Quando acordei, o mar já havia sossegado completamente. Calculei minha posição e parti em busca da terra firme. O ruído estranho do motor me preocupava, mas havia pouca coisa a ser feita a não ser tentar chegar com ele funcionando devagar e com cautela. Com o brandal partido, içar qualquer uma das velas seria muito arriscado. Só o faria se o motor parasse de vez.

O local apropriado mais próximo anotado na carta náutica era um Iate Clube particular de uma pequena cidade portuária ao sul da minha posição, chamada Oceânia, no extremo nordeste do Brasil. Naquele ritmo demoraria pelo menos doze horas para chegar. Doze horas de tédio e ociosidade propícias para a inevitável lembrança de como a viagem realmente começou.

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O dia anterior à partida foi tenso. Refazer o checklist e tentar se acostumar com a sensação de que estava esquecendo algo importante foi bem difícil. Embora tudo já estivesse pronto e embarcado, a ansiedade e o nervosismo tomaram conta de mim e foi impossível evitar algumas grosserias com meus amigos.

Eles estavam trabalhando duro para me ajudar e não mereciam nem de longe algo deste tipo. Bastou olhar para Paula e já me apressei em pedir desculpas. Percebi o erro e tentei me acalmar.

Partiria para o litoral durante a madrugada e largaria os cabos na primeira maré vazante da manhã. Não queria nenhum amigo por perto neste momento. Preferi me despedir na cidade. O Claudio se despediu de mim sem emotividade como se eu fosse voltar no dia seguinte. Era o jeito dele dizer que estava tudo sob controle e que ele confiava em mim. Gostei disso; dar a volta ao mundo deveria mesmo parecer algo trivial para pessoas como nós.

Minha família preparou um jantar formidável, o qual aproveitei muito bem já sabendo que a comida da Mama ficaria distante por mais de um ano. Ela preparou a minha carne preferida, o pernil de porco com molho Campanha, aquele que geralmente ela só faz no Natal. Depois dos inevitáveis conselhos para tomar cuidado e dar notícias, me despedi e fui para o apartamento da Paula.

Embora tivesse as chaves do apartamento dela, pedi ao porteiro para me anunciar. Ele me mandou subir imediatamente. O porteiro me conhecia bem e só interfonava para ela se soubesse que estava acompanhada.

Ela me atendeu, e sem dizer nenhuma palavra, pulou no meu pescoço e me beijou apaixonadamente. Aquilo era o sinal de que começaríamos a desfrutar dos momentos que seriam apenas nossos; a partir dali não haveria mais ninguém em nossas vidas. Nós nos entregaríamos sem vergonha ou restrição alguma. Esqueci de qualquer problema da viagem e me concentrei nas belas pernas enroscadas em minha cintura.

Sem deixar seus lábios, eu a carreguei daquela maneira até a cama. Larguei-a lá sem a delicadeza esperada para aquele momento, já que certa rudeza fazia parte da nossa paixão. Havia pressa em possuí-la, em especial quando percebi que ela já esperava aquele ataque.

Eu me ajoelhei à sua frente e observei a ironia de vê-la tirando a camiseta com o desenho e nome do barco. Paula havia literalmente vestido a camisa do projeto e agora nos despediríamos e nos despíamos.

Enquanto tirava a roupa apressadamente, reparei encantado como ela me provocava subindo a barra da camiseta para me mostrar o desejo já úmido para me receber. Seu olhar safado me excitava ainda mais, e me fazia sorrir.

Como sempre, entrei nela como se fosse a primeira vez de ambos. Aquela paixão que nos tomava era de um carinho e cuidado emocionantes, mesmo parecendo apressados. Aos poucos a excitação passava a ser incontrolável e os movimentos tornavam-se cada vez mais bruscos.

Faltavam-me mãos para explorar tudo que desejava tocar ao mesmo tempo. Restava a deliciosa solução de aproveitar um lugar de cada vez. Quadril, coxas, sexo, boca... Todos os pontos que nunca me cansava de descobrir novamente.

Eu me agarrava aos seus cabelos na ânsia de puxá-la para mim e entrava o mais fundo possível. Ela posicionava o quadril para cima e para frente pelo mesmo motivo. Queríamos ser um só... E éramos.

Diferente das outras tantas vezes, não houve carinhos preliminares e jogos sexuais divertidos. Apenas buscamos o que poderia ser o último êxtase juntos. Chegamos ao auge do prazer no mesmo instante e nos declaramos apaixonados como sempre fizemos.

Exausto e satisfeito, permaneci sobre ela que sempre gostou da sensação do meu peso sobre o seu corpo. Meio apoiado nos cotovelos, permaneci com o rosto mergulhado em seu pescoço, sentido o perfume dos cabelos.

O clima estava começando a ficar triste para nós dois; nunca havíamos nos separado por tanto tempo. Apenas a viagem iminente, que duraria bem mais de um ano, nos fez enxergar o quanto éramos dependentes da nossa estranha relação.

Ela me deu um beijo com gosto de último, e puxou conversa:

– Vamos tomar um banho juntos? Você vai ficar um bom tempo sem ver tanta água doce.

– Boa ideia... Vá primeiro... Assim que minhas forças voltarem, vou atrás – respondi.

Ela escorregou por baixo de mim e rebolou lindamente até o banheiro.

Ouvir a água cair em seu corpo, e imaginá-la nua e molhada, me deu novas forças para conseguir a façanha de andar alguns metros e me juntar a ela. Ela me ensaboou, lavou meus cabelos e me cobriu de mimos, os quais recebi agradecido como sempre. Me enxuguei, amarrei a toalha na cintura, como era de costume, e fui para a cozinha colocar a água para ferver. Ela veio em seguida, pensativa, com a decisão na ponta da língua.

– Giulio... Vou virar o tarô para você. Sei que você não acredita, mas algo me diz que vai ser importante.

– Se você não fosse tão gostosinha, eu nem ouviria estas tuas crendices. Sorte sua é que você fica uma graça tão séria mexendo no futuro.

– Você duvida, mas eu sempre acerto. Lembra quando falei para você evitar de fazer negócios com aquele médico empresário? Você insistiu e quebrou a cara.

– Ah... Mas aquele safado foi bem indicado por um grande amigo meu. Não tinha como desconfiar.

– As cartas não mentem. Acertei até a data do golpe.

– Isto é verdade, mas ainda acho que foi só uma coincidência.

– Bem... Não importa se acredita ou não. Nossas vidas são regidas por forças além da compreensão da maioria das pessoas. – Já volto. Vou me preparar – disse decidida.

Ela resolveu ler o tarô e bisbilhotar o meu futuro. Achei estranho, pois embora eu a tenha acompanhado em várias sessões místicas como esta, ela nunca quis ler para mim. Já conhecia bem o ritual. Ela preparava o ambiente com capricho e obstinação. A magia daquele momento a transformava em outra pessoa. Roupas, perfumes e acessórios que ela jamais usaria no dia a dia, faziam parte do costume da Paula mística. Outra coisa interessante é que ela usa um baralho chamado Lenormand, o mesmo nome do francês que patenteou o paraquedas na mesma época que a tal cartomante era famosa.

Peguei meu violão, que fica mais na casa dela do que na minha, e comecei a tocar as músicas gitanas. O som da guitarra flamenca do Gipsy Kings a toca de maneira especial nestes momentos. Eu também gosto muito da sensação de liberdade que este ritmo traz. Algumas versões de músicas tradicionais ficaram maravilhosas na versão cigana. Não consigo pensar em fazer um voo, ou saltar de paraquedas, sem me lembrar da canção – Volare – cantada pelos irmãos Reyes e Baliardo. Para Paula, tem algo a ver com a sua guia espiritual que é cigana.

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