voltavam a serem simplesmente pais e filhos sem uns se voltarem contra os outros. Um mundo livre que lhes foi oferecido de presente à custa das vidas de inúmeros heróis e sonhadores que não tiveram medo de dizerem a verdade e lutarem por ela. Um paraíso edificado à sombra da coragem, do amor, da justiça e da espada. Um mundo gerado por lendas vivas que jamais se acovardaram diante do mal, jamais aceitaram sua corrupção e o enfrentaram também sem medirem as consequências.
E infelizmente, como de praxe, não tardou alguns dias sequer, após a grande e histórica batalha na Ilha de Telpkyr, para que bardos por todas as partes do mundo brotassem sabe-se lá de onde e começassem a cantar sobre Gwydionn Zondrakk e Annahk Thennoryah; seus feitos, sua vida, e sua luta final contra o Imperador Balluth Holl Thelurgif, O Corruptor. Eles cantaram as batalhas, os períodos de esperança e desesperança. Cantaram o amor e os sonhos. Mas, eles não estavam lá. Eu sim!
Eu preferi não cantar. Pendurei minha guitarra à sombra de um salgueiro e decidi que não mais cantaria. Justamente porque eu estive com Gwydionn e Annahk. Repito: eu estive com Gwydionn e Annahk. Eu acompanhei os Zondrakk em suas batalhas, em suas vitórias, em seus momentos melhores assim como também nos mais difíceis e eu até mesmo empunhei uma espada para ajudar a defender meus companheiros. Eu vivi a aventura. Eu senti o gosto do sangue escorrer pelos meus lábios e sua temperatura por vezes morna, por vezes gelada. Eu vi a crueldade e senti o cheiro da morte em meio aos campos de batalha. Também vi a compaixão e a força da fé. Eu vi meros jovens enfrentarem deuses traidores caídos e chytrall (sei que sou repetitivo...). Eu os vi vencer. Eu percebi que a maioria dos poetas não sabe nada sobre essa realidade. E que, para explicitar todas as coisas que presenciei, uma mera canção seria pouco, seria injusta. Preferi não mais cantar.
Não culpo nossos bardos. Não, não os culpo em verdade. Há muitos entre eles que sim são honestos e dignos, todavia foram mal acostumados a retratarem a maquilagem de verdade que existe apenas em suas visões embotadas. Muitos até conseguiram enxergar através do véu de mentiras e corrupção que antes se instaurara em nosso mundo, no entanto estes não encontravam também ouvidos limpos para que pudessem verter sua pureza. Eu preferi me afastar e buscar a poesia no amor e na construção de uma família.
Porém, após tantas décadas, quando a paz em nosso mundo vê-se ameaçada novamente, e os swannimane de toda Sekhairiann precisam de uma esperança, de um mito, de um herói que insufle seus corações e almas com a coragem e a verdade, para que estas se convertam em aço e espadas; percebo que chegou a hora de cantar a mais bela canção, a mais verdadeira, sobre os heróis que caminharam por este mundo, e que foram nossos pares. Uma história sobre o poder do amor e da fé. Uma história sobre o poder da amizade e da honra.
Vou cantar os vultos do passado para que, onde quer que eles estejam, escutem a minha voz, escutem as preces de seu povo. Que eles e que todos nós possamos escutar mais uma vez o brado de guerra do maior de todos os hyerogladius, o maior de todos os guerreiros; convocando-nos novamente ao combate pela honra, pela verdade, pela glória, pela liberdade e pelo amor.
Meu nome é Koverdall, e esta é a história de um jovem camponês feer que viveu toda a sua vida lutando pelos seus sonhos e preparando-se para morrer em nome do amor. E é também a história de uma ejissann que soube desafiar o seu próprio destino e gerar uma nova realidade mundial.
Esta é a história do imenso amor entre um garoto errante que se tornou rei e de uma rainha que já foi escrava.
Esta é a história de um bando de jovens que ousou mudar o futuro com a força de seus sonhos e a fé na verdade.
Nasci em Laguna Argenta. Um pequeno vilarejo de pescadores nas cercanias de Sellenia, ao extremo oeste do imenso território de Diaphanes, a terra das inesgotáveis minas do precioso uldhamus. Por origem, sou um luxx feer. Nosso povo, em sua maioria, vive entre o grande Oceano Feérico e a região dos grandes lagos do oeste, que são atravessados pelo Rio Hambiz. Graças à deusa Gehtarah, sempre fomos um povo abençoado pelas águas que nos provém com tudo de que precisamos. Nossas terras são férteis e nossa agricultura é rica. Além disso, como eu já citei anteriormente, especialmente em meu vilarejo nós sempre fomos e ainda somos muito voltados para a pesca e atividades marítimas.Como estamos separados de Balthus Zeminn (uma das principais cidades satélites de Sellenia) por mais de duzentos potheoth (quilômetros), e nossos re
Meu nome é Koverdall Thavidzon. Eu fui um ayehdomann, eu fui um bardo e acabei me tornando um bom lutador. Eu cavalguei com as lendas e vi de perto os maiores guerreiros de todos os tempos travarem batalhas inimagináveis, tão grandiosas quanto a batalha travada por Heinnthal e suas tropas divinas contra os devannyr, frente aos portões de Walshavalla.Vim narrar, para vocês, a história que nunca foi contada. A verdadeira história dos heróis que mudaram o destino de Sekhairiann. Porque eu estava entre eles. Eu abandonei minha guitarra e empunhei uma espada para fazer parte de uma orquestra incomparável. Ouvi e ajudei a executar a sinfonia do clamor de espadas, escudos e todas as armas. Ajudei a compor a canção mais bela da história de nosso mundo. A canção que ficará imortalizada e que comoverá todos os deuses no dia em que Emann resolver iniciar o ju
Menamamunn assim foi batizada por causa de seus vastos campos de grama verde e cheirosa. A terra das incontáveis manadas de mamunnene. Um território composto por centenas de fazendas e alguns raros e pequenos vilarejos. Uma terra estritamente rural, na qual os diaphanesianos (nativos de Diaphanes, território que abriga o reino de Sellenia) buscavam a tranquilidade da vida em contato com a natureza, dedicando-se à criação de mamunnene, equinodonne, capriorniuse, suinnene, rhitujine, as aves ovíparas ulhodrine e outros mais. Terra em que, mesmo durante Kurishay, a estação mais fria do ano, ainda assim mantinha um clima que permanecia sempre agradável.Era o mês de Paliknny, do ano de 1016. Udrer Zondrakk e seus dois filhos, Gwydionn e Twyrann, cavalgavam por Ywrrynnlünd, nome com o qual fora batizada a fazenda da família
Gehtarynn, 1018.“Meu nome é Annahk Thennoryah, zon iid Sannyria, jon iid Kazenarad, filha sagrada de Kirasynn, a deusa da luz sagrada. Destinada a ser uma ptherynn...”– Ahh! Isso não está nada bom... – Reclamei, amassando a folha recém-escrita e jogando-a em um canto, juntamente com outras dezenas de bolinhas de papel. – Como é que eu vou fazer essa redação? Tudo me parece tão fútil e tão sem finalidade...Batidas na porta do quarto me alertaram, assustando-me ao espantar todas as minhas divagações.– Annahk, filha. Você já terminou sua lição? – Perguntou uma voz incisiva do outro lado da porta.– Estou quase lá, bazer!Olhei para o montante de bolinhas pelo chão e tratei de recolhê-las e colocá-las na cestinha de lixo, a
Estava ela lá. Dadar...Sentada na varandinha de seu casebre, com o sol batendo apenas em suas pernas. Como sempre, tentando perfurar com seus olhos vazios o véu para outros mundos que ninguém mais via. A eldrenn sempre fora quase muda, além de cega. Muda, muda exatamente não... Fora quase muda para a maioria do povoado desde que se lembrassem dela.Quase não sorria. Tinha uma expressão sempre perdida em devaneios, talvez meio distante de Midharenn, vagando em mundos secretos e invisíveis. Não era como os outros cegos que pareciam esforçarem-se para enxergarem aquilo que nunca conseguiriam, tateando o ar com o nariz. Os músculos de seu rosto estavam sempre em paz com o ambiente, sem precisarem enfrentá-lo na busca desesperada de algo. Ela parecia cega antes mesmo de nascer, como se não tivesse nunca imaginado que os outros pudessem enxergar.Na verdade talvez nem
Thalitynn, 1017.O céu vermelho em Hadennor estrondava. Ameaçando, provocando, conclamando as tropas à que desfiassem seu terreno mortal e hostil. A tempestade castigava os invasores. Lavava suas feridas, encharcava suas armaduras, embotava sua visão deixando o solo pastoso e impossível para que equinodonne (a espécie equina de Sekhairiann), qyeratotherione (animal semelhante ao rinoceronte), loxodontene (um tipo de gigantesco mamute encouraçado com três trombas), struthiotyne (ave bastante parecida com o avestruz) e demais tipos de montarias pudessem prosseguir em sua marcha.Kaetann Vallais, o bardo, entoava uma canção monótona e irritante, na qual fazia trocadilhos insossos, cacarejando ao narrar a grande aventura das tropas que resolveram fazer uma empreitada independente contra Balluth.Do alto de seu equinodonn ele (o suposto líde
Dhornnith, 1018. Sem esperar, ejunn Gannemar, o theores ayehdomann, fora acordado no meio da noite. Sequer teve tempo para que completasse, decentemente, sua higiene própria. A guarda sacerdotal de Sellenia, os hagor kirathenn, praticamente puseram sua porta abaixo. Algo de muito importante deveria estar acontecendo. Mal abriu a porta, o kiptchonn (capitão) da guarda, Awderann Zolanbuhr, quase o atropelou.– Nom kyhonn ejunn Gannemar! Nirynn deevann eej thivann iid Emann (Vida eterna na glória de Emann)! Desculpe o jeito rude. Contudo, a bazer kirathenn exige sua presença imediatamente.– Humm... Emann law-sinn-bah ho siseh thivann mijl (Emann foi-será sua própria glória)! Sem problemas com o seu jeito rude, kiptchonn Awderann. – Emitiu uma risadinha aguda e curta. – Às vezes ate gosto. Tenho
Dhornnith, 1018.Ywrrynnlünd, a fazenda da família Zondrakk em Menamamunn anoitecia serena. Udrer sorria docemente ao perceber que Gwydionn e Twyrann ainda estavam em êxtase por causa da visita de seus primos e amigos, que tinham vindo dois dias atrás, para a ocasião do aniversário de Gwydionn.A última caravana, a de seu irmão Alder Zondrakk, retirou-se quase ao cair da noite. Os pupinne passaram a tarde inteira, entretidos em passeios à cachoeira, cavalgadas e jogos de adivinhação propostos por Annzschor.Daurann, Annahk, Haylah, Liryath e Lussidith também estavam entre os pupinne, que emprestavam vigor e alegria à fazenda. Enquanto eles se divertiam, os kiranne Alder de Hemporia e Ethannor de Sellenia, o Dux Gladium Other, O primeiro general de Munnobohria Arganthus Muk’rinn e seu filho Anmdall (que na época já era um macho ad