Acordo com alguém molhando o meu rosto e ao abrir os olhos, me vejo sentada numa cadeira dentro de um quarto poeirento, com as mãos amarradas para trás. — Onde eu tô? — Pergunto enquanto tento soltar, em vão, as minhas mãos, e encaro o homem baixinho, gordinho e com a respiração ofegante, que me acordou. — O que eu tô fazendo aqui? — Falcão, liga pro chefe e avisa que a bela adormecida acordou. O homem ignora os meus apelos e se encosta na mesa próxima a porta, enquanto outro homem, provavelmente o tal Falcão, entra e se aproxima dele, cochichando algo no ouvido dele, e então ele sai. O segundo homem pega o meu celular na bolsa, o leva até as minhas mãos e após algumas tentativas frustradas, consegue desbloquear através da minha digital. — Bora ver se tu vale isso tudo que dizem por aí. — Ele diz enquanto mexe no meu celular, faz uma ligação e coloca no viva voz. — Oi, loirinha, já estava preocupado. Cadê você? Como foi a reunião? — Socorro, Renan!— Shiiiu, quietinha. — O homem
Ele fecha a porta e rapidamente alcanço o basculante, agradecendo mentalmente por não ter grades aqui também. A princípio o tal sub zero permanece sozinho na casa, porém ainda que a minha vontade seja sair o mais rápido possível e me aproveitar disso, tento sair devagar e em silêncio. — Você já tá demorando demais. Bora, vaza daí.Ouço o homem dizer assim que termino de passar pelo minúsculo basculante de vidro, e saio correndo pela rua quando o ouço xingar dentro do banheiro. Na dúvida entre correr pela rua arriscando que eles me encontrem novamente, ou me esconder em algum lugar para esperar amanhecer, opto por entrar em meio aos matos e me manter em silêncio. Xingamentos e gritos são ouvidos de longe, e eu coloco as duas mãos na boca para abafar o meu choro de desespero.Horas se tornaram dias e assim que tudo pareceu calmo, saí em silêncio quando me certifiquei que não havia ninguém pela rua e nenhum carro parado em frente a casa. Andei por bastante tempo até chegar numa rua movi
Falo com o DG, que rapidamente passa o rádio pra avisar a todos. Como se não bastasse a preocupação em saber que a Lívia está nas mãos deles, ainda tenho que aguentar os olhares desconfiados do DG e do TH. Apesar do incômodo não tiro a razão deles por isso, mas tenho a certeza de que a Lívia não está envolvida nisso. As horas se arrastaram, a tensão se fazia presente em todos os movimentos da favela e a madrugada parecia um ano. — Eu cansei de esperar. — Digo me levantando da cadeira, após passar a madrugada inteira esperando notícias da Lívia. — TH, acho que o nerd do seu irmão pode me ajudar, chama ele lá pra mim.— O Bruno tá apagado uma hora dessas, Nanzin, mal clareou o dia.— Eu sei, porra, mas ela sumiu desde ontem e eu não vou ficar aguardando a boa vontade desses fodidos não. Pensei numa parada aqui, talvez o seu irmão consiga rastrear a Lívia pelo celular dela. — Boa, irmão! — DG diz empolgado e se levanta da cadeira. — Vai lá, caralho, anda TH. Bora atrás da Lívia.— Eu v
Após alguns breves minutos sem acreditar que há uma vida dentro de mim, confesso que senti medo da reação do Renan, afinal, a vasectomia foi justamente para não arriscar trazer uma criança pro meio dessa loucura que estamos vivendo, no entanto, olha o que ironicamente aconteceu. Sem ter noção do que se passa pela cabeça dele em relação a isso, não vejo outra alternativa senão a de quebrar o silêncio para tentar descobrir o que ele está sentindo nesse momento.— Renan, eu estou… Meu Deus, eu tô grávida! Isso não deveria ter acontecido, você deve estar…— Eu te amo, Lívia. — Ele diz com a voz embargada e me beija. — Eu te prometo que não vou deixar mais nada de ruim acontecer com você, com vocês, nem que isso custe a minha vida. Me perdoe por não conseguir te proteger ontem, me sinto ainda mais péssimo por isso.— Você não me odeia por isso? — Pela gravidez? — Assinto. — Por que te odiaria se eu mesmo queria reverter a vasectomia? Estou muito mais completo por isso. — Ele me coloca em
Após um café da manhã ainda mais caprichado que o de costume, o Renan foi para a matriz enquanto eu me animei para a organização do churrasco, assim que a Thainá e a Jéssica chegaram na minha casa. — Eu fiquei muito preocupada quando a Jéssica me contou, amiga. Nem sei o que te dizer.— Nem fala, Thai. Eu estava na aula quando o DG me mandou mensagem perguntando se ela tava comigo, quis nem saber, larguei tudo e voltei pra cá. — Os piores momentos na minha vida, meninas, sério, me senti impotente demais. Graças a Deus deixaram um cara que deve usar o cérebro pra pensar em musculação, fingi que ia fazer xixi e fugi sem pensar duas vezes. Tudo o que eu queria era sobreviver, mas a todo momento eu pensava que eles iriam me achar e me matar.— Ainda bem que deu tudo certo, mas já precisamos nos preparar porque os homens aqui estão sedentos pelo sangue desses caras. Pelo que o DG tá falando, o morro vai ficar pequeno, meninas. — Pois é, o Renan quer que eu volte pra casa, acha que vou f
Me levanto e ela me acompanha, porém antes de entrarmos na casa, ela me segura pelo braço e me pede pra chamar o Renan. Nos sentamos no sofá da sala e ela nos olha, respira fundo e começa a falar.— Queria me desculpar com vocês dois pela forma como agi há alguns meses. Reconheço que estava errada e agi pela emoção e pelo medo de algo acontecer com a Lívia. Não raciocinei direito e agi impulsivamente ao confiar que você, Renan, não a mataria. A culpa vem me remoendo desde que ela me contou que você colocou uma arma na cabeça dela, e só então percebi a merda que eu fiz. — Você colocou a segurança dela em jogo, Débora. Não depende só de mim decidir as coisas aqui dentro, já pensou se não tivesse sido eu quem encontrasse o cordão dela? — Sim, eu arrisquei sem pensar nas consequências, mas me entende. A Lívia estava agindo de uma forma que eu não reconheci, e fiquei com medo dela se perder no personagem de vez. Fiquei com medo de alguém descobrir a verdade e… — Matar a Lívia? Porque se
Como se estivesse prevendo o que aconteceria, poucos dias após o churrasco começou a tentativa de invasão ao morro. Nem de longe se compara a uma operação, pois ao contrário do comum, dessa vez o Renan não tem a mínima pretensão de se esconder, me provocando um medo fora do normal. — Eii, escuta, por favor! — Renan interrompe os meus apelos para que ele desista da ideia absurda de enfrentar esses homens. — Eu volto, eu te prometo que vai dar tudo certo! — Não tem como você me prometer isso, Renan, por favor, não vai… — Não torna ainda mais difícil, eu preciso fazer isso ou nunca sairemos daqui. Eu quero que fique aqui, o Tom e mais alguns homens estão fazendo a segurança de vocês, a Jéssica tá aqui, você não estará sozinha. Eu volto, já te disse, loirinha, mas não saia daqui de maneira nenhuma.— Vem, amiga. — Jéssica me abraça, tentando me levar para o subsolo onde o Renan costumava se esconder. — Se acalma, essa tensão toda vai fazer mal pra você e pro bebê. Nanzin é malandro, da
Débora grita e se joga em cima do homem, enquanto grita para que eu corra. Faço o que ela pede, mesmo que a minha vontade seja defendê-la ao ouvir o choro dela ao tomar um tapa dele. Agradeço por não ter ninguém com ele e corro por alguns minutos, até voltar para onde eu não deveria ter saído. — Caralho! — Tom grita assim que me vê chegando no portão. — Você está louca?— Tá querendo se matar? — Jéssica! A Débora! Ele pegou a Débora! — Tento falar entre um soluço e outro, e ela me abraça.— Vem, se acalma. Vem beber água e se acalmar. Após alguns minutos tentando me acalmar, enfim consigo explicar o que aconteceu, e enquanto a Jéssica me dá um sermão pelo que fiz, dois homens vão atrás da Débora. — Eu sou burra, burra! Que merda! — Grito e volto a chorar assim que ouço a voz do Renan pelo radinho. — A Débora pode estar morta por minha causa! — Deu mole, Liv, dessa vez não vou passar pano pra você não. Tu se arriscou demais, imagina se ela não tivesse te visto? Que ideia idiota, p