Capítulo 3 : Desejos do Inconsciente

O dia seguinte chegou sem grandes mudanças. Laura acordou cedo, como sempre fazia, e se preparou para mais um dia de trabalho. Ela se vestiu com precisão, escolhendo uma blusa de seda branca e uma saia preta que acentuava suas curvas de forma discreta, mas elegante. Sua aparência era impecável, como sempre, e ela se sentia confortável na rotina que construíra, mesmo sabendo que o passado ainda permanecia nebuloso.

Ela sabia o que fazer: dar aulas de piano pela manhã, ensaiar com a orquestra à tarde, e manter o foco em sua música. Não podia se permitir se perder em dúvidas, não sem antes resolver suas pendências profissionais. A vida musical era seu porto seguro. Mesmo com os fragmentos do passado que a atormentavam, o piano ainda a mantinha equilibrada, e a orquestra era o lugar onde se sentia completa.

A manhã passou rapidamente. Laura ministrou suas aulas com a habitual precisão e paixão, observando seus alunos com a dedicação de sempre, como se estivesse ensinando a si mesma em cada nota. Ela amava a sensação de ver alguém descobrir a beleza da música, e o ato de transmitir seu conhecimento lhe dava um propósito inabalável.

Ao meio-dia, foi a vez do ensaio com os músicos da orquestra. Ela se sentia à vontade com aquele grupo, como se fosse uma extensão de sua própria alma. O maestro, um homem de meia-idade com cabelos grisalhos e uma autoridade silenciosa, guiava a orquestra com maestria, e Laura se entregava à sua música, como se nada mais importasse. Os outros integrantes eram como uma família improvisada, e ela os tratava com carinho, sabendo que, ao final do dia, todos compartilhariam a mesma paixão pela arte.

No intervalo, Laura recebeu a notícia que tanto esperava: havia sido contratada para uma turnê exclusiva em uma rede de hotéis de luxo. Ela não sabia como se sentia, mas a ideia de viajar, de se apresentar para um público seleto, era algo que a preenchia com entusiasmo. O telefone havia tocado durante o ensaio, e quando ela atendeu, a voz do gerente da rede de hotéis soou do outro lado.

— Parabéns, Laura. Estamos muito felizes com sua contratação para a turnê. O contrato está fechado, e gostaríamos de agendar uma reunião para a próxima semana, para discutir os detalhes.

A notícia foi um sopro de alívio para Laura. Ela sabia que isso era um grande passo em sua carreira. Não era apenas um reconhecimento do seu talento, mas também uma chance de viajar, de ver novos lugares, de se conectar com outras culturas através da música. Ela aceitou a reunião com a mesma empolgação que sentia sempre que uma nova oportunidade surgia em sua vida.

Quando a tarde se estendeu para a noite, Laura voltou para casa. O apartamento estava quieto, como de costume. A sensação de solidão, agora mais do que nunca, parecia se arrastar pelas paredes. Embora tivesse a orquestra, as aulas de piano, e agora a turnê para ocupar sua mente, o vazio do passado ainda estava lá, como uma sombra sutil.

Ela pegou o telefone e ligou para Isabela. A amiga atendeu quase imediatamente, e Laura sorriu, sentindo um calor familiar em sua voz.

— Oi, Isa! Queria te contar as novidades. Fui contratada para uma turnê exclusiva, em uma rede de hotéis de luxo. Vou viajar, e já temos uma reunião marcada para a próxima semana. Não posso acreditar que isso está acontecendo. Estou muito animada!

Isabela, sempre entusiasta, reagiu com empolgação.

— Uau, Laura! Que incrível! Você merece, de verdade. Vai ser uma experiência maravilhosa, e vai ser ótimo para a sua carreira. Estou tão feliz por você!

A conversa seguiu por alguns minutos, entre risos e palavras de encorajamento. Isabela sempre fora seu apoio incondicional, e mesmo agora, com tantas questões em sua vida, Laura sentia-se mais tranquila ao saber que tinha uma amiga tão leal. Depois de desligar, Laura se permitiu um momento de paz. Tirou a maquiagem com cuidado, retirou os sapatos de salto alto, e se jogou no sofá, ainda com a mente a mil.

Ela não sabia se deveria se sentir feliz, ansiosa ou até mesmo apreensiva com a turnê. Mas, por agora, pensou que isso talvez fosse o melhor. Pelo menos, poderia se distrair do que a consumia.

Mas enquanto ela tentava encontrar o equilíbrio, a noite chegou de maneira insuspeita, e com ela, o sono profundo que tomou conta de seu corpo.

Quando finalmente fechou os olhos, o mundo real se dissipou e foi substituído por um pesadelo, ou melhor, um sonho vívido. No começo, o cenário era embaçado, difícil de distinguir. Ela estava em um lugar que não conseguia reconhecer, mas uma sensação de familiaridade percorreu seu corpo. Havia uma mesa, um local íntimo, e ao fundo, o som de uma melodia suave que parecia se misturar com a respiração de alguém. O cheiro de algo doce e aconchegante estava no ar.

E então, ele apareceu.

A silhueta de um homem. Ela não conseguia vê-lo claramente, mas sentia a presença dele com uma intensidade tão profunda que seu coração acelerou. Ele se aproximou, e ela se permitiu ser envolvida pelos braços dele. Não sabia quem ele era, mas o toque dele era familiar, o calor de sua pele era algo que ela reconhecia em cada centímetro de seu corpo.

O homem, de alguma forma, a fazia sentir-se segura, como se o amor que eles compartilhavam fosse eterno. Ele a beijou com uma paixão avassaladora, e Laura se entregou a ele sem questionar. Seus corpos se encaixavam perfeitamente, como se tivessem sido feitos um para o outro. O beijo se tornou mais intenso, mais urgente, e ela sentiu algo despertar dentro de si, como se aquela fosse a única verdade no mundo.

A sensação de amor, de conexão, se fez tão forte que Laura não teve dúvidas. Mesmo sem conseguir ver seu rosto, ela sabia quem ele era. Era Daniel. Era ele. O nome ecoou em sua mente com uma clareza absoluta, como se o universo tivesse sussurrado diretamente para seu coração. A saudade, o desejo, a urgência de estar com ele era tudo tão real, tão palpável, que não restaram dúvidas.

Mas, em meio àquele momento de êxtase, algo começou a escorregar entre os dedos de Laura. Ela não podia ver o rosto dele, não podia lembrá-lo de forma clara. E isso a desesperava. O sentimento de perda, de vazio, a atingia com força, e o sonho se distorcia, tornando-se uma neblina densa.

Laura acordou com um salto, seu corpo suado e sem fôlego. Seu coração estava batendo acelerado, e ela tentou, em vão, lembrar-se do rosto do homem. Mas ele estava desaparecendo, como uma sombra que se esvai à luz do dia. Ela sentia que algo dentro de si tinha mudado, mas o quê? Quem era ele? Por que ela não conseguia vê-lo claramente?

Mas uma coisa era certa: ela sabia, com toda a certeza que seu corpo e sua alma sentiam, que aquele homem era Daniel. Não importava que ela não o tivesse visto claramente ou que sua mente não conseguisse trazer todos os detalhes à tona. A conexão que ela sentiu no sonho era inegável. Ele era parte dela, parte de seu passado, e ela precisava encontrá-lo.

O quarto estava quieto, e a única luz era a da lua entrando pela janela. Laura sentou-se na cama, respirando com dificuldade, o sentimento de perda ainda agarrado a ela. O sonho a deixou inquieta, e ela sabia que não seria fácil deixar aquilo para trás. Não era apenas um sonho, era algo mais. Algo que parecia estar emaranhado em seu passado, algo que ela não conseguia alcançar.

Mas, de uma coisa ela estava certa: a resposta estava mais próxima do que ela imaginava.