POV: DAIMON
A correnteza seguia violenta, o barulho da cascata rugia como se ecoasse minha fúria interna. Estava parado em meio às pedras, encarando a queda d’água com os punhos cerrados. Mais um dia. Mais uma noite. E nenhuma pista. Nenhum maldito rastro da minha pequena humana.
O corpo dela nunca foi encontrado. Meses se passaram. Vasculhei cidades inteiras, reduzi fronteiras a cinzas, passei por sangue e cinzas em busca de qualquer sinal de Airys. E nada.
Enquanto isso, a guerra se espalhava feito praga. O verdadeiro inimigo havia desaparecido, levando consigo a única coisa que importava: ela. Os pilares estavam ruindo. Nero e Kael estavam mortos. Suas alcateias dilaceradas. Os poucos sobreviventes se renderam, fugiram ou rastejavam nas sombras com medo do meu nome.
— Meu rei. — Symon limpou a garganta, chamando minha atenção. Ele se aproximou devagar,
POV: AIRYS— Sabe que é arriscado ficar aqui nas fronteiras, ainda mais em suas condições. — Colen comentou, arqueando uma sobrancelha e lançando um olhar direto à minha barriga. O tom brincalhão havia sumido por um instante, substituído por algo mais sóbrio.— Ela vai ficar conosco, na cidade. — Jack declarou firme, parando ao meu lado e puxando-me com cuidado pelos ombros. — Junto com os bebês.— O quê? — Pisquei, surpresa, meu coração acelerando com o susto. — Não... Eu não posso pedir isso a vocês. Já estão fazendo muito. Além do mais, são três bebês... é muita responsabilidade.— Hum... Só não podem mexer no meu violão. — Colen disse com um sorriso de canto, tentando aliviar o clima.
POV: AIRYS— Empurra, querida... Isso, está indo bem. — A voz de Jaqueline era firme, mas doce, vinda de entre minhas pernas enquanto eu apertava as mãos contra os lençóis.Arfei alto, o corpo inteiro tenso. Uma onda de dor atravessou minha lombar como se algo estivesse se partindo por dentro. Meus olhos se fecharam com força, e tudo o que consegui foi gritar.— Droga, isso dói pra caramba! — grunhi, sentindo o suor escorrer pelas têmporas. Minhas coxas tremiam, e meu ventre pulsava, quente e pesado, como se estivesse à beira de explodir.Colen estava ao meu lado, segurando um pano com mãos trêmulas, tentando secar meu rosto. O sarcasmo habitual sumira, e havia um brilho estranho, quase desconcertante, em seus olhos escuros.— Não quer mesmo a anestesia? Podemos tentar uma cesárea. — Jaqueline perguntou com cuidado, observando minha expressão. — São três, Airys. Três. Ninguém aqui vai te julgar se quiser mudar de plano.Balancei a cabeça, arfando, os lábios entreabertos em desespero.—
POV: AIRYSEla suspirou pesado, os olhos semicerrados, visivelmente tentando conter o que sentia por dentro.— Tem razão... — Jaqueline disse, seca, com a voz firme como aço. — Não o conhecemos como você. — Seus olhos encontraram os meus com dureza. — Mas sabemos exatamente do que ele é capaz quando perde o controle. Você sabe quantos pacientes já cuidamos por causa do lobo dele?Ela negou com a cabeça, irritada, contida. Seus lábios tremiam enquanto ela voltava a se sentar entre minhas pernas, respirando fundo como se quisesse manter a calma que a situação exigia.— Agora não é o momento para isso. — Ela falou firme, decidida. — Precisamos trazer esses bebês ao mundo em segurança. Sem distrações, sem mais drama. — Seu olhar cravou no meu, sério, tenso, dolorido. — Se você pretende colocá-los em risco depois... aí será por sua conta.Fechei os olhos com força, sentindo meu corpo tremer. O braço foi instintivamente ao rosto, tentando esconder as lágrimas que escorriam sem controle. As
POV: AIRYS— Não quero parecer cruel, Airys... — Sua voz vacilou. — Também já amei um lobo poderoso. Daria minha vida por ele sem pensar duas vezes... até que, um dia, os instintos dele falaram mais alto. E ele não se importou com quem estava no caminho.Ela parou por um instante, os olhos presos aos meus.— Colen e eu só queremos o seu bem... e o das crianças. — completou, séria. — Não queremos te encontrar de novo caída na beira do rio, quebrada... ou pior.Engoli em seco. As palavras dela pesaram. Entraram como agulhas finas, latejando com lembranças que eu queria esquecer.— Jack... — murmurei, sentindo a garganta apertar. — Você me perguntou... se eu achava que ele havia me atacado. Mas durante a queda... eu vi algo.Minha voz falhou, e respirei fundo, tentando encontrar estabilidade. Meus dedos tremiam sobre o lençol.— Vi Daimon. Em forma humana. E na frente dele... um lobo negro. Um imenso, olhos vermelhos só que opacos. Eu pensei que fosse a minha mente me enganando. Estava s
POV: DAIMONNão conseguia farejá-la. Seu cheiro não atravessava o ar, não marcava território, não provocava minha pele como antes. Mas havia algo... uma sensação sutil, quase imperceptível, que insistia em vibrar sob minha pele, suas emoções. Discretas, escondidas, como se fossem protegidas por alguma força desconhecida, mas ainda ali. Vivas.— Alfa, tem certeza de que ela está viva? — Symon surgiu logo atrás, a respiração ofegante, os olhos atentos, farejando o ar ao nosso redor. — Sobreviver àquela queda, à correnteza e ao gelo... seria um milagre.Rosnei baixo, as presas arrastando no ar gelado.— A Deusa a queria tanto quanto Fenrir. — Minha voz saiu grave, carregada de frustração e instinto. — Há algo ocultando sua presenç
POV: DAIMONEle estava calado. Fenrir. Silencioso demais. Nunca o senti assim. Mas a fome estava ali. A necessidade. As imagens de carnificina preenchiam minha mente com vívido realismo: ossos esmagados, crânios estalando entre os dedos, peles sendo arrancadas com os inimigos ainda vivos, gritos abafados por sangue. O cheiro. O calor. A textura viscosa cobrindo minha pele. Eu era a encarnação do fim deles. Implacável. Impiedoso. Dominador até o último suspiro dos que se opusessem a mim.Foi quando senti.Um aroma familiar adocicado. Fraco. Singelo. Mas presente. Um sopro no meio do caos. Meus sentidos se aguçaram atentos. Mantive a cabeça do inimigo pressionada contra o solo com uma das mãos, e lentamente, ergui o olhar.Lá estava ela.Uma silhueta. Pequena. Os cabelos platinados emolduravam seu rosto abatido. Os olhos
POV: AIRYSEra estranho dizer isso, mas parecia que eu havia apenas piscado e o tempo tinha passado. As lembranças ainda dançavam na minha mente enquanto eu segurava minha xícara quente de café entre as mãos. A fumaça subia lentamente, misturando-se com os sons da confusão no andar de baixo. Colen corria atrás de Alec e Theron, tentando forçar os dois a colocarem as blusas antes de irem para a escola.— Vem cá, pestinhas! — ele gritou entre risos, quase tropeçando no tapete. — Eu vou pegar vocês!— Você é muito lerdo, tio Colen! — Alec respondeu entre gargalhadas, se esgueirando por debaixo da mesa como uma sombra ágil.— É melhor desistir, tio, você não é páreo para nós. — Theron provocou com um sorriso presunçoso, jogando
POV: AIRYSEle franziu o cenho com o apelido e sorriu singelo, me abraçando de volta. Logo os dois irmãos se juntaram, apertando nossos corpos num abraço coletivo que me fez estremecer. Aquilo sempre me desarmava.Jack e Colen estavam quietos demais. Eles trocavam olhares de tempos em tempos e, por instinto, percebi o desconforto em ambos. Já tinha notado esse comportamento antes, sempre que eu ficava tonta. No começo, achei que era apenas preocupação, mas com o tempo, comecei a desconfiar.Principalmente depois de ouvir Alec contar que os pegou discutindo sobre "dose demasiada" e "controle da realidade de tempo". Eles o levaram de volta ao quarto, achando que era mais um episódio de sonambulismo. Alec fingiu não ter escutado nada, mas contou pra mim em segredo.Apesar de Jack e Colen estarem presentes desde o nascimento dos trigêmeos e serem ado