O ar na VIVA estava diferente, carregado de uma tensão que Alice sentiu assim que cruzou as portas. O saguão, normalmente tranquilo, hoje fervilhava com cochichos e olhares furtivos. No centro do burburinho. Dora, ocupava a mesa da recepção principal, organizando documentos com mãos que estavam levemente rígidas. Alice aproximou-se, os sapatos ecoando no piso de madeira. — Amiga... E aí? A secretária ergueu os olhos, surpresa. Seu rosto, normalmente composto, estava pálido. — Alice! Eu... não sabia que você viria hoje. — O que você está fazendo aqui? — Alice manteve a voz baixa, mas a pergunta veio cortante. Dora olhou em volta, antes de responder, como se temesse ser ouvida. — Foi ordem do RH. Chegou um e-mail no sábado à noite e recebi uma ligação, — transferência imediata. Quando cheguei aqui de manhã, Gaby já estava arrumando as coisas. — Ela foi demitida? — Não. Não foi isso... — Dora abaixou ainda mais a voz. — Parece que ela foi promovida como assistente pessoa
Rique aguardava ansioso para conhecer a família de Alice. A cada minuto que passava, sua impaciência crescia. Olhava para o celular, verificava o relógio e ajeitava a gola da camisa, como se cada detalhe da aparência fosse crucial para causar uma boa primeira impressão. Mas demonstrar que ele não era um homem superficial seria um desafio.Já Alice, por outro lado, não conseguia esconder o nervosismo. Mexia incessantemente nos cabelos, mordia os lábios e tamborilava os dedos na mesa, como se pudesse dissipar a tensão que sentia. O convite para que seus pais almoçassem na fazenda dos Lancaster havia sido um desafio. Regina e Saulo hesitaram em aceitar. Para eles, a diferença social entre sua família e a de Rique era um abismo intransponível. O que ele tinha a ganhar com uma garota que não poderia lhe oferecer muita coisa? Essa dúvida levantada por Regina ressoava na cabeça de Alice.Dias atrás.— Eu não sei o que você tem na cabeça, Alice! — Regina resmungou, franzindo a testa. — Você r
O vento assobiava entre as tábuas do estábulo, carregando o cheiro de feno seco e terra molhada. Victor encostou-se numa pilastra de madeira, olhando fixamente para Saulo antes de começar a falar. Sua expressão era dura, carregada de emoções contidas.— Não sei se você está lembrado dessa história, mas era uma vez dois garotos que perderam os pais em um acidente. Eles estavam começando a vida em um novo país, sem conhecer ninguém, sem ter a quem recorrer. Eram apenas dois rapazes e, de repente, se viram num orfanato, sem futuro, sem saída. — Victor tomou um gole de sua bebida e observou Saulo, que ouvia em silêncio. — O irmão mais velho, prometeu que sempre cuidaria do mais novo. Mas veja só o que aconteceu. — Ele riu, com um tom amargo. — O tempo passou e, um dia, o mais velho foi embora, sem explicações. Simplesmente desapareceu, abandonando o outro.Saulo ergueu os olhos, tentando argumentar:— Eu não podia fazer nada, Sérvio. Eu não tinha para onde ir, não tinha como sustentar nós
O sol da tarde derramava seus últimos raios dourados sobre os campos da fazenda Lancaster quando Saulo sumiu na estrada, levantando uma poeira que contrastava com o brilho impecável dos carros de luxo no pátio. Alice acenou pela janela do carro de Rique, seu sorriso ainda visível mesmo à distância. Assim que o portão se fechou, o clima começou a mudar, como se alguém tivesse desligado um interruptor de polidez. Silvana, enfim, soltou um longo suspiro e sentou-se no sofá, como se tivesse acabado de livrar-se de um fardo. Seus dedos, adornados por anéis massageavam as têmporas com movimentos circulares precisos.— Eu já não estava mais aguentando isso — murmurou, ajeitando os cabelos. — Quatro horas e vinte e sete minutos. Um novo recorde de tortura.Valentina surgiu com um sorriso modesto se formando em seus lábios. Ficou parada, próxima ao aparador de bebidas, rodando um martini entre os dedos. O gelo tilintava contra o cristal como um metrônomo marcando o fim da farsa.— Mãe, você m
Alice entrou apressada na recepção da Enterprise, como de costume, carregando alguns papéis e a mente mergulhada nos relatórios e reuniões que teria durante o dia. Mas, ao erguer os olhos, foi como se o tempo tivesse parado por alguns segundos. Sentados, lado a lado, no confortável sofá azul-acinzentado, aguardavam duas pessoas.Um deles, com cabelo castanho meio bagunçado, expressão relaxada e um leve sorriso brincando no rosto, era inconfundível, Benício. Aquele que, deveria estar ajudando o pai na oficina mecânica da família, ajustando motores e rindo com os colegas entre graxas e peças enferrujadas. Ela parou no meio do saguão. Atônita. A pasta quase escorregou de suas mãos.— O que você tá fazendo aqui? — Perguntou, tentando manter o tom baixo, mas a urgência na voz a traiu.Benício levantou os olhos do celular com um sorriso largo, esperando claramente por aquela reação. Estava à vontade, com jeans escuros, tênis limpos e uma camisa de linho branca.— Ué, vim trabalhar! — respon
A tarde, na sede da VIVA, estava tranquila, o tipo de silêncio que precede uma tempestade. Alice chegou esperando encontrar Valentina no escritório, como de costume. Mas a cadeira da presidente estava vazia, como se ninguém a tivesse usado. Então, correu os dedos sobre a mesa limpa, sem a habitual bagunça de papéis e canetas esquecidas. O computador estava no lugar, mas ao tentar ligá-lo, deparou-se com uma tela de senha modificada.Acesso restrito - V.V. exclusivo.Alice foi até Dora, que sempre sabia de tudo antes de qualquer pessoa ali. Então, percorreu o corredor vazio até a recepção:— O que aconteceu com Valentina? — Perguntou, tentando disfarçar a inquietação.Dora, sem tirar os olhos da tela, respondeu:— Não apareceu hoje. Também não deu nenhum aviso. — Fez uma breve pausa. — O que é bem estranho, já que a agenda dela estava cheia.— Ela não deixou recado? Nada?— Não, amiga. Sem nenhum aviso!Alice franziu a testa. A chefe era muitas coisas, mas nunca negligente com o trabal
O Palácio de Cibeles brilhava como uma pintura renascentista viva. Victor e Ruth haviam embarcado para Madri para participar da premiação internacional do setor empresarial. Era uma daquelas noites memoráveis que pareciam suspensas no tempo. O salão estava deslumbrante, repleto de figuras ilustres, jornalistas, flashes e muita sofisticação.A mulher estava estonteante. Usava um vestido longo, modelo sereia, feito em renda negra, com detalhes em cristais bordados à mão. O decote em V valorizava seu colo com elegância, e o coque sofisticado deixava seu pescoço ainda mais esguio, enquanto os brincos de diamante balançavam suavemente, capturando a luz. Exalando confiança e beleza. Victor, por sua vez, trajava um smoking azul-marinho quase negro, contrastando com seus olhos.Os dois formavam um casal visualmente impactante. Durante a cerimônia, cumprimentaram convidados e participaram das entrevistas protocolares. Mais tarde, a orquestra começou a tocar "Por Una Cabeza" e as luzes baixaram
O céu de Madri começava a clarear. A luz filtrou pelas cortinas de seda, como fios de ouro derretido no quarto quando Victor despertou, sentando-se à beira da cama. Saiu com o olhar fixo para o celular. Estava decidido, dessa vez, não responderia à esposa.A notificação do vídeo dançando tango com Ruth já somava milhões de visualizações. Os comentários exaltavam a conexão entre eles, mas isso só o deixava mais confuso. Ele passou os dedos pelos cabelos, suspirando fundo a lembrança daquele momento.Ruth, havia acordado mais leve do que nunca. Ao abrir as cortinas do quarto, respirou fundo, observando a cidade que ainda despertava. Ela tocou os lábios, como se ainda sentisse o calor discreto da oportunidade que teve. Sorriu empolgada, mas o sorriso logo se desfez ao lembrar da sua prima.Horas depois, no café da manhã servido