A noite havia caído sobre a propriedade da Cosa Nostra, envolvendo o ambiente em uma penumbra dourada, criada pelas luzes baixas das lanternas espalhadas pelos jardins. O treinamento havia terminado e a maioria dos membros da casa já se recolheram para a segurança das muralhas.
Aurora permanecia no terraço, observando o céu estrelado. A brisa noturna fazia seus cabelos negros dançarem suavemente, enquanto ela observava a lua.
Matteo apareceu silenciosamente atrás dela, como uma sombra. Mesmo sem ouvir seus passos, Aurora sentiu sua presença. Ele sempre tinha aquele efeito, não precisava de palavras para preencher o espaço. Era como se o ar ao redor dele fosse diferente, mais denso, mais carregado de algo que ela não conseguia definir.
— Não esperava encontrar você aqui a essa hora. — disse ele com sua voz baixa e grave cortando o silêncio.
Aurora virou-se devagar, encontrando os olhos dele. Havia algo intenso no olhar de Matteo, algo que a deixava desconcertada, mas que ela não podia evitar. Ele vestia uma camisa preta que realçava seus ombros largos e o físico que ele havia cultivado nos últimos anos. Mesmo na penumbra, era impossível ignorar o magnetismo que ele exalava.
— Prefiro as estrelas ao barulho lá dentro. — respondeu Aurora, tentando soar indiferente.
Matteo deu um pequeno sorriso, aquele que fazia seu coração vacilar. Ele se aproximou, parando ao lado dela e olhou para o céu.
— Elas são bonitas mas, nem de longe são tão impressionantes quanto certas pessoas que conheço.
Aurora desviou o olhar rapidamente, sentindo o calor subir em suas bochechas. Ele sabia exatamente o que dizer para deixá-la sem palavras e ela odiava o quanto isso a afetava.
— Você é muito confiante, Matteo — retrucou, tentando recuperar a compostura.
Ele riu suavemente, virando-se para encará-la.
— Confiança é essencial no nosso mundo, não acha? Além disso, você é minha prometida, Aurora. Eu tenho o direito de elogiá-la.
Aurora sentiu o peso das palavras, um lembrete do destino que os unia. Eles eram peças em um jogo maior, herdeiros de mundos que dependiam de suas alianças. Porém, havia algo mais ali. Algo que ia além do simples dever.
— E se eu não quisesse ser sua prometida? — perguntou ela de repente, sua voz um pouco mais baixa, como se temesse a resposta.
Matteo a observou por um longo momento, sua expressão ficou séria. Ele deu um passo à frente, aproximando-se o suficiente para que ela pudesse sentir o calor dele, mesmo na noite fria.
— Você tem o direito de escolher, Aurora. Sempre terá. Só quero que saiba que, se depender de mim, farei de tudo para que você queira ficar.
O coração dela disparou com a intensidade daquelas palavras. Havia sinceridade na voz dele, algo que ela não esperava. Aurora não respondeu imediatamente, apenas olhou para ele, tentando decifrar o que havia por trás daquele olhar profundo e daqueles gestos calculados.
Matteo deu mais um passo, agora tão próximo que seus dedos quase se tocavam.
— Não quero que você seja minha porque nossos pais decidiram isso. Quero que escolha ficar ao meu lado porque acredita que podemos construir algo juntos.
Aurora segurou a respiração, sentindo o peso da confissão pairar entre eles. Ela desviou o olhar por um instante, voltando a encarar o céu estrelado, mas agora com um sorriso tímido nos lábios.
— Talvez você consiga me convencer, Matteo. Talvez.
Ele sorriu, satisfeito com a resposta vaga, mas promissora. Matteo recuou um passo, sabendo que havia plantado uma semente e saiu da varanda. Aurora ficou ali, sozinha novamente, seu coração estava acelerado e a mente cheia de possibilidades.
A brisa noturna trazia uma promessa no ar, de algo que ainda estava por vir e, naquela noite, sob as estrelas, o futuro de Matteo e Aurora parecia cheio de incertezas, mas também de esperança.
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Algumas semanas depois
Aurora Demetriou
A luz do sol infiltrava-se suavemente pelas cortinas do meu quarto e eu me encontrava em total estado de contemplação, perdida em pensamentos que dançavam como as sombras nos cantos do ambiente. Era como se a vida que eu conhecia há quinze anos estivesse desabrochando diante de mim, revelando camadas de emoções que eu lutava para entender.
Há pouco mais de 10 anos, deixei a Grécia e a segurança da minha família para viver na Itália, com a família daquele a quem fui prometida, um garoto que mal conhecia. A tradição dos casamentos arranjados ainda era forte e eu era apenas uma peça em um jogo sobre o qual não tinha controle algum.
Desde antes de estarmos no ventre de nossas mães, nossos destinos foram entrelaçados. Hoje, ao refletir sobre isso, um nó de revolta e impotência se formava em meu estômago.
Lembro-me, com clareza, da raiva que senti aos quatro anos, quando olhei nos olhos do meu pai e o considerei cruel por me afastar da minha mãe e me forçar a aceitar um futuro escolhido por ele, não por mim.
A única coisa que eu sabia era que meu escolhido era o filho do Don mais poderoso da máfia, só por isso, já o odiei antes mesmo de conhecê-lo.
Quando cheguei à Itália, algo inesperado aconteceu. O que deveria ser desprezo se transformou em confusão, a forma como cuidava de mim e os olhos azuis daquele garoto me fizeram sentir em casa.
Enquanto observava o jardim pela janela, refletia sobre o meu destino ter tomado um rumo que jamais imaginei. Os primeiros raios de sol dançavam entre as folhas, e eu via Matteo conversando alegremente com Vincenzo. O sorriso dele parecia tão familiar, mas ao mesmo tempo inatingível.
Morar com sua família desde pequena tinha como objetivo promover nossa aproximação, por conta do nosso casamento ser arranjado. Quando éramos crianças vivíamos juntos, mas agora na adolescência, era como se uma barreira invisível nos separasse.
Os momentos de cumplicidade que vivemos naquela noite no jardim pareciam ter se dissipado, deixando no ar apenas o eco de promessas vazias. Conforme os dias avançavam, eu sentia que o futuro que ele desenhava em palavras suaves, tornava-se cada vez mais distante — uma miragem se esvaindo aos poucos, como se o calor do sol estivesse evaporando.
No fundo, eu me perguntava se aquilo tudo, a tradição, o dever, as aparências, não acabaria nos engolindo por completo.
O olhar de Matteo atravessava o jardim, mas já não me encontrava.
“Até quando conseguiríamos ignorar a verdade que pulsava sob o peso desse ritual?” — essa pergunta não sai da minha cabeça.
Aurora DemetriouAs memórias da minha infância na Grécia eram como ecos em minha mente. Saí de lá muito pequena. O cheiro do Agapanto me transportava para o jardim que meu pai havia construído, especialmente, em homenagem à minha mãe. O carinho dela ao falar sobre o amor que sentia por ele sempre me fazia sorrir involuntariamente. Lembro-me de como o rosto do meu pai se iluminava com um sorriso genuíno, algo raro, mas que deixava evidente a paixão que existia entre eles. “Ele não é um homem cruel”, eu pensava, “mas se esforça para manter esse estereótipo.” A lembrança dos meus pais me deixava confusa. Seria egoísmo meu, sentir saudades deles, mesmo tendo encontrado uma nova família aqui? Pode até parecer, mas a verdade é que sou imensamente abençoada. Eu poderia ser maltratada, mesmo estando na posição que estou, mas o que encontrei na Itália foi completamente o contrário. Encontrei uma segunda família, um outro lugar para chamar de meu. Meus dois pais se esforçam para não deixar
Aurora Demetriou— “Vamos relaxar, Aurora. O sol está perfeito para uma tarde na piscina!” — chamou Ava com um sorriso iluminando seu rosto e os olhos reluzentes como estrelas sob o calor da noite. Havíamos voltado da Grécia no último final de semana. Eu estava com quinze anos e sabia que naquele verão, de alguma forma, começaria a moldar toda a minha vida, dali para frente.Desde nossa volta, Matteo parecia diferente. O olhar que antes me era tão acolhedor agora surgia esquivo e distante, como se estivesse guardando segredos que eu ainda não podia compreender.Eu já notava as mudanças, antes mesmo de embarcarmos. As noites que costumávamos compartilhar, aquelas em que eu me esgueirava para sua cama em busca de conforto durante as tempestades ou as noites inquietas, agora eram apenas memórias. A promessa que ele me fez logo que cheguei na Itália, quando tinha quatro anos, ecoava em minha mente: “Eu sempre vou cuidar de você, Aurora. Você pode contar comigo para qualquer coisa.” Infe
Aurora DemetriouQuando Matteo e os outros finalmente conseguiram suas carteiras de motorista, a dinâmica mudou. Agora, eles se organizavam em duplas para ir ao colégio. Vincenzo e Ekaterina costumavam montar na Ducati V4S vermelha do herdeiro Ferrari. Embora brigassem como um casal em desavença, ambos eram teimosos o suficiente para não se separarem. Ava, por outro lado, era um pouco mais dramática e manipuladora, uma verdadeira mestra na arte de conseguir tudo o que queria de Giuseppe, mesmo que isso significasse acabar com sua paz. Houve uma vez em que os dois travaram uma guerra fria que preocupou até os adultos. Ava ficou quase um mês ignorando o namorado, ao ponto de ir sozinha para a escola em seu carro esportivo, um impressionante McLaren 720S rosa, presente de nosso pai quando completou dezesseis anos. No final, os dois se resolveram e o motivo da briga permanece um mistério até hoje.Eu decidi que iria com Kō. Ele me acompanhava e me protegia desde que me mudei para a Itáli
O mundo ao meu redor está mergulhado em um silêncio agonizante, mas dentro de mim, há fogo. Um incêndio que consome tudo, uma fúria que se espalha como veneno em minhas veias.Estou parado no centro do quarto, o mesmo quarto onde, há poucas horas, me preparei para o dia mais importante da minha vida. Onde deveria estar agora, trazendo Aurora nos braços, sentindo seu perfume misturado ao meu, saboreando a mulher que sempre foi minha.Mas ela não está aqui e isso me destrói.Meus punhos estão cerrados com tanta força que as juntas estão esbranquiçadas, a dor é a única coisa que me mantém no presente. O que vejo refletido no espelho não é o homem que caminhou até aquele altar, vestindo um terno impecável e carregando no peito a promessa de um futuro.Esse homem morreu.O que existe agora é um predador, um homem forjado no aço, um herdeiro treinado para destruir quem ousar atravessar seu caminho.Fecho os olhos por um segundo e tudo o que vejo é Aurora.Seu sorriso. Seu olhar brilhante qu
A manhã era fria e o vento que soprava pela propriedade da Cosa Nostra trazia consigo o cheiro úmido de terra e aço. Matteo estava no campo de treinamento, não era mais o menino que um dia segurava uma espada de madeira e praticava golpes incertos. Agora, com 17 anos, ele era a personificação de força e disciplina, um jovem cujo corpo e mente haviam sido moldados pelo peso do legado que carregava.Matteo se tornou um rapaz alto, com os ombros largos e o corpo definido pelos anos de treinamento rigoroso. Seus braços fortes e suas mãos calejadas contavam a história de um garoto que havia superado suas próprias limitações para se tornar um homem. O rosto, antes marcado por traços juvenis, agora exibia uma maturidade que parecia muito além de sua idade. Seus olhos, intensos, de um azul profundo, eram o que mais chamavam a atenção. Eles refletiam não apenas determinação, mas também um certo peso, como se Matteo carregasse consigo as sombras de todas as decisões que sabia que teria que tom