Acordei com um silêncio estranho. A cama ainda estava quente do lado dela, o que me dizia que ela não tinha saído há muito tempo. Mas não estava ali. Levantei. O sol começava a cortar pelas frestas da cortina, o cheiro de café fresco já existia. Mas nenhum som de passos. Nenhum sinal de Angeline. Desci as escadas e encontrei a sala vazia. — Angeline? — chamei, mas só ouvi o eco da minha própria voz. Minha mente, já contaminada por tudo que aconteceu, se encheu de desconfiança. Ela nunca saía sem avisar. Estava subindo as escadas, tentando não pirar. Mas já estava com o celular na mão quando ouvi a porta da frente se abrir. Desci em dois segundos. Ela entrou devagar, parecendo querer passar despercebida. Quando me viu, travou. Olhos vermelhos. Corpo tenso. — Onde você estava? — perguntei direto, sem rodeios. — Estava no jardim. — respondeu rápido demais. Mentirosa. Cruzei os braços, encostei na parede e só a encarei. Ela subiu as escadas sem dizer mais nada. Fui atrás. Tinha
Fiz dezoito desejos antes de sair de casa.Nenhum deles se realizou. O restaurante estava perfeito, do jeito que Matteo gostava: exclusivo, luxuoso, com vista para o mar. A noite era quente, o vinho fluía pelas taças, as conversas entrelaçadas com risos abafados. Isabella estava animada com os doces da mesa, Sofia ria com Alessandra e Verônica ao fundo. Ivan observava tudo em silêncio, como sempre. Luigi me lançava olhares silenciosos, protetores. Bianca estava ao lado dele, contida. Giovanni discutia algo em voz baixa com Matteo, que parecia finalmente relaxado depois de dias tensos. E então o mundo parou. Policiais armados, coletes, distintivos.O caos invadiu o salão.Os soldados da máfia já estavam em posição, mas Giovanni levantou a mão, pedindo calma. — Mandado de prisão para Matteo Fontana. — disse o policial da frente, estendendo os papéis. Giovanni tomou os documentos com a frieza que só um subchefe treinado teria. Mas seus olhos… seus olhos procuraram algo no papel. E
Eu já sabia que não ia sair dali. As paredes da cela pareciam mais próximas a cada dia, como se tentassem me engolir. Mas não era o concreto que me esmagava, era a traição. O gosto amargo que não saía da minha boca, por mais que eu cuspisse no chão ou socasse as paredes até os nós dos dedos arderem. Angeline. O nome dela era um veneno que eu não conseguia parar de engolir. Cada vez que pensava nela, meu peito ardia de raiva… e saudade. A promotora apareceu no final da tarde, acompanhada de dois agentes. O terno preto dela estava impecável, o salto batendo seco no chão, e os olhos tão frios quanto os meus já tinham sido um dia. Giulia Bianchi. Claro que eu lembrava daquele sobrenome.O marido dela sangrou até morrer na calçada de um prédio no centro de Palermo. Um erro. Um aviso. Um castigo.Fui eu quem ordenei a execução. Foi o meu nome que ele amaldiçoou com o último fôlego. E agora… ela estava ali.Na porra da minha frente.Com um sorrisinho vitorioso, como se finalmente tiv
O cheiro de Luca ainda era o mesmo. Doce, puro… como se ele ainda estivesse no meu ventre. Ele tinha só um mês. Um mês. E já estava sendo arrancado dos meus braços. — Meu amor… — sussurrei com os lábios tremendo enquanto passava os dedos na bochecha macia dele. — Mamãe te ama. Mais do que qualquer coisa nesse mundo, você sabe disso? Ele resmungou baixinho, os olhos fechados, alheio ao caos que nos cercava. Tão pequeno. Tão frágil.E eu tão impotente. As lágrimas escorriam sem controle. Não tentei conter. Não havia mais dignidade para salvar. — Me perdoa, Luca… me perdoa por não poder te proteger, por não poder ficar. Eu daria tudo para te ver crescer… — minha voz quebrou. — Mas eu fiz isso por você. A assistente social se aproximou. Meu corpo inteiro enrijeceu quando vi os braços dela estendidos. — Não! Só mais um segundo… — supliquei, apertando Luca contra o peito. — Angeline… — Giulia se aproximou com calma, mas firme. — Está na hora. Beijei a testa do meu filho, tentando m
Três meses depois... Três meses.Noventa dias.Dois mil e cento e sessenta horas.Preso. Isolado. Cheirando mofo, sangue e arrependimento. A cela é pequena, mas o ódio ocupa cada centímetro.Aqui, a escuridão tem nome.Angeline. A mulher que eu amei. A mulher que eu protegi. A mesma que me destruiu com um único movimento. Frio. Preciso. Letal. A prisão é uma tortura silenciosa. O tempo não anda, rasteja, me arranhando como lâmina cega, me lembrando todos os dias que eu fui enganado. Traído.Fudido. Já não sei o que é sono.Só tenho raiva.Só tenho sede de vingança. Hoje é dia de visita.Giovanni chega primeiro, com o olhar duro e atento de sempre. Logo atrás dele, Verônica entra com Isabella e Luca. — Papai! — Isabella grita, os olhinhos brilhando, sem entender que o pai dela agora vive atrás das grades. Que o homem que ela ama é chamado de criminoso. Me ajoelho. Ela se joga nos meus braços e eu a aperto como se fosse minha âncora nesse inferno. Ela é tudo que me resta de luz.
Epílogo Cinco anos se passaram. O tempo, embora implacável, não foi suficiente para apagar os traços do caos deixado por uma traição que mudou o rumo da máfia para sempre. Matteo Fontana, agora com 30 anos, saiu da prisão depois de cumprir cinco anos em regime fechado. Silencioso, mais frio do que nunca. As rugas marcavam seu rosto, e o olhar carregava o peso da dor, da saudade e da fúria contida. Fora da cadeia, sua primeira ordem foi clara: Encontrar Angeline, apagar qualquer rastro dela e limpar seu nome, custasse o que custasse. Quem estivesse no caminho seria descartado. Sem piedade. Angeline, aos 23 anos, vivia agora em Tromsø, na Noruega, sob a identidade de Elena Moretti. Longe da máfia, dos tiros e da culpa, trabalhava em uma pequena livraria no centro da cidade e dava aulas particulares de italiano para estrangeiros. Mantinha uma vida discreta e reclusa, envolta em neve, silêncio e saudade. Carregava o vazio de ter deixado seu filho para trás. Luca agora tinha 5 anos. El
Florença | ToscanaO dia em Florença é sempre belo, adoro a sensação de liberdade que tenho aqui, pelo menos nas proximidades do internato. O lugar é repleto de árvores e tem um jardim fantástico, o que compensa ser afastado de todos e no meio do nada. Estou aqui há tanto tempo que não sei diferenciar mais. Não reclamo por amar a paz deste lugar, mas um pouco de liberdade é sempre bom.— Angeline?Escuto a voz da madre me chamar. Olho para cima e lá está ela me olhando com seus grandes olhos pretos. A madre é como uma mãe para mim, uma que nunca tive.— Suba aqui em cima, preciso de você, querida.— Sim, Senhora! Já estou indo, madre.Respiro mais uma vez o ar livre e entro.Sigo para a sala da madre no final do corredor. Ela disse que a vista é melhor, assim pode observar todas as meninas. Exagero, é claro. Não temos contato com ninguém de fora, exceto os nossos pais. Pelo menos as meninas que recebem visitas da família, o que não é o meu caso.— Posso entrar? — bato levemente na por
Calábria | CatanzaroMeu corpo todo pedia descanso, noites mal dormidas e grandes dores de cabeça, não era só a máfia que roubava meu tempo, mas também a irmã problemática que eu tinha. Sofia, desobediente e rebelde, fazia meus dias um completo tormento.Ser o provedor do seu lar tem um custo. O meu era ter mais responsabilidade do que poderia suportar. Meu pai morreu quando eu tinha 14 anos. Assumi a máfia cedo demais, mas fui preparado para isso, sabia agir e lidar com tudo. Do meu lado, me ajudando, ficou meu tio Vittorio. Ele me ensinou algumas coisas.Perdi minha adolescência trabalhando, não me arrependo, não sou temido hoje por ser benevolente. Frio e calculista, talvez. Matei pela primeira vez com 8 anos, meu pai encontrou um traidor em nosso meio, então como treinamento me fez matá-lo, foi surpreendentemente adorável, amei ver seu sangue em minhas mãos, o cheiro me excitava, na verdade, me excita.— Senhor?— Pode entrar!Um dos meus homens passa pela porta, a cabeça ligeiram