§ Capitulo 1 §

Abro a porta do meu apartamento e quase tenho um ataque cardíaco. Lá estava ele, sentado no tapete com toda a pompa e circunstância, olhando para mim como se dissesse: "Finalmente, onde você estava?". Era sombra, o magnânimo gato da raça Maine Coon que, aos dois anos de idade, governa meu apartamento com uma pata de ferro... ou seria uma pata de veludo?

Seu olhar acusador, sem dúvida, era por conta do horário tardio. E, julgando pela bagunça na sala, tenho certeza de que ele e a Pantera, minha outra gata da mesma raça, fizeram uma rebelião por falta de ração.

Ah, esses felinos, sempre tramando algo!

Desfaço-me dos meus saltos, que estavam me torturando, e jogo minha bolsa no sofá de dois lugares. Em seguida, encaro a cozinha, onde reponho a ração e a água dos verdadeiros donos da casa. Ainda preciso levá-los para passear; caso contrário, não terei paz para dormir esta noite.

No meu prédio, cachorros são proibidos por causa dos latidos e barulhos, segundo a síndica. Mas ninguém disse nada sobre leões domésticos, não é mesmo?

Enquanto me dirijo ao banheiro, preparo-me para um banho digno de um spa de luxo. Afundo-me na água, deixando para trás todo o tumulto do dia. Provavelmente perco a noção do tempo, como sempre acontece quando estou na banheira, mas sou trazida de volta à realidade quando a campainha decide competir com uma orquestra sinfônica.

Com um suspiro, saio da banheira e me envolvo no roupão, tentando desembaraçar meus cabelos agora encharcados. Com certeza, alguém deveria estar à beira da morte lá fora para tocar a campainha tão insistentemente.

Abro a porta e sou atingida por um furacão ruivo, acompanhado pela típica energia contagiante da minha vizinha de porta e amiga desde os tempos de colégio, Summer. Ela tem a personalidade de um Golden Retriever - a animação dela é tão contagiante quanto um surto de boas energias.

— Pensei que já estivesse pronta. — Summer me encara dos pés à cabeça com uma expressão que poderia ser decifrada apenas por um especialista em hieróglifos.

Eu realmente não me lembrava de ter planejado nada para essa noite.

— Pronta para o quê?

— É o aniversário da Sammy hoje, você esqueceu, Lívi? — ela diz, parecendo genuinamente decepcionada. — Mas não tem problema, você ainda tem tempo para se arrumar. — Ela me empurra em direção ao meu quarto com uma empolgação digna de um comercial de energético.

Summer tem uma irmã mais velha, com apenas um ano de diferença entre elas, mas muitos confundem as duas como gêmeas devido à semelhança física. Samantha, ou Sammy, como a chamamos, é basicamente um pinscher raivoso em forma humana, se dando bem com pouquíssimas pessoas e detestando o restante do mundo.

Não posso culpá-la, eu a entendo perfeitamente.

— Eu realmente não quero ir. — digo, tentando resistir antes de ser arrastada para dentro do quarto pela furacão ruiva chamada Summer.

— Não perguntei se você queria ir, você vai. — Summer invade meu quarto com a determinação de uma general em missão, abrindo meu guarda-roupa como se fosse seu direito divino.

As roupas espalhadas pela cama contrastavam com a determinação de Summer em encontrar o conjunto perfeito que, segundo ela, me transformaria numa deusa grega. Enquanto ela vasculhava meu guarda-roupa, uma parte de mim ansiava pelo sono profundo de Morfeu, desejando apenas despertar na manhã de segunda-feira. Porém, como sempre, os planos de Summer tinham outros rumos para nós naquela noite.

— Onde será a festa? — indaguei, cedendo à curiosidade e me dirigindo até a penteadeira no canto do quarto. Para quem tem cabelos cacheados, como os meus, manter a ordem naquela juba é uma tarefa e tanto.

— Em uma boate no centro. Se não me engano, meu novo cunhado é o dono — ela respondeu com a maior naturalidade do mundo.

— Novo cunhado? — minha surpresa transpareceu enquanto aplicava uma maquiagem rápida.

— Também fiz essa cara quando Sammy me contou. Eles estão juntos há menos de um mês — ela deu de ombros, revirando meu guarda-roupa em busca do traje perfeito.

— E o que aconteceu com aquele... como era mesmo o nome dele?

— Daniel?

— Esse mesmo.

— Samantha e ele brigaram e ela terminou. Conhece minha irmã o suficiente para saber que ela troca de homem igual troca de roupas, amiga — ela concluiu com um toque de sarcasmo.

Summer estava certa. Samantha sempre foi desapegada quando se tratava de relacionamentos, atribuindo sua agenda atribulada como desculpa para não se envolver profundamente. Eu, particularmente, preferia não julgar. Concluí a maquiagem, destacando meus olhos e adotando uma tonalidade mais discreta nos lábios. Enquanto isso, Summer desenterrava um vestido esquecido no fundo do guarda-roupa, cujo comprimento me deixava um tanto desconfortável. Conhecendo bem minha amiga, sabia que ela não descansaria até que eu cedesse aos seus caprichos, então, me vesti rapidamente.

— Não pretendo ficar a noite toda, talvez no máximo até as duas da madrugada.  — digo enquanto calço meus saltos.

— três. 

— Summer. — Digo seu nome olhando feio para a mesma que por sua vez, da um sorriso vencedor.

— Três e meia?

— Três horas e ponto final.

— Tudo bem, quatro horas e não se fala mais nisso. 

Ela diz sorrindo enquanto nos dirigimos a saída do apartamento,  checo tudo e vejo se meus gatos tem ração e água suficiente para a madrugada, quando chego na sala percebo que ambos estão dormindo cada qual em um sofá diferente.  Ainda me pergunto porque diabos eu gasto com cama se eles não usam.

~▪︎~

Ao entrar na boate na companhia de Summer, fui envolvida por uma explosão de luzes coloridas e batidas pulsantes. A pista de dança tremia sob meus pés enquanto corpos se contorciam em uma dança hipnótica. O ar estava impregnado com uma mistura embriagante de perfumes e energia elétrica. Ao meu redor, grupos de pessoas conversavam animadamente enquanto garçons ágeis serviam drinks reluzentes no bar.

Summer me arrastou em direção às portas duplas que haviam nos fundos da boate. Esbarramos em algumas pessoas, o que já era de se esperar, e juro que pude sentir uma ou outra mão boba de idiotas que acham que podem passar a mão em qualquer mulher que veem pela frente.

Dois seguranças enormes guardavam as portas que provavelmente davam para uma área privada do local. Summer deu nossos nomes e, obviamente, nossa passagem foi liberada. Seguimos por um corredor iluminado por luzes aparelhadas e com paredes em tons escuros.

Ao passar novamente por portas duplas, nos deparamos com uma espécie de área VIP, o que não era muito diferente do ambiente em que estivemos poucos minutos atrás. A música estava alta, pessoas se esfregavam umas nas outras, havia bebidas à vontade e mesas cercadas por drogas. Sim, drogas: pó, comprimidos, erva e outros diversos tipos aos quais eu sequer sabia o nome. Estavam expostas para quem quisesse ver ou experimentar.

— Há jeito mais fácil de morrer do que uma overdose — resmunguei ao lado de Lívia, e ela soltou uma gargalhada diante das minhas palavras.

— Você quer dizer sobre duas rodas? — ela perguntou enquanto nos dirigíamos a uma mesa onde Samantha estava com algumas pessoas.

— É bem mais emocionante — dei de ombros e ouvi sua risada novamente.

Nos aproximamos e automaticamente Samantha se levantou ao nos ver chegando, vindo em nossa direção e nos abraçando em uma espécie desajeitada de abração triplo.

— Achei que não viriam — ela disse assim que nos soltamos, fazendo uma careta para nós duas.

— Não me olhe assim, Lívia havia se esquecido — disse Summer com sarcasmo, fazendo-me revirar os olhos e Samantha rir do nosso comportamento.

— Eu entendo, Livi. Há momentos em que nem eu mesma aguento minha irmã — ela disse rindo e nos puxando em direção à sua mesa. — Venham, quero apresentá-las ao meu noivo e ao seu irmão.

Ela disse com entusiasmo, nos arrastando até onde dois homens conversavam em um canto.

— Achei que você tivesse dito que eram namorados — murmurei próxima a Summer, e ela deu de ombros. — Você sequer o conheceu, acertei?

— Você não viria se eu tivesse dito que não o havia conhecido — ela deu de ombros.

— Obviamente, levando em conta que da última vez quase fomos presas porque seu cunhado na ocasião era um traficante. Bastante procurado pela polícia local — murmurei com certa indignação e ouvi a risada exagerada da minha amiga.

Ter uma melhor amiga é algo épico na vida, ter a Summer como melhor amiga é saber que vocês irão sair para lugares de procedência duvidosa sem a menor chance de segurança e sem saber se irão ou não voltar vivas.

Ela abriu a boca para responder, mas não deu tempo. Quando vimos, estávamos na frente de dois homens bem vestidos e meu coração quase saltou pela boca quando percebi quem um deles era.

— Garotas, esses são Mason e Christopher Miller — Samantha disse com empolgação ao nos apresentar. — Mason, Chris, essas são Summer, minha irmã, e Lívia, uma amiga de infância.

Eu realmente devo ter feito algo muito ruim na minha vida passada para estar pagando por todos os meus pecados dessa forma.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo