A parede do banheiro do apartamento de Brito começou a ser quebrada numa manhã de quinta-feira para o conserto de um cano. Na noite anterior seu pai foi avisar-lhe da necessidade desse reparo, causando grande chateação a Brito. Ele precisava fazer com que o dia do conserto do cano do banheiro passasse o mais rápido possível. Reformas em casa o deixavam realmente triste.
Na época em que era estudante e estava sempre atrasado e o banheiro que sobrava tinha que ser dividido, essas reformas eram tão repugnantes quanto um procedimento cirúrgico nos olhos. Mas Brito cresceu ouvindo que a vida era dura mesmo para quem não tinha um casa e muito menos um banheiro e também para pessoas que não tinham o que comer. Enfim, era algo desagradável, mas ele tentaria viver aquele dia sem lamúrias.
Ele podia cagar e tomar banho no b
Quando voltou para casa naquela noite, Brito não estava tão bêbado. O conserto em seu banheiro tinha sido efetuado com sucesso.O conhaque tinha sido dividido por três caras que gostavam de bebida e por isso a quantidade de álcool ingerida até então tinha sido insuficiente para que a embriaguez de Brito chegasse ao ponto em que ele se considerava satisfeito. Brito tinha pego um cartão de Dema, com seu endereço e o número do telefone fixo e o do celular. Dema morava no centro da cidade, na Rua do Boticário. É uma viela imunda, cheia de nóias, próxima ao Largo do Paissandu.No cartão dizia que Dema tinha um grande catálogo de rock e música em geral e que gravava cds piratas com encartes fiéis aos originais. Saber que aquele sujeito era eunuco fazia com que Brito se sentisse na obrigaç&atil
Brito pediu enfaticamente a Vânia para que fosse discreta na sua chegada ao prédio dele. Tinha pedido com antecedência ao porteiro que quando Vânia chegasse ela subisse sem a necessidade de interfonar. Isso só para que seu pai não ouvisse o interfone do outro apartamento.As cozinhas dos apartamentos de Brito e de Britão eram dividias apenas por uma parede e de um lado era possível ouvir o interfone do outro apartamento caso houvesse algum silêncio. A mãe de Brito havia viajado no dia anterior para o casamento de uma sobrinha. Era prima de Brito e tinha trinta e um anos.Brito havia perdido o contato com todos os seus primos, mas lembrava de quando essa garota nasceu. Manteve algum contato com ela e suas irmãs até a época em que essa que se casaria tinha doze anos.
Os moradores mais velhos do condomínio viviam apáticos em seus microcosmos, cheios de medo na fase final de suas vidas. Se pudessem imaginar o que aconteceria com o mundo a partir de 2020 estariam mais tranquilos por terem certa longevidade garantida antes da pandemia.Tinham medo do dia seguinte. As crianças descontroladas viviam sofrendo com a falta de espaço e estavam sempre cheias de energia ruim por causa do excesso de açúcar no organismo.A repressão sobre elas vinha das câmeras instaladas nos elevadores, nas escadas e no hall de entrada do prédio. Através do canal de TV que transmitia o que essas câmeras captavam, Brito assistia de seu apartamento a essa movimentação sufocada e lembrava que em seus tempos de criança as coisas eram diferentes.Mesmo sendo ele um cara que também
Então Zími contou a Mila Cox que naquele momento Brito em sua lembrança era apenas o filho do Britão, que é um tipo de pessoa que não se enquadra no que se espera de um mundo renovado depois da pandemia.Pelo que podiam saber através de seu perfil na internet, Brito parecia estar bem e não ter tido qualquer problema com o fato de se manter em isolamento. Estava à beira dos cinquenta anos e provavelmente estava em seu apartamento vendo o mundo em chamas pela televisão, ironizando o fato de que as pessoas votam para isso.Zími pensava então em como estariam os outros dos quais lembrou para poder situar Brito em seu passado. Provavelmente não os reconheceria na rua, por trás da máscara e do tempo que passou.
Sem igreja, sem polícia, sem chefes, sem impostos e sem governantes.Aproveitando dos princípios que os uniam ideologicamente, estavam agora fora da cidade, isolados no meio da Mata Atlântica desde o início da pandemia. A descrença na humanização da sociedade era a maior motivação para o isolamento.Zími e Mila Cox encaravam cada um a seu modo a comodidade do rancho sem nome, onde o ócio que muitas vezes é feito do isolamento se transformava em músicas gravadas toscamente em fitas k7 para depois serem digitalizadas e então disponibilizadas.Apesar de lançarem essas gravações em mídias físicas nos poucos shows que faziam juntos sob o nome de Crop Circles e também as
O que havia em comum entre Zími e Brito era o completo desprezo por Deus, pela pátria e pela família. Algumas convergências ideológicas que não fizeram deles pessoas tão queridas um ao outro.O resto tinha menos relevância, mas Mila Cox queria saber quem era Brito, que solicitou sua amizade numa rede social e tinha Zími como amigo em comum.Brito era amigo de alguns amigos de Zími e seu vizinho de bairro em São Paulo por muitos anos.Zími começou a descrevê-lo a partir de lembranças que ainda eram claras.Como a ocasião em que Brito estava furioso e como sempre julgava ter razão. Seus monólogos eram sua válvula de escape._ Se eu pudesse enfatizar o quanto é gran
Brito esperava pela entrega de uma pizza à noite em seu apartamento pouco antes das vinte e treês horas de um domingo de Julho de 2011. Até aquele momento, embora soubesse que no dia seguinte precisaria comprar mais maconha, não pensava que a quantidade ainda disponível se resumia apenas ao baseado que acompanharia as cervejas até que a pizza chegasse. Achava que teria o baseado da manhã seguinte. Isso lhe daria algum conforto.Demoraria mais para sair de casa. Já estava com mais sono do que fome, mas sabia que o cheiro do queijo derretido da pizza abriria seu apetite. Dito e feito. Dormiu sem escovar os dentes, no pequeno sofá de sua sala, roncando mais que uma motosserra. Na manhã seguinte, havia um pedaço de pizza de calabresa e outro de alicheAs latas de cerveja vazias haviam preenchido o pequeno cesto de lixo de sua sala e seria precis
Brito morava no último andar de seu prédio, o décimo sexto. Gostava de deixar a TV ligada no canal que filmava a portaria de seu prédio. Costumava se referir àquele canal como TV POVINHO.Gostava de ver seus vizinhos entrando e saindo do prédio enquanto podia sentir-se isolado deles. O áudio não podia ser captado, mas as imagens eram suficientes para que concluísse que não tinha nenhum tipo de vínculo afetivo com aquela que era sua vizinhança desde criança.Gostava de algumas comodidades relativas à localização de seu apartamento, nada além disso. Se fosse por outras razões, teria ido embora dali sem olhar para trás. Quase sempre que pegava o elevador para descer ao térreo, mesmo de madrugada, a probabilidade de o elevador parar em alguns dos quinze andares abaixo an