✥ · ✥ · ✥
A forte tempestade que caía sobre a mansão fazia a tenda onde eu me escondia sacudir para todos os lados. Já conseguia ver o castigo que eu ia levar por simplesmente sair de casa a esta hora da madrugada, mas não me importava. Desde que vim parar aqui, minha vida se tornou cheia de regras e promessas, e tudo o que eu quero é um pouco de aventuras nesta minha vida chata. Sejam elas aventuras mortais ou não.
Uma rajada forte de vento me atinge, fazendo meu corpo sacolejar dentro da pequena despensa onde me escondi. O espaço é tão pequeno que apenas foi o suficiente para me abrigar sentada e com os joelhos grudados no peito, mas é o suficiente. Quero dizer, seria bem melhor se não estivesse escondida nessa terrível tempestade em um cubículo como esse. Maldita hora em que fui inventar de arrumar as coisas dentro do celeiro. As galinhas devem estar mortas a esta hora, penso. Pobres animais.
O teto da despensa ㅡ na verdade, é apenas uma grande lona cobrindo tudo presa às paredes com um prego gigantesco ㅡ está sacolejando para todos os lados, quase a ponto de ruptura. Eu preciso sair daqui. Várias coisas das prateleiras já caíram em minha cabeça, e não pretendo ser atingida por mais nada.
Minha mente começa a projetar todos os tipos de imagem: prisões ao norte, onde os prisioneiros ficam presos em celas tão estreitas que são obrigados a ficarem de pé o dia todo; crianças que são castigadas e mandadas para o quartinho, onde ficam lá sem comida e bebida. Apenas esperando que seu responsável venha e o tire de lá.
Eu não gosto de me manter presa. Quando olho para as paredes finas e balançando um pouco, sinto que ela está se aproximando de mim cada vez mais... Pronta para me esmagar se fosse necessário. E se aproxima cada vez mais...
O teto parece se mover em minha direção, cada vez mais perto de mim até chegar na altura de minha cabeça. Paranoias... Paranoias. Isso não é verdade, Asterin. Você só tem que gritar e alguém virá atrás de você.
Mas e se não vier? Nessa tempestade, duvido bastante que alguém me escute ou, se me escutar, que saia no perigo apenas para salvar uma escrava que não vai fazer a menor diferença se morrer ou não.
Um trovão alto e forte brilha no céu, me fazendo engolir o medo e o desespero quando o pequeno esconderijo se mexe mais uma vez. Eu posso ser arrastada se continuar aqui.
Tirando coragem de onde não existe mais nada, me ergo lentamente e caio de volta no lugar quando outro trovão me faz perder as forças. Eu consigo. Eu consigo. Por favor, alguém me ajude. O chão molhado e escorregadio piora ainda mais a situação das minhas pernas: tremendo tanto que preciso me apoiar nas prateleiras podres para ficar de pé.
Quando olho para a devastação que ficou o jardim, estremeço. As flores, antes lindas e bem cortadas, agora estão uma confusão de pétalas e talos espalhados pelo chão. As árvores sacodem de um lado para outro quando o vento forte sopra sobre elas. A maioria doa galhos se encontra no gramado do jardim, contrastando com as flores coloridas e a grama verde. Parece que uma guerra aconteceu aqui.
Vários pedaços de madeira voam com a ventania, e o medo se instala mais uma vez com o pensamento de ser atingida por um deles. Agarro mais firmemente o manto ao meu redor e saio decididamente do esconderijo, escondendo o estremecimento doentio que me sacode inteira. Eu preciso chegar lá. Preciso chegar até Lena. Ela vai me ajudar, eu sei. Não quero nem imaginar como meu irmão Grant deve estar.
Fico encharcada em menos de um minuto quando tento me mover para a entrada da mansão que leva à cozinha. Está longe, mas eu posso me mover rápido. Mesmo que os ossos não funcionem da maneira correta no frio, eu consigo. Sei que consigo.
Meus ossos parecem congelados quando me movo em direção à mansão, as lágrimas nunca parando de escorrer e se perdendo na chuva. A dor perfura meu corpo como pequenas facas nos braços e pernas, tornando a caminhada ainda mais lenta. Isso sem falar no vento cortante que me arrasta de volta para trás.
Caminho grudada na parede da mansão, mas mesmo assim a chuva e o vento me faz cambalear por entre as pedras, me fazendo tropeçar em algumas delas. Malditos chefes que sempre mantém seus escravos tão magros que apenas uma rajada de vento pode ser o suficiente para levá-los embora.
O desespero toma conta da minha mente. O barulho da chuva forte tocando o chão e o som dos trovões ressoando ao fundo me faz cair direto no abismo dos meus piores medos. Tento não pensar na morte, que eu poderei facilmente morrer aqui e ninguém me encontrará pois o vento vai me levar para longe, mas não consigo. A morte é certeira e dolorosa, e eu na minha vida inteira só tenho essa certeza. Que vou morrer um dia. Talvez como os outros escravos morreram: amarrada num poste e levando chicoteadas nas costas até não suportar a dor e ir para o Outro Lado.
Passo... Outro passo. Poucos passos me separam agora da entrada, mas a chuva está tão forte e eu já tão fraca...
Não vou conseguir.
Tropeço numa pedra solta que envolve a mansão inteira e bato de cara no chão, soltando um choramingo quando sinto o sangue em meu lábio e a bochecha direita ardendo muito. Tento segurar o choro... Tento acalmar minha respiração enquanto continuo, mas não dá.
Então, desisto.
Se tiver que morrer aqui, que seja. Lentamente abaixo até o chão e cubro as orelhas com as mãos, chorando incontrolavelmente agora. Tento não ouvir o som ensurdecedor da chuva batendo no teto ou na grama, ou o barulho da madeira se chocando com a parede da mansão. Soluços me rasgam por dentro, a respiração acelerada e descompassada quando o frio passa por mim e me deixa ofegante. Meus pulmões doem, e a cada vez que eu respiro fica mais difícil puxar a última respiração. Não... Isso não pode acontecer.
Um movimento chama minha atenção. Erguendo os olhos, tento evitar o calafrio que sobe por minha espinha quando vejo uma sombra negra se movendo lentamente pelo jardim destruído. A sombra caminha como se nem soubesse da existência da chuva, e cada passo que dá é como se estivesse deixando as trevas por onde passa. A grama fica murcha e morre, as flores se sacodem uma última vez e caem de seus galhos. E tudo o que sobra é o nada.
Talvez essa coisa possa me ajudar... Talvez ele possa me tirar daqui...
ㅡ Por favor. ㅡ sussurro, me chamando de idiota mentalmente porque com certeza ninguém vai me escutar debaixo desse barulho todo.
Mas de alguma maneira ele me escuta. Seu corpo vítreo se vira lentamente para mim, o rosto contorcido em o que parece ser várias e várias cicatrizes que envolvem suas feições. Ele deveria ter sido bonito um dia. As roupas perfeitamente negras estão completamente secas, como se a chuva ou a neve não os afetasse. E seu rosto... Me levanto num pulo do chão da melhor maneira que consigo, colocando força nas pernas trêmulas para correr quando ele se move na minha direção, os olhos vermelhos pulando de fome quando sente o meu cheiro. Uma humana que ele quer devorar.
Tarde demais percebo que ele é um imortal. Como sou burra. Pedindo ajuda a um ser que apenas deseja beber seu sangue? Estou de parabéns.
Meu primeiro instinto foi correr, mas sei que ele vai me alcançar. E, mesmo que eu tente, não conseguirei avançar muita coisa de tanto cansaço que enche meu corpo. O frio deixou meus ossos tão moles que duvido bastante que consiga sair correndo daqui caso a criatura resolva me atacar. O que, inclusive, sinto que está bem perto de acontecer.
Olho para trás lentamente, arquejando de nervoso quando encontro a criatura imortal sorrindo para mim maldosamente. Seus olhos vermelhos brilham como fogo na escuridão, os dentes afiados sendo mostrados em um sorriso animalesco reservado para mim. Se eu não me mover logo, em breve estarei sendo devorada por aqueles dentes afiados.
Idiota. Idiota. Idiota eu sou. Pedir ajuda a uma criatura como ele? A chuva deve ter derretido meus miolos.
Tento andar um pouco até a entrada, mas meus pés falham e eu vou de encontro ao chão mais uma vez. Sinto a criatura se aproximar cada vez mais de mim, sua sombra se tornando cada vez mais evidente conforme a chuva rola sobre nós dois. De alguma forma, ele não é afetado.
ㅡ O que você precisa?
Sinto a voz antes de ouvi-la. Sinto como se as sombras saíssem de sua boca e me envolvessem em uma camada de trevas, onde tudo o que eu posso sentir é dor e sofrimento. Em minha cabeça se projetam imagens dele torturando os humanos e matando-os um por um até que nada mais reste a não ser o sangue manchando o chão.
Me encolho em uma bola quando outra rajada de vento me atinge. Tenho que fazer uma força enorme para puxar a respiração através de meus pulmões maltratados pelo frio. Meu corpo fica cada vez mais mole enquanto permito que a chuva me tome por completo. Com a cabeça escondida nos braços, espio o monstro. Ele continua com aquele sorriso horroroso, mas não parece tão assustador.
Respirando pesadamente e lutando para permanecer acordada, encontro os olhos do monstro no momento em que ele se abaixa ao meu lado. A sensação de perigo invade meu peito imediatamente.
ㅡ Pobre humana. ㅡ ele diz, a voz rouca e amedrontadora. ㅡ Quer tanto entrar na casa dos mortais... Por que não vem comigo, querida humana?
Eu tento. Tento me levantar e sair de perto dessa coisa, mas tudo dói tanto... Sinto as lágrimas descendo pelo meu rosto e se misturando à água da chuva quando dor percorre meu corpo ao tentar me mover.
Dizem que essas criaturas imortais sentem o cheiro do medo. Tento deixar qualquer resquício de medo longe de minha voz quando falo roucamente:
ㅡ Vá para o inferno, imortal maldito.
Sua risada preenche o vazio. Ele ergue a mão lentamente em direção ao meu rosto, e tento não choramingar quando a unha gigantesca toca minha bochecha e se arrasta até minha garganta, deixando ali uma ferida que começa a arder quase que imediatamente.
É isso. Eu morrerei nesta solidão e sendo comida por esta coisa cheia de dentes afiados. Morrerei completamente sozinha, como sempre. Nunca alguém esteve presente comigo em meus momentos importantes; era apenas eu.
Um trovão rasga o céu.
ㅡ Esse seu cheiro, humana... ㅡ a criatura diz, inspirando forte. Meu corpo treme dos pés à cabeça, cada movimento criando uma onda de dor que me toma por completo. ㅡ Não vejo a hora de provar seu sangue. Provar seu gosto.
Lambe os lábios. O nojo dessa visão me faz ter forças o suficiente para dar um tapa fraco no rosto da criatura, tombando no chão logo em seguida. Imediatamente fico ciente da burrice que fiz e me encolho novamente em posição fetal, segurando a cabeça quando sinto o toque da criatura novamente em mim.
ㅡ Tão tola... ㅡ cantarola ㅡ Queria que fosse inteligente do mesmo tamanho de sua burrice, humana.
Um grito rouco escapa de mim quando uma pontada gigante de dor atinge meu estômago. A criatura apenas mexe a mão, e mais dor irrompe dentro de mim. Desta vez na cabeça.
Meu corpo se contorce interminavelmente na grama enquanto eu seguro a cabeça, que parece que irá explodir. Dor após dor atinge meu corpo, a queimação forte nos ossos me fazendo gritar em agonia. Lágrimas silenciosas descem por meu rosto quando mais dor explode em meu braço direito. Quando o olho, vejo-o retorcido em uma posição que sem duvidas indicam que ele está todo quebrado por dentro.
O mesmo acontece com minha perna esquerda.
E depois a direita.
Meus gritos deveriam ser ouvidos por alguém.
Ele continua me torturando, e eu continuo gritando e chorando. Quando meus olhos ficam vítreos e parece que apenas o que vejo é vermelho, a criatura se aproxima de mim pela esquerda, tocando um osso da minha costela que aponta para fora de meu corpo. Sinto o cheiro de sangue que emana de mim, o odor metálico e podre envolvendo nós dois enquanto a chuva penetra as feridas, fazendo-as doer ainda mais.
Não tenho forças para lutar. A dor pungente na cabeça me faz delirar, e apenas sinto meus olhos se revirando nas órbitas, mas de alguma forma ele não me deixa desmaiar. Seu poder segura meus olhos abertos, e eu sou forçada a observar seu rosto poderosamente maldoso se aproximando do meu até que ele passa a unha afiada sobre minha bochecha.
Tudo o que posso soltar é um gemido de dor.
ㅡ Pobre humana. Será que precisa de uma ajuda? ㅡ ele diz, a voz assustadoramente doce.
Ele move a mão mais uma vez, e o osso que estava para fora volta ao seu lugar. Ofego, sem forças, quando sinto os ferimentos dentro e fora de mim se curarem com apenas um movimento dos dedos do imortal. Tento articular alguma palavra quando tudo dentro de mim parece se aquietar e meus ouvidos param de zumbir. Mas nada sai.
A tempestade ainda castiga minha pele com suas gotas grandes e furiosas me atingindo como se fossem agulhas e perfurando minha pele. Apenas um lembrete de que o que eu acabei de sentir fora perfeitamente real e que vai morar em minha mente por muitos anos.
ㅡ Você ainda é uma criança para falar essas coisas, humana. Ainda mais contra alguém como eu. Alguém que pode estraçalhar seus ossos e fazer farinha deles. Alguém que pode beber até a última gota de sangue que exista dentro de você e comer cada pedaço de carne até que nao exista mais nada. E ninguém vai notar sua falta. É esse o seu maior medo, não é? Não ser importante para alguém ao ponto deles perceberem sua morte e sofrerem por ela. Pobre criança. Quantos anos você tem? Dez?
Ouço sua voz, mas longe. Como se uma camada de névoa estivesse dividindo nós dois e eu estivesse indo parar num abismo profundo de trevas. Ouço o barulho de um osso se partindo, e um urro doloroso escapa de mim. Meu braço se contorce para trás do meu corpo, alcançando a nuca com facilidade enquanto a criatura ri do meu sofrimento.
Esse riso... Terei pesadelos com ele para sempre.
Eu imploro para ele me soltar, acabar logo com isso... Mas ele apenas ri ainda mais. Logo depois, sua mão fria agarra meu rosto com violência e guia meu olhar para o dele.
ㅡ Eu falei com você, querida. Não ouviu? Quantos anos você tem?
ㅡ Se vocês dizem que podem ler mentes, então me diga você, criatura maldita.
Outro osso se parte. Desta vez do meu pé direito. Ele se contorce quase que inteiramente em direção ao tornozelo, ficando em uma posiçao tão esquisita que não consigo olhar sem gritar de agonia.
ㅡ Humana insolente. ㅡ diz, parecendo se divertir.
Não aguento mais olhar para aqueles olhos vermelhos. Viro o rosto para a grama e me contorço novamente quando meu braço se move inconscientemente através do poder que flui do imortal. Ele me controla com uma facilidade tão grande que me pergunto agora por que diabos ainda não me matou de vez. Ninguém iria sentir minha falta, de qualquer maneira. Então, por que não acabar logo com isso?
ㅡ Porque gosto de torturar pequenas humanas indefesas e insolentes. ㅡ ele responde, pegando a pergunta de minha mente.
ㅡ Vá para o...
Antes que eu possa terminar, aquelas mãos grandes envolvem minha cabeça completamente e a erguem do gramado... Apenas para jogá-la com força novamente, desta vez diretamente em cima de uma pedra. Um grito esganiçado e agoniado sai de minha garganta quando sinto o ferimento escorrer sangue pela minha têmpora, e quando ele me ergue novamente, vejo o vermelho se misturar à grama, sendo levado pela chuva.
ㅡ Bem, temos aqui alguém que realmente não tem noção do perigo.
Ah, sim, eu tenho noção do perigo. Por que não me mata logo e acaba com esse meu sofrimento? Por que me torturar desse jeito? Por que...
ㅡ Aqui está a humana que eu procurava. ㅡ seu riso de escárnio me faz tremer quando me joga de volta da grama. ㅡ Lembre-se humana, pois eu não irei me esquecer de você. Lembre-se de que dia 23 de novembro eu voltarei... Para te buscar. Se você preza tanto pelo reconhecimento dos outros, não esquecerá que aqui no mundo dos humanos o dia 23 de novembro representa o dia da morte. Você vai apreciar a morte, querida. E tudo o que ela vai te proporcionar, acredite em mim. E não se preocupe, Asterin. Vou fazer com que todas as pessoas nesta vila horrorosa saiba da sua morte e quem a causou.
Ele me solta, e, com outro movimento dos dedos, conserta meus ossos. Mas ainda sinto o meu pé direito torcido para o lado em um ângulo completamente errado. Gemidos e gemidos se derramam de minha boca, a dor tão insuportável que apenas a batida das gotas de chuva em meu pé parecem como facas cortando minha carne profundamente.
ㅡ Ah, vou deixá- lo assim para que você seja lembrada. E diga a todos que tropeçou em uma pedra quando estava tentando chegar até aqui, ou eu poderei fazer uma visita mais cedo para cobrar minha dívida. ㅡ ele ri novamente.
Tento mover minha perna para me arrastar até a entrada, mas a dor é tão forte que eu simplesmente desisto. A criatura fica de pé sobre mim e sorri mais uma vez antes de virar as costas e caminhar lentamente para longe. Flutuar.
Ao mesmo tempo, ouço uma movimentação frenética na direção da mansão e viro a cabeça para lá, encontrando Lena na entrada da cozinha, o rosto tão aterrorizado que não quero imaginar em como está minha imagem neste momento: jogada e machucada nessa tempestade.
ㅡ Menina Asterin! ㅡ ela grita, correndo em minha direção com um pano na cabeça. Não adianta de nada. Em instantes ela está encharcada até se abaixar ao meu lado.
ㅡ Ela está bem, Lena? ㅡ ouço a voz de meu irmão vinda de algum lugar. Mas na minha cabeça ela está longe, bem longe. Minha cabeça pende para trás quando Lena ergue meu pescoço. Seu prego chocado me faz chorar ainda mais.
ㅡ Muito machucada, mas bem. Pelos deuses, o que houve com seu pé, menina? Jago, ajude-me aqui! Rápido! Abra a porta da cozinha e tire tudo de cima da mesa.
ㅡ Tropecei em uma... pedra. ㅡ digo, sem forças, enquanto tento manter meus olhos abertos e falhando miseravelmente. Ouço as ordens berradas de Lena e tento não soltar um gemido alto demais quando sinto os braços fortes de meu irmão envolvendo minhas costas e a parte de trás dos meus joelhos para me erguer em seus braços. A dor irrompe dentro de mim quando ele se move pelo gramado até entrar na cozinha, e mal consigo ter forças suficientes para olhar em seus olhos.
Quando Grant me encara, seus olhos estão cheios de desespero. Tento abrir um sorriso, mas meu corpo treme tanto que só o que sai é um tremular de lábios.
Ainda assim, sinto sua presença atrás de mim constantemente.
Mas, quando olho na direção de onde a criatura foi embora, não há mais nada lá a não ser as rosas destroçadas no jardim que um dia havia sido muito bonito.
✥ · ✥ · ✥
✥ · ✥ · ✥ Da minha cama colada à janela é possível ver o céu escuro e as milhares estrelinhas que o pontilham de canto a canto. Estrelas que eu tento pintar algumas vezes, mas que nunca faz jus à realidade. Um brilho na escuridão nunca poderá ser registrado de qualquer forma que seja, pois é algo mágico demais para que se torne uma realidade retratada pelos humanos. Uma pequena perfeição que eu aprendi a admirar todos os dias antes de dormir. A chuva que cai pela janela e goteja em meu quarto me faz mais uma vez lembrar que dia é hoje. 23 de novembro. Mais um ano se passou desde que aquela criatura me prometeu me buscar, uma vez que eu o irritei tanto que ele marcou minha própria carne para me fazer lembrar desta promessa. A pequena cicatriz que carrego bem no peito, em cima do coração, tem a form
✥ · ✥ · ✥ Humana Asterin. Dia 23 de novembro. O total impacto daquelas palavras ainda não foram registradas por mim. Minha mente coloca tudo em câmera lenta enquanto tento acreditar que ele realmente veio para me buscar depois de nove anos. Me deixou sofrer durante quase uma década para que eu sempre tivesse essa insegurança morando dentro de meu peito até o dia em que ele viria finalmente cumprir sua promessa. O que ele planeja fazer comigo, afinal? Aqueles dentes afiados brilham de sangue. Fará o mesmo comigo aqui e agora ou me levará a algum lugar secreto para me executar longe da vista de todos? Só desejo que seja rápido e bem longe daqui, para que ninguém precise ver meu executamento. Aquelas garras afiadas poderiam me fatiar aqui e agora, mas tenho sérias dúvidas de que ele faria isso. Os ho
✥ · ✥ · ✥ A luz forte preenchendo meus olhos fechados e me causando uma dor de cabeça terrível é a única forma de me fazer abrir os olhos com dor e esforço. Estou deitada no chão da floresta, sem sombra de dúvidas. A grama fofa pica minhas costas quando me viro para admirar a beleza da paisagem em que me encontro. As árvores densas e com as folhas verdes brilhando tanto me dão a mesma sensação de paz que senti antes ao ver aquela pequenina luz vindo em minha direção. Os galhos movimentam-se levemente, como uma música sendo tocada pelo mais famoso músico. O som tão reconfortante que me enche de emoção sem sentido. Um sentimento de liberdade. O vento forte ressoa em meus ouvidos, batalhando contra o som doce e singelo dos pássaros chegando por todos os lados. A primavera deixa uma marca registrada na floresta, selada por conta das vastidão de flores coloridas que me cercam.
✥ · ✥ · ✥ Fanillen não é nada do que eu imaginei que seria. Nas histórias de terror contadas para que as crianças parassem de fazer birra, Fanillen era mencionada como a Cidade da Morte, onde os monstros da Floresta Negra se juntavam para matar as pequenas crianças que cruzavam o caminho deles. É claro que todos acreditam nesta versão. Eu não fui diferente. Só que agora, tendo a chance de olhar realmente a cidade que tomava meus bons sonhos de criança, não poderia deixar de me chamar de idiota. Não há sangue e destruição em nenhum lugar; as pessoas estão felizes e sorrindo sem parar enquanto passeiam pelas ruas douradas. A grande praça no centro da cidade contém vários músicos espalhados, cada um tocando sua própria música. De alguma forma, os sons não se misturam. Formam uma linda melodia que se segue desde a extremidade inicial de Fanillen até o outro lado.
✥ · ✥ · ✥ As mesmas mãos invisíveis de antes são as mesmas que me seguram agora. Andando pelo corredor e sendo escoltada por dois homens imortalmente altos e sentindo o peso das algemas invisíveis envolvendo meus pulsos atrás das costas, tenho que me segurar muito para não atacar esses dois malditos. Desde o fatídico dia em que o imortal foi me buscar em minhas terras, fiquei presa em uma cela até considerada confortável, mas tão pequena que precisava dormir encurvada para caber naquele cubículo. Em todas as noites tinha o mesmo sonho: aqueles olhos azuis em um rosto invisível, cheios de tanta intensidade que me fazia perder o fôlego a cada vez que o via. Sei disso porque sempre acordava suada e puxando várias respirações rápidas, completamente sem fôlego. E então vinha o pesadelo. Onde eu sempre estava fugindo de uma criatura imortal que corria atrás de
✥ · ✥ · ✥ A transmissão está sendo passada em todos os canais do Reino Florido. Nos últimos dias, todo o castelo esteve em atividade vinte e quatro horas. Os preparativos para o Dia da Consagração passaram como um borrão, enquanto eu ficava aprisionada no quarto apenas ouvindo os movimentos constantes pelo corredor. O desejo era arrombar aquela fechadura coberta de magia, mas logo me lembrava da primeira vez em que havia tentado fazer isso e levei um choque terrível. Em vários momentos senti a magia penetrando meu espaço. Imortais de todos os reinos passavam pelos corredores do meu quarto, conversando sempre baixo. Nunca conseguia decifrar qualquer coisa que fosse útil para minha estadia aqui, por mais que tentasse ouvir por baixo da porta. Estou sem comer. Não por culpa deles, mas minha. Não confio na comida que mandam pelos criados humanos
✥ · ✥ · ✥ As garras me prendem. A sala do trono ficou desconfortavelmente quente depois do meu ataque confuso mais cedo. E agora, depois que todos já foram embora e sobrou apenas eu, Korian e seu pai, fico ainda mais amedrontada nos vários pensamentos que rolam sobre minha cabeça. O que ele quer comigo aqui? Aquela pequena explosão não foi e não significa nada, certo? ㅡ Acredito que queira se explicar, Asterin. ㅡ O rei fala, a voz grave e ameaçadora. Estou ajoelhada no chão com as algemas invisíveis segurando meus braços e pés colados ao piso refletor. Fico calada, absorvendo sua raiva e perguntando porque diabos ele me fez essa pergunta. Se ele não sabe o motivo daquilo, como eu deveria saber? Já estava bem perto de lhe perguntar porque aquilo tinha acontecido comigo para me fazer quase entrar em combustão.&
✥ · ✥ · ✥ O salão está cheio. A última música para os casais acabou há alguns minutos, e agora todos se movem ao redor da sala gigante para as extremidades, onde a comida está. Os criados passam por mim com olhares tensos e medrosos, alheios ao fato de que estou da mesma forma. O medo tem corroído minha mente há tanto tempo que mal consigo me mover de onde estou, sentada em uma das mesas e apenas esperando Korian ou seu pai me agarrarem sem motivo. Eu ainda não tinha me recuperado da pequena surpresa, três dias atrás. Ainda posso sentir o fogo em minhas veias, apenas esperando o momento correto de quase me explodir novamente. Os imortais ao meu redor me olham de esguelha, parecendo não se importar com minha existência. Ou lembrando do porquê uma suposta "imortal" perdida estava fazendo com roupas de criados enqua