Cinco dias antes do "Baile"
HENRICOEnxugava a minha navalha quando um barulho chamou minha atenção e interrompeu meus movimentos. Escuto atento, com os nervos já tensionados. O barulho perceptível de uma carruagem se aproximando me fez deixar o objeto que usava sobre a pia, pego uma toalha e, enquanto enxugo o meu rosto, uma batida na porta ecoa pelo ar.Deixei a sala de banho, indo em direção à porta, assim que a mesma foi aberta meus olhos ficaram fixos em uma figura de estatura baixa, pele enrugada e com uma expressão grave, "Alfred".— Vossa Graça, acabou de chegar uma visita.— Seja quem for o infeliz, diga-lhe para voltar numa hora decente.— Meu senhor, é um mensageiro do Palácio de Buckingham.— Que inferno! — digo, mas estava plenamente consciente naquele momento de que ninguém seria enviado pela rainha para me informar de alguma futilidade.— O que devo dizer Vossa Graça?— Vou terminar o meu banho. Diga-lhe para esperar.Minutos depois, de banho tomado, caminhei até o meu roupeiro. Mesmo depois de tudo que me aconteceu, dos fantasmas que me atormentam até hoje, não deixei de aproveitar o luxo e não os poupo ao me dar uma vida de conforto, grandeza e esplendor. Eu sou poderoso, podendo e fazendo tudo que me agradar. Infelizmente quase todos que estão a minha volta são incompetentes. Batalhei pelo que possuo hoje, me tornando a cada dia, um homem frio e implacável, porém, respeitado. Sei que por trás, às minhas costas, me chamam de o duque perverso, porém, meu império não vive de caridade e seja quem for o infeliz que cruzar o meu caminho, não pensarei duas vezes antes de enviá-lo ao inferno.Afasto os pensamentos e deixo o meu quarto, atravessando o corredor rumo ao ambiente onde o desconhecido me aguardava. Ao descer a escada, meu olhar atento se voltou para o homem de trajes refinados, e assim que ele notou minha presença, sua voz se fez presente.— Bom dia, Vossa Graça, duque de Gordon.— Bom dia! Por que está aqui? — se tem uma coisa que odeio, são as pessoas que não vão logo diretamente ao que desejam e ficam fazendo rodeios. Com as mãos hesitantes e um tanto trêmulas, o homem estendeu um pequeno envelope em minha direção, observei que tinha o selo real, segurei e então ele disse:— Daqui a cinco dias haverá um grande baile no Palácio de Buckingham. A própria rainha Alexandrina Vitória Regina, solicita sua presença.Com os olhos fixos no envelope em minhas mãos, a minha vontade era amassar o papel e jogar bem longe, porém, uma sensação totalmente desconhecida pairou sobre mim, era como se uma força muito maior que tudo que já houvesse sentido, me forçasse a aceitar aquele convite e sem que eu pudesse controlar, as palavras saíram dos meus lábios.— Diga-lhe a Her Majesty a rainha Vitória, que estarei presente.— Com a sua permissão Vossa Graça, irei me retirar.Depois que o homem sumiu do meu campo de visão, um único pensamento pairou em minha cabeça."Porque depois de seis anos vivendo isolado de todos, me senti impelido a aceitar em ir a esse baile, e por que essa sensação pairou sob mim?”Enquanto isso em Edimburgo - Escócia...ANNABELLAOuço uma batida na porta. Eu ainda estava deitada, enrodilhada entre as cobertas, com os olhos fechados, a mente enevoada e sonolenta, rezando para conseguir voltar a dormir. No entanto, as batidas se repetiram de maneira mais insistente.— Menina Anna?Sento-me abruptamente, tirei as cobertas para o lado e corri para abri-la.— Bom dia, menina Anna! Desculpe-me por acordá-la.— Bom dia Betha! Eu já estava acordada.— Você precisa tomar logo o seu banho. Lord Watson solicita sua presença com urgência na sala para acompanha-lo no dejejum.Suspirei ao sentir um calafrio percorrer por todo o meu corpo. Há dias não vejo o meu pai, para ser sincera, ele odeia minha presença, sempre vive bêbado e profere palavras que de início, eu não entendia por ser só uma criança, mas com o tempo, eu compreendi que o homem que me deu a vida, não tem nenhum sentimento bom por mim.Bethany é a minha mãe do coração. Sempre cuidou de mim, desde o momento que vim ao mundo. É a única pessoa que sempre demostrou ter algum afeto pela minha pessoa, por anos a chamei de mãe, até que o meu pai me proibiu de chamá-la assim.Deixo os meus pensamentos de lado e caminho em direção à sala adjacente, enquanto ela estava arrumando a minha cama desfeita. Alguns minutos depois, já havia tomado um banho rápido, algo que não era muito comum nessa época, já que as pessoas viviam fedendo a suor, e acabavam por banhar somente uma vez na semana, ao contrário de mim que não conseguia manter esse costume de ficar por dias somente fazendo escalda-pés ou um simples asseio matinal. Volto para o meu quarto usando um roupão de seda, cor de safira.Apressei-me a me vestir, não queria fazer meu pai esperar muito e despertar ainda mais sua ira. Enquanto eu enfiava os braços nas mangas, Betha estava ocupada com os botões minúsculos que seguravam o vestido.Vestida, mas trêmula interiormente, saí dos meus aposentos e logo estava caminhando pelo longo corredor que dava acesso a sala principal. Comecei a descer as escadas. As luzes das primeiras horas da manhã atravessavam a janela decorativa acima da porta da frente, refletindo-se através do lustre de cristal.Não demorou muito para meus olhos ficarem fixos no homem que por anos se mantém afastado de mim, com uma coragem que não sentia, continuei caminhando, mas me detive ao ouvir o meu nome. Fiz uma reverência e o cumprimentei:— Bom dia, Milorde.Ele direcionou o olhar para mim, me analisando de cima abaixo. Meus batimentos começaram a ficar mais intensos. Ele fez um gesto com a cabeça e sorriu, o que deu alguma ternura às feições severas, fazendo o meu coração se alegrar.— Sente-se! Temos muito que conversar.“Depois de muitos anos, será que finalmente o meu pai vai começar a me tratar como sua filha?”Um turbilhão de pensamentos se fazia presente em minha mente, porém, ouvir as palavras que saíram por entre os lábios do homem a minha frente, me deixou estarrecida.— Amanhã iremos para a Inglaterra. Um baile acontecerá no Palácio de Buckingham e será a minha única chance de sair do buraco em que me encontro. Desde o maldito dia que você veio ao mundo, só trouxe desgraça para esta casa e para minha vida. Agora chegou o momento de me pagar por todo o mal que trouxe ao nascer.Trêmula, abri minha boca, mas nenhum som saiu dos meus lábios. Sem que eu pudesse controlar, as lágrimas desciam pela minha face, sentia meu corpo agitado e meu coração batia descompassado. Meu peito queimava com as palavras que não paravam de ecoar em minha mente. Saio do estado estático que me encontrava quando ele volta a falar.— Todos os homens de grande influência do Reino Unido estarão presentes, e você terá que ter pelo menos alguma utilidade nessa vida. Foi por sua culpa que cheguei até a beira do precipício. Com a beleza que tem, de certo despertará o interesse de alguém que aceite o que tenho em mente.O meu próprio pai me via como um objeto, sua avareza só era superada pela sua crueldade. Ele não conseguia enxergar nada além das suas próprias necessidades e desejos. Movida por uma raiva que até eu desconhecia, levantei o olhar, encarando-o.— Nada que o senhor fizer vai me machucar mais do que já não tenha feito. Tive uma infância incomum, a única pessoa que eu tinha em meio à solidão, foi a Betha, no entanto, se o que lhe fará feliz é me ver bem longe, se o meu nascimento trouxe tanto sofrimento para o senhor. Eu farei o que deseja e não importa o que aconteça nesse baile, tudo que não quero é ficar mais ao seu lado.Antes que eu tivesse qualquer outra reação, senti minhas bochechas queimarem, o estalo do impacto da enorme mão do meu pai, com a minha pele, ecoou no cômodo. Suas órbitas esverdeadas demostravam, assim como suas palavras, o ódio que sentia pela minha existência.Quando seus lábios se mexeram e ele ia dizer algo, Betha adentrou o ambiente, ao olhar para o meu rosto, seus olhos logo se encheram de lágrimas. O silêncio predominou no ambiente até o momento que o homem a nossa frente perguntou o que ela queria.— A costureira trouxe o vestido que o senhor encomendou e veio fazer os ajustes necessários.— Leve essa infeliz junto com você e trate para que o vestido fique perfeito, realçando todos os atributos dela.Assim que ele terminou de proferir suas últimas palavras, se retirou do cômodo. Eu não conseguia me mexer, sentia que a qualquer momento minhas pernas iam fraquejar, levando-me ao chão. Betha me abraçou, enquanto as palavras proferidas minutos atrás martelavam em minha cabeça."Nada que eu possa encontrar naquele baile, será pior do que tenho vivido durante todos esses anos".Londres - InglaterraDia do baile...ANNABELLADesde o dia que ouvi as palavras do homem que me deu a vida, estou atormentada com tudo isso, desde então, sinto um misto de sensações ruins. Medo! Pânico! Desespero! Todos esses sentimentos apoderaram-se de todo o meu ser. E para completar, foram quatro dias de viagem, os quais me deixaram completamente exausta depois de sacolejar dentro de uma carruagem por estradas de terra. Quando chegamos a Londres, o dia estava ensolarado e a temperatura era agradável.Contemplando a vista pela janela da carruagem, reparei nas inúmeras pessoas andando para lá e para cá, cuidando de suas rotinas diárias. Pedestres e carruagens se moviam pela rua, dividindo o mesmo espaço. Fiquei admirada com um tipo de charrete que abrigava várias pessoas e era puxada por três cavalos, parecia uma espécie de transporte público. Bem que diziam que Londres esbanjava prosperidade. Naquele momento, a nossa carruagem seguia na direção da estrada que nos levaria a
Londres - InglaterraCastelo de BuckinghamANNABELLAEu estava totalmente imóvel, com olhos fixos na direção do homem de beleza perturbadora, que me tirou o fôlego. Ele continuava parado, me encarando, enquanto o outro homem que estava ao seu lado segundos atrás, caminhava em nossa direção. A voz do meu pai me trouxe de volta ao presente.— Annabella, o Lorde Langston ficou encantado com você.Cada olhar dissimulado que o velho babão dava em minha direção, fazia o embrulho em meu estômago aumentar. No entanto, uma voz grave ecoou no ambiente fazendo todos se moverem para identificar a pessoa responsável por aquela voz. O homem vestido de forma elegante, e com um largo sorriso no rosto, que há poucos minutos estava ao lado daquele que fez todo o meu corpo estremecer, se pronunciou.— Boa noite a todos.— Lorde Bingham! — Lorde Langston o saudou com uma expressão não muito agradável, porém, o meu pai que antes estava com atenção focada no velho, voltou sua atenção para o Lorde Bi
Londres - InglaterraNo dia seguinte...LORD WATSONAcordei assim que surgiram os primeiros raios do sol, para ser sincero, eu mal dormi tamanha era a minha ansiedade. Quando chegamos ao baile e logo avistei um grupo de conhecidos, e em seguida ver o interesse do Lorde Langston em Anna, mesmo sendo 40 anos mais velhos que ela, eu vi a chance que tanto esperava. No entanto, logo surgiu o Lorde Bingham, o que deixou tudo mais interessante, porém, jamais esperava encontrar alguém tão importante como o temido Duque de Gordon, que é dono de uma fortuna que só deixa a desejar diante da família real.Não pensei duas vezes em dar permissão ao pedido que foi feito por ele, e ao o ver conversando em meio a dança com Annabella, fiquei um tanto apreensivo, pois temia que a infeliz colocasse tudo a perder. Para minha total surpresa, quando eles se juntaram novamente a nós, e ele me comunicou que gostaria que fosse até sua residência em Londres, eu tive que me controlar para não deixar transparece
Londres - InglaterraANNABELLAUm pouco antes do amanhecer, acordo, sobressaltada. Meu coração estava aos pulos, como se eu tivesse corrido uma grande distância. As cortinas estavam abertas, permitindo a entrada da luz do luar através da vidraça. Respirei fundo, os meus batimentos cardíacos e minha respiração readquiriram um ritmo normal. Esperei um tempo para os meus olhos se ajustarem à iluminação reduzida no ambiente, girando a cabeça para o lado, percebi que Betha ainda estava dormindo. Silenciosamente, me levantei e comecei a andar com passos lentos e regulares em direção a janela, fiquei observando a rua que estava completando deserta. Eu estava inquieta e impaciente. Desde o momento que o meu pai me comunicou do jantar na residência do Duque de Gordon, que as imagens dele surgiram como flashes a minha frente, me tirando o fôlego. Em meio a tantas mulheres lindas naquele baile, é uma sensação única ser alvo de tamanho interesse. E, sobretudo, por um homem tão lindo e tentad
Castelo de GordonANNABELLADias depois...Parada diante da porta dupla que davam acesso ao grande hall do castelo de Gordon. Eu ainda não conseguia acreditar que daqui a alguns minutos, a minha vida mudará para sempre. Mil coisas passavam pela minha cabeça. Meu coração estava disparado e o incomodo que eu sentia na barriga, não ia embora de jeito nenhum.Fecho os meus olhos e meus pensamentos me levam para o dia que recebi a notícia que mudou o rumo da minha vida.Senti o mundo todo girar quando ouvi as palavras proferidas pelo Duque. A princípio fiquei em choque. Com os olhos arregalados, fixos em sua direção. Todo o meu corpo ficou paralisado. Meu coração começou a bater cada vez mais forte, mas em um ritmo constante. O desafio silencioso lançado por mim, provocou a tensão súbita e visível no Duque de Gordon. Um longo instante se passou. Eu estava no automático, suas palavras ecoando em minha cabeça.Não sabia o que dizer ou fazer, porém, fui arrancada dos meus devaneios quando o m
ANNABELLA Com os olhos fixos na imagem a minha frente, fico contemplando a sua beleza. Sua expressão era calma, e vê-lo tão próximo a mim, pude observar melhor os traços em torno da sua face. Henrico tinha uma beleza estupenda, semelhante as dos príncipes que sempre lia nos livros escrito por autoras francesas.Ao contrário do meu esposo que acabou dormindo, mesmo cansada e dolorida, não consegui me entregar ao sono. Era a primeira vez que dormia com alguém no mesmo ambiente que não fosse a Betha e depois de tudo que fizemos horas atrás, mil coisas se passavam pela minha cabeça.Depois da dor infernal que senti, ao ponto de cogitar que seria partida ao meio, um misto de sensações apoderou-se de todo o meu ser, algo dentro de mim vibrava a cada toque dele em meu corpo e mesmo completamente exausta, o meu corpo ainda reagia com a mesma intensidade da primeira vez que ele me possuiu. Eu nunca imaginei que pudesse ser tão despudorada e descarada no auge da paixão, implorando para ele con
ANNABELLANervosa... Dolorida... E com o coração pesado, pois é assim que eu me encontro depois de tudo que aconteceu. Sozinha nesse quarto imenso, e, deitada sobre a enorme cama, coberta pela colcha macia de seda. Estou olhando para o teto, enquanto destrinchava os acontecimentos das últimas horas em minha cabeça.O jeito como ele avançou em cima de mim e segurou em meu pescoço, era como estivesse possuído. Suas órbitas azuis brilhavam com tanta intensidade, sua expressão era assustadora, uma mistura de ódio e confusão, como se estivesse dominado por um misto de sensações ruins. Era como se o homem a minha frente estivesse travando uma luta interna que estava o consumindo por dentro. Quanto ele intensificou o aperto em volta do meu pescoço frágil. Eu senti meus pulmões em chamas, funcionando aos espasmos, minha respiração se tornou escassa e logo uma imensa escuridão me envolveu. Não sei quanto tempo eu permaneci desacordada, mas logo senti algo forte invadindo minhas narinas, e mesm
HENRICOAlguns dias depois...Deixei o castelo assim que surgiram os primeiros raios do sol. Ontem a chuva caiu torrencialmente por toda tarde. À noite houve trovões terríveis e, novamente as lembranças surgiram em minha cabeça, e bastou meus olhos se fecharem, para que os pesadelos voltassem a me atormentar, porém, a voz de um anjo me arrancou das profundezas do meu tormento. Suas órbitas estavam fixas em minha direção, uma mistura de medo e preocupação estava visível através do seu olhar, no entanto, a necessidade de tê-la junto ao meu corpo, me fez puxá-la para mais perto de mim. O seu cheiro, a sua pele, tudo nela me fascina e por mais que eu tente negar, ela é a única que após tantos anos, foi capaz de me proporcionar novamente sentir, mesmo, que seja por algumas horas, uma sensação de paz.Anna, não é só um rosto bonito, a sua simplicidade, a sua inocência são algo que a torna única. Aproveitando que já estávamos acordados, passei o restante da noite me perdendo no meio das suas