POV GABE
Enquanto eu entrava no restaurante, todos vinham na minha direção. Só faltavam lamber o chão que eu pisava. E só tinha uma coisa que eu odiava mais na vida do que Ernest Abertton: pessoas bajuladoras.
Me dirigi diretamente ao segundo andar, onde havia reservado todo o espaço para o jantar em família; a de Ernest, claro. Porque eu não tinha e nem queria nada que me ligasse àquilo que alguns chamavam de família, que para mim não passava de pessoas que tinham o mesmo sangue e procuravam vínculos afetivos por serem fracas e incapazes de viver sem precisar de ninguém.
Assim que cheguei à mesa, olhei para Ernest Abertton pela primeira vez materializado na minha frente. Respirei fundo e tentei manter minha sanidade, mesmo tendo vontade de espancá-lo até a morte. Não precisava fingir para mim mesmo que nunca tive a oportunidade de quebrá-lo ao meio e mandar separar as partes do corpo, enviando para diferentes partes do planeta. No entanto arquitetei por uma década aquela vingança, que tinha como objetivo fazê-lo sofrer até que desse fim à própria vida por não aguentar mais. E sem pressa e com tranquilidade esperei até encontrar sua fragilidade, que era Olívia, a filha bastarda.
Olhei para sua esposa, Rose Abertton, uma bela loira de cabelos longos com mechas mais claras nas pontas, levemente ondulas por conta de um penteado que devia ter pago caro, mesmo sem ter dinheiro para bancar. Os olhos azuis dela eram vívidos e o nariz fino estava empinado, como sua personalidade. Era o tipo de pessoa que não tinha um vintém, mas fingia estar milionária, mesmo falida.
A garota de cabelos castanhos amarronzados longos e cheios devia ser Isabelle Abertton, a caçula, de 13 anos. Era magricela e usava um batom que brilhava mais que um caro diamante. Estava embalada num vestido justo que deixava o corpo infantil à mostra, como se estivesse à venda.
Sobre Rita Abertton, a mais velha, eu tinha pesquisado pouco. Só sabia que era uma morena de olhos castanhos e corpo normal aspirante à modelo. Devia foder com todo mundo em troca de trabalhos. Não tinha nada que me chamasse a atenção.
- Sua família não está completa, senhor Abertton. – Foi a única coisa que eu disse quando o vi com a mão estendida na minha direção, levantado, em posição ereta.
- Sim, está! – Foi a esposa quem respondeu.
A olhei com desdém, deixando claro que para mim ela era tão insignificante quanto a enteada. Olívia era o chuchu e Rose a folha, ou seja, mais sem préstimo que o próprio chuchu.
- Falta Olívia, minha filha do meio. Mas ela... – Ele começou a explicar-se e o fiz parar, levantando a mão.
Assim que fiz o movimento um dos empregados do restaurante já estava ao meu lado.
- Quero um lugar reservado para que eu possa falar a sós com o senhor Abertton. – Deixei claro.
- Sim, senhor Clifford.
O homem saiu e Ernest perguntou, com os olhos estreitos, completamente confuso:
- Mas sua secretária disse que o senhor gostaria que fosse um jantar em família.
- E era – eu ri, com escárnio – Mas nem para isto o senhor presta, já que trouxe somente parte de sua família.
- A família está completa – a folha do chuchu intrometeu-se novamente – Olívia não é parte da família.
Não pude deixar de olhá-la. Por que aquela mulher achava que eu lhe dirigiria a palavra?
- O espaço está pronto, senhor Clifford. – O empregado avisou.
- Venha Abertton. – Falei sem olhar para trás, na certeza de que ele me acompanharia.
Fomos postos num ambiente totalmente privado, com vista para a cidade através da grande janela de vidro. Particularmente eu não gostava daquele lugar, que cobrava muito e a comida não era de tão boa qualidade. O chef deles sequer tinha passagem pelo exterior, o que fazia com que seu menu não fosse bom o bastante para o meu paladar.
- Boa noite, senhor Clifford. – Ele disse enquanto sentava-se à minha frente, com os olhos tão esbugalhados que pareciam serem de brinquedo.
- Por que Olívia Abertton não está neste jantar?
Ele hesitou um pouco antes de responder:
- Olívia é minha filha... Fora do casamento.
- E ela não mora na sua casa?
- Sim, mora, mas...
Olhei o meu Rolex. Meu tempo era precioso demais e eu não queria perdê-lo ao lado do homem que eu mais odiava no mundo inteiro. Então fui direito ao assunto, evitando as explicações que Ernest daria e que pouco me importavam.
- Sei que sua empresa está falindo.
Ele engoliu em seco:
- Eu... Não acho que seja um segredo no ramo dos negócios, senhor Clifford.
- Não seria da minha conta a sua falência... Desde que o senhor não me devesse.
- Eu... Não fiz nenhum tipo de empréstimo com a Clifford. – Ele estreitou os olhos, confuso.
- Não, realmente não fez. Mas o senhor contraiu empréstimos bancários. E como garantia deu tudo... Só não a família porque ninguém pediu. – Não contive um sorrisinho ao ver o semblante de espanto e impotência dele.- Mas... Ainda assim não tem nada a ver com a Clifford. – Mesmo com o ambiente climatizado em temperatura ambiente, percebi as gotículas de suor na sua testa e tive vontade de gargalhar.Sim, depois de mais de dez anos pela primeira vez eu senti vontade de rir de verdade. E jamais imaginei que o homem que me fez chorar pela primeira e última vez também seria capaz de me fazer rir novamente, mesmo que fosse aquela alegria momentânea o motivo do seu fracasso.- Na verdade tem. Eu comprei o banco. O que torna as suas dívidas minhas.Ernest contraiu os lábios, tentando entender. Mas eu não precisa explicar-lhe que comprei o banco para que a dívida fosse minha. Seria entregar-lhe de bandeja parte do que tinha lhe preparado com tanta dedicação nos dez anos que se passaram.- Eu..
- Minha irmã Olívia tem uma foto do seu irmão – a aprendiz de adolescente mencionou, direcionando-se a mim – Está no quarto dela.- Sua irmã é uma sonhadora? – Sorri, com todo meu sarcasmo.- Na verdade é apenas uma garota de bom gosto! – ela piscou e bebeu um gole da água que havia na taça.Notei que elas ainda não haviam feito os pedidos.- Desejo batatas Chipperbec com champagne Don Perignon e vinagre francês Ardenne, fritas em gordura de ganso e temperadas com sal trufado francês e raspas de trufas italianas e queijo pecorino. Substitua o molho da casa pelo molho Mornay, com queijo suíço. De sobremesa uma cassata italiana saborizada com licor Bailey’s com compota de manga e romã. A base precisa ser de Zabaione. Quanto à bebida... Traga o tive de melhor na casa, por favor. Afinal, estamos comemorando, não é mesmo senhor Abertton?Logo as mulheres da família começaram a fazer seus pedidos. Esperei que todas escolhessem e chamei o maitre novamente, solicitando mais um prato do menu.
POV OLÍVIAAcordei com vozes vindas de dentro e fora da minha casa. Espreguicei-me e fiquei a imaginar o que estaria acontecendo. Certamente papai tinha feito negócios com o senhor Clifford na noite anterior e aquele tumulto tinha a ver com aquilo.Fui para o banho e abri a torneira do chuveiro e não tinha água. Como assim acabou a água?Com toda aquela gente conversando a governanta não me ouviria de jeito nenhum, nem se eu gritasse ao lado dela. Pus um roupão e abri a porta do quarto, vendo homens uniformizados retirando os móveis de nossa casa e levando pela escada. Alguns itens estavam descendo por uma corda, diretamente do mezanino.Vi Isabelle subindo para seu quarto com uma caneca na mão. Usava o uniforme da escola.- Bom dia, docinho de coco. Não foi à escola hoje? – Perguntei.- Não... Pelo mesmo motivo que você não tomou seu banho. – Passou por mim indo em direção ao seu quarto.- Não foi à escola por que não tinha água?- Porque estamos ficando sem móveis – riu de forma deb
- Coração, prefiro morrer a vê-la casada com aquele desgraçado que a fará sofrer pelo resto da vida. Gabe Clifford não tem coração. E Jorel Clifford só pensa com o pau. Ele já comeu todas as mulheres do país que tem uma conta com mais de três dígitos. É um jogador viciado e um homem que não tem nenhuma qualidade. Vive das migalhas do irmão. Foi capaz de jogar uma herança bilionária fora.- E desde quando você se preocupa com fidelidade, Ernest? – Rose riu com ironia e não tirei a razão dela.Meu pai abaixou a cabeça, arrasado. Sim, ele tinha errado no passado, mas por que cobrar aquilo a vida inteira? Rose perdoou e quando tomou aquela decisão devia ter feito de coração e não da boca para fora. Todos, absolutamente TODOS os dias ela o lembrava da traição, da qual eu havia nascido.- Eu mesma não me importo com traição – dei de ombros e sorri – É Jorel Clifford! Eu casaria com ele mesmo que não precisasse ser a única forma de salvação da nossa família – deixei claro.- Coração, não est
Indo na contramão de minha madrasta e minha irmã caçula, não usei para o evento em que conheceria meu futuro marido algo de marca reconhecida e confiável, optando pelo que fazia meu estilo.- Laranja? – Rose disse, inconformada, quando descemos do carro em frente à residência dos Abertton – Quem usa roupa laranja num evento para conhecer o irmão do homem mais rico do país?- Laranja é o novo nude! – Tentei conter o riso.- A parte boa é que Olívia fica bem com qualquer tom. – Isabelle, como sempre, me defendeu.- Realmente está linda, Coração! – papai pôs o braço sobre meu ombro, fazendo questão que eu entrasse praticamente “protegida” por seu corpo.- Nas revistas de moda a foto chamará muito a atenção para você, por conta da cor. – Rose seguia incomodada com meu look.- Queria que você fosse a atração principal, mamãe? – Isabelle riu de forma debochada – É Olívia que vai casar.- O tom é horrível! Desta vez nem é querer os holofotes para mim, juro!Antes de chegarmos à porta princip
POV GABEO que levava a porra de uma mulher a usar um vestido laranja num evento? Eu já tinha visto algumas ousarem num verde escuro, quase preto, mas laranja? Não, nunca na vida vi uma mulher de vestido laranja, principalmente daquele estilo: solto, com mangas longas coloridas e cheio de babados na parte que acabava a saia. E a combinação do calçado? Sim, senhoras e senhores: ela usava uma bota azul cintilante que ia até os joelhos finos, o pouco que sobrava de pernas entre o tecido e a bota demonstrando que não tomava sol há um bom tempo.O Chuchu não era tão insípido, inodoro e insignificante. Era um chuchu vestido para o carnaval. Queria chamar a atenção de Jorel e por isto deixou os cabelos castanho escuros, que contrastavam com a pele extremamente clara e fantasmagórica, caindo em ondas pelos ombros, encobrindo parte do peito, não evidenciando os seios, estavam escondidos a sete chaves num cadeado. Possibilidade de visão antes do casamento: zero.E por que porra Jorel estava faz
- E os móveis? E a nossa casa? – A fedelha Abertton mais nova quis saber – Você roubou minha irmã... Precisa cumprir com o que prometeu.- Terão uma casa e móveis... Mas como merecem, “bebê”. Aliás, todas vocês são chatas assim? – olhei para Ernest – Até entendo a sua vida caótica. Eu mesmo teria vontade de dar fim à minha se precisasse conviver com pessoas deste tipo todos os dias. Sua família é horrível! – Não contive a cara de enjoo – Nos vemos na cerimônia. O contrato pré-nupcial será enviado antes para vocês. Não custearei um advogado para que entendam nos pormenores. Mas como os Abertton não tem nada a perder, sei que retornarão os documentos assinados. Agora, fora da minha casa!Assim que todos saíram peguei Jorel pela gola da camisa, que ele já havia aberto meia dúzia de botões para se exibir para a garota:- Você não vale nada, seu filho da puta. – Vociferei, sendo que se fosse um animal comeria o seu rim naquele momento.- Por quê? – os olhos dele pareciam que sairiam para f
- Acha mesmo que eu não dormiria com uma garota como Olívia? Nem fodendo, Gabe! Ela é totalmente “comestível”.- Viu? Por isto escolhi você para fazer o serviço sujo.- Serviço sujo? – riu de novo – Você nem sabe o que é foder. Nunca vi você com nenhuma mulher. A não ser que... Você é gay, Gabe?O empurrei com força, pondo-o contra a parede. Minha paciência com aquele playboy tinha acabado:- Não sou gay. Só não enfio meu pau em qualquer boceta. Escolho quem comer, diferente de você. E minha vida íntima é privada e não um livro aberto para o mundo.- Se duvidar... Nem beija depois que goza na boca de uma mulher! Deve ter “nojinho”! – ousou debochar.Jorel queria que eu perdesse a cabeça e lhe desse um soco no meio da cara, fazendo-o procurar um dentista que o atendesse naquela hora da noite, tendo que fazer um implante. E se duvidasse ainda ligaria para Aneliese, se fazendo de vítima, sendo que tudo que pediu foi uma lição!O soltei, percebendo o olhar de desespero dele, embora tivess