Aurora Demetriou
As memórias da minha infância na Grécia eram como ecos em minha mente. Saí de lá muito pequena. O cheiro do Agapanto me transportava para o jardim que meu pai havia construído, especialmente, em homenagem à minha mãe. O carinho dela ao falar sobre o amor que sentia por ele sempre me fazia sorrir involuntariamente. Lembro-me de como o rosto do meu pai se iluminava com um sorriso genuíno, algo raro, mas que deixava evidente a paixão que existia entre eles.
“Ele não é um homem cruel”, eu pensava, “mas se esforça para manter esse estereótipo.”
A lembrança dos meus pais me deixava confusa. Seria egoísmo meu, sentir saudades deles, mesmo tendo encontrado uma nova família aqui?
Pode até parecer, mas a verdade é que sou imensamente abençoada. Eu poderia ser maltratada, mesmo estando na posição que estou, mas o que encontrei na Itália foi completamente o contrário. Encontrei uma segunda família, um outro lugar para chamar de meu. Meus dois pais se esforçam para não deixar evidente, mas competem pela paternidade.
Ainda consigo lembrar da carranca e vermelhidão na face do meu pai Vittorio por saber do jardim que meu pai cultivava em segredo, com três diferentes flores de cor púrpura, só para agradar as mulheres de sua vida.
Agapanto para mamá.
Hortênsia azul para mim.
Lavanda para minha pequena Agatha
A resposta para meus pensamentos não era simples, fazendo as emoções se misturarem dentro de mim, como as cores de um pôr do sol.
Meus olhos vagaram pelo meu quarto, que refletia a opulência da nova vida que levei. O piso de porcelanato marfim e o teto branco com acabamentos meticulosamente trabalhados formavam um ambiente que, a princípio, parecia perfeito. Por trás das portas duplas existe um closet extremamente exagerado, mas um capricho do meu segundo pai. No final, ao lado do espelho do teto até o chão tem uma porta discreta para o banheiro da suíte, nada modesto como nos outros cômodos.
Contudo, a cama de ferro clássica europeia, com seu dossel adornado por um vidro em forma de borboleta, era um lembrete constante da extravagância que me cercava, mas que não preenchia o vazio que sentia.
O banheiro, era um espaço que, embora luxuoso, não me oferecia conforto. A verdade era que, apesar de todos os caprichos do meu segundo pai, havia uma parte de mim que ansiava por algo mais simples, algo que não fosse definido por laços de sangue ou tradições.
Com um suspiro profundo, decidi que precisava de um momento para mim. Um momento para refletir e entender todo esse conflito que acontecia dentro do meu peito.
Caminhei devagar até o banheiro, me despi e entro no box já ligando o chuveiro. Deixo a água quente cair sobre meu corpo como se fosse possível levar consigo as dúvidas e as ansiedades que me cercavam.
Ainda era cedo, apenas quatro horas da manhã e a melancolia havia se tornado uma constante para mim, nos últimos tempos. As mudanças em meu corpo e na minha mente eram evidentes e o que antes era harmonia em relação ao meu futuro, agora se tornava um labirinto de incertezas.
Os anos passaram e o menino que havia sido prometido a mim quando éramos crianças havia se transformado em um homem. O espaço que antes era preenchido por risadas e brincadeiras agora era habitado por silêncios e olhares furtivos. Ekaterina e Ava ainda frequentavam meu quarto, mas a presença de Matteo parecia ter se tornado uma memória distante.
Era como se não existisse mais nós, se é que em algum momento já existiu.
“É normal se sentir assim?” — pensei, enquanto a água caía sobre mim, eu orava que cada gota carregasse um pedaço da minha confusão e das minhas inseguranças.
Encosto meu corpo contra a parede do chuveiro, escorregando e sentando no chão. Fecho os olhos e abraço minhas pernas, me permitindo lembrar do passado, onde tudo era mais simples.
“Como ele pode ter mudado tanto? Será que se arrependeu?” — levo a mão até o colar presente no meu peito, a safira que simboliza a pedra de sua família. O presente que ele me deu quando completei oito anos e sinto o peito doer.
Talvez, tudo não tenha passado de um sonho. Abraço minhas pernas e choro, preciso pensar no rumo que minha vida deve tomar, já está na hora!
✲ ✲ ✲
O porão da propriedade da Cosa Nostra era sombrio, iluminado apenas por uma única lâmpada pendurada no teto, que balançava levemente, lançando sombras oscilantes nas paredes de pedra úmida.
O ambiente carregava o cheiro de ferrugem, suor e medo, uma combinação familiar naquele espaço reservado para os momentos mais obscuros da organização.
No centro da sala, Matteo estava em pé, imponente, como uma figura esculpida em mármore. Aos 17 anos, sua presença era intimidante, um contraste entre a juventude de seu rosto e a frieza em seus olhos.
Ele vestia uma camisa preta, as mangas dobradas até os cotovelos, expondo os antebraços fortes e as mãos calejadas que seguravam uma faca afiada. O metal brilhava sob a luz trêmula, refletindo o destino inevitável do homem amarrado na cadeira à sua frente.
O traidor, um soldado de médio escalão que vendeu informações para um rival, estava coberto de hematomas. O sangue escorria de um corte profundo em sua testa, pingando no chão de concreto com um som ritmado, quase hipnótico. Ele respirava com dificuldade, tossindo entre gemidos, mas não ousava erguer os olhos para Matteo.
O silêncio era cortado apenas pelo som abafado de sua respiração regular e o eco distante dos passos de Vittorio, que observava a cena encostado em uma das paredes, ao lado de Alonso e Luca.
Matteo deu um passo à frente, o som de seus sapatos e os soluços do homem eram os únicos sons audíveis do local. Ele inclinou-se ligeiramente, deixando a faca deslizar de maneira quase casual pelos dedos antes de pousá-la sob o queixo do traidor. Sua voz, baixa e controlada, carregava um tom perigoso que fazia o homem tremer.
— Você tinha uma escolha, poderia ter se mantido leal a família que sempre te deu tudo. Mas ao invés disso, resolveu nos trair.
O homem levantou os olhos e buscou por Vittorio, mas Matteo levou a faca até o seu rosto o fazendo olhar para ele.
— Olhe para mim, seu filho de uma puta!
— Ma-Matteo eu…
— Silêncio! — gritou Matteo fazendo o homem calar no mesmo instante. — Traidores não têm direito de falar.
Ele ergueu a faca, estudando-a por um momento, como se estivesse decidindo o próximo passo. Então, de repente, virou-se para pegar um alicate que estava sobre uma mesa próxima, cheia de instrumentos cuidadosamente organizados.
Vittorio, do outro lado da sala, sorriu, cruzando os braços enquanto observava o filho com interesse.
— Ele está aprendendo rápido — murmurou Vittorio. Luca apenas meneou a cabeça em concordância e Alonso sorriu satisfeito.
Matteo voltou a encarar o traidor, desta vez com o alicate em mãos. Seus olhos brilharam com uma calma assustadora enquanto ele segurava a mão do homem amarrado, imobilizando-a com firmeza.
— Quero que entenda algo. — disse Matteo, enquanto posicionava o alicate em torno de um dos dedos. — Isso não é sobre vingança, isso é sobre respeito. Sobre o que acontece quando alguém ousa desafiar a Cosa Nostra.
Com um movimento rápido e sem hesitação, Matteo arrancou o dedo do traidor.
— AHHHHHH, POR DEUS!
O grito que ecoou pela sala foi ensurdecedor, Matteo permaneceu inabalável, observando com calma enquanto o homem se contorcia de dor. Ele soltou a mão do traidor e deu um passo para trás, limpando as mãos em um lenço de pano, como se estivesse encerrando um trabalho cotidiano. Vittorio avançou alguns passos, aproximando-se para observar o filho de perto.
A tortura continuou e depois que todas os dedos de uma mão foram arrancados, Matteo se pronunciou:
— Vou poupar sua vida, apenas para que sirva de exemplo, caso nos traia novamente, o matarei com as minhas próprias mãos e não pouparei ninguém da sua família.
O homem arregalou os olhos encarando o jovem que sorriu.
— Leve-o daqui — disse para os guardas que esperavam nas sombras.
Os homens arrastaram o traidor para fora do galpão, deixando Matteo, Vittorio, Luca e Alonso sozinhos. O silêncio que seguiu pareceu ecoar nas paredes frias de concreto.
Vittorio deu alguns passos até o filho e pousou uma das mãos em seu ombro.
— Você me orgulha, Matteo. Nunca hesite. Medo e dúvida não cabem no coração de um líder — declarou com um sorriso controlado.
Matteo apenas assentiu, os olhos fixos nas próprias mãos, ainda manchadas de sangue.
— A Cosa Nostra precisa exatamente de um líder assim: implacável, calculista e fiel — Luca acrescentou orgulhoso, cruzando os braços.
Alonso, acendendo um cigarro, lançou um olhar curioso ao jovem.
— Um tiro na testa teria sido suficiente, é incrível como você se parece com seu pai.
Os amigos riram antes de se retirarem do galpão, pisando firmemente sobre o chão sujo. Vittorio ficou por um instante a mais, observando Matteo em silêncio. Ele sabia que cada passo do filho o aproximava de seu destino.
Enquanto Matteo encarava as manchas rubras em seus dedos, uma pergunta inconfessável queimava em sua mente…
“Até onde ele estaria disposto a ir, para se tornar o homem que todos esperavam que fosse?”
Aurora Demetriou— “Vamos relaxar, Aurora. O sol está perfeito para uma tarde na piscina!” — chamou Ava com um sorriso iluminando seu rosto e os olhos reluzentes como estrelas sob o calor da noite. Havíamos voltado da Grécia no último final de semana. Eu estava com quinze anos e sabia que naquele verão, de alguma forma, começaria a moldar toda a minha vida, dali para frente.Desde nossa volta, Matteo parecia diferente. O olhar que antes me era tão acolhedor agora surgia esquivo e distante, como se estivesse guardando segredos que eu ainda não podia compreender.Eu já notava as mudanças, antes mesmo de embarcarmos. As noites que costumávamos compartilhar, aquelas em que eu me esgueirava para sua cama em busca de conforto durante as tempestades ou as noites inquietas, agora eram apenas memórias. A promessa que ele me fez logo que cheguei na Itália, quando tinha quatro anos, ecoava em minha mente: “Eu sempre vou cuidar de você, Aurora. Você pode contar comigo para qualquer coisa.” Infe
Aurora DemetriouQuando Matteo e os outros finalmente conseguiram suas carteiras de motorista, a dinâmica mudou. Agora, eles se organizavam em duplas para ir ao colégio. Vincenzo e Ekaterina costumavam montar na Ducati V4S vermelha do herdeiro Ferrari. Embora brigassem como um casal em desavença, ambos eram teimosos o suficiente para não se separarem. Ava, por outro lado, era um pouco mais dramática e manipuladora, uma verdadeira mestra na arte de conseguir tudo o que queria de Giuseppe, mesmo que isso significasse acabar com sua paz. Houve uma vez em que os dois travaram uma guerra fria que preocupou até os adultos. Ava ficou quase um mês ignorando o namorado, ao ponto de ir sozinha para a escola em seu carro esportivo, um impressionante McLaren 720S rosa, presente de nosso pai quando completou dezesseis anos. No final, os dois se resolveram e o motivo da briga permanece um mistério até hoje.Eu decidi que iria com Kō. Ele me acompanhava e me protegia desde que me mudei para a Itáli
O mundo ao meu redor está mergulhado em um silêncio agonizante, mas dentro de mim, há fogo. Um incêndio que consome tudo, uma fúria que se espalha como veneno em minhas veias.Estou parado no centro do quarto, o mesmo quarto onde, há poucas horas, me preparei para o dia mais importante da minha vida. Onde deveria estar agora, trazendo Aurora nos braços, sentindo seu perfume misturado ao meu, saboreando a mulher que sempre foi minha.Mas ela não está aqui e isso me destrói.Meus punhos estão cerrados com tanta força que as juntas estão esbranquiçadas, a dor é a única coisa que me mantém no presente. O que vejo refletido no espelho não é o homem que caminhou até aquele altar, vestindo um terno impecável e carregando no peito a promessa de um futuro.Esse homem morreu.O que existe agora é um predador, um homem forjado no aço, um herdeiro treinado para destruir quem ousar atravessar seu caminho.Fecho os olhos por um segundo e tudo o que vejo é Aurora.Seu sorriso. Seu olhar brilhante qu
A manhã era fria e o vento que soprava pela propriedade da Cosa Nostra trazia consigo o cheiro úmido de terra e aço. Matteo estava no campo de treinamento, não era mais o menino que um dia segurava uma espada de madeira e praticava golpes incertos. Agora, com 17 anos, ele era a personificação de força e disciplina, um jovem cujo corpo e mente haviam sido moldados pelo peso do legado que carregava.Matteo se tornou um rapaz alto, com os ombros largos e o corpo definido pelos anos de treinamento rigoroso. Seus braços fortes e suas mãos calejadas contavam a história de um garoto que havia superado suas próprias limitações para se tornar um homem. O rosto, antes marcado por traços juvenis, agora exibia uma maturidade que parecia muito além de sua idade. Seus olhos, intensos, de um azul profundo, eram o que mais chamavam a atenção. Eles refletiam não apenas determinação, mas também um certo peso, como se Matteo carregasse consigo as sombras de todas as decisões que sabia que teria que tom
A noite havia caído sobre a propriedade da Cosa Nostra, envolvendo o ambiente em uma penumbra dourada, criada pelas luzes baixas das lanternas espalhadas pelos jardins. O treinamento havia terminado e a maioria dos membros da casa já se recolheram para a segurança das muralhas. Aurora permanecia no terraço, observando o céu estrelado. A brisa noturna fazia seus cabelos negros dançarem suavemente, enquanto ela observava a lua. Matteo apareceu silenciosamente atrás dela, como uma sombra. Mesmo sem ouvir seus passos, Aurora sentiu sua presença. Ele sempre tinha aquele efeito, não precisava de palavras para preencher o espaço. Era como se o ar ao redor dele fosse diferente, mais denso, mais carregado de algo que ela não conseguia definir.— Não esperava encontrar você aqui a essa hora. — disse ele com sua voz baixa e grave cortando o silêncio.Aurora virou-se devagar, encontrando os olhos dele. Havia algo intenso no olhar de Matteo, algo que a deixava desconcertada, mas que ela não podi