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White Wolves
White Wolves
Por: Lu Mendes
Por trás dos olhos azuis

I

Por trás dos olhos azuis

Música tema - Behind blue eyes ( Limp biskit)

Manhã de domingo. Uma manhã fria de julho que me fez ficar mais tempo na cama. Rolei de um lado para o outro até que as notificações do celular me despertaram de vez. Cerrei os olhos para poder ler aquele display iluminado no meio da penumbra gostosa do meu quarto. Era meu pai. Ele estava enviando mensagem de sua cama a respeito de sócios. Nunca ia deixar de se preocupar, mesmo longe do cargo. Ele estava além de cardíaco, muito cansado daquela empresa. Além disso, ele estava louco de vontade de sair de férias eternas com alguma amante nova, que provavelmente devia ter minha idade, sendo que eu estava com vinte e oito anos.

Lembrei com saudade da três anos atrás ter estado o mais próximo de Bill, meu segundo pai, do que nunca mais estive. Ele não era meu segundo pai por ser padrasto ou algo assim. Ele era meu pai de consideração dentro do mundo dos moto clubes e na vida. Quando mais precisava de conselhos era a Bill que eu recorria e ele sempre me ouvia com atenção. Muito diferente do meu pai, que sequer me ouvia.

Há três anos eu era um selvagem das estradas. Eu me recusava muito a assumir a presidência da empresa da família. Meu pai estava no ramo da construção desde novo e como filho mais velho, eu devia assumir quando ele se aposentasse. O que, de fato, aconteceu pois ele adoeceu do coração. Aos vinte e cinco anos eu tive que assumir o chief executive officer da AF Construtora. Os White Wolves me abandonaram no meio de uma trip para o Nordeste, fundando assim os Black Panthers. Aquele grupo de idiotas me acharam perigoso.Eu era, de fato, perigoso e incontrolável mas precisei começar a me controlar se queria exercer um bom trabalho a frente daquela empresa. Eu não tinha bem uma saída além de presidir a construtora, já que meus irmãos eram mais novos e não formados. O herdeiro da coroa era realmente o mais velho e formado dos Assis Ferreira, por assim dizer, eu mesmo. O que eu odiava mais que tudo naquela situação toda era ter que ficar enfurnado num escritório, liderando funcionários, vestindo terno sabendo que lá fora tantas estradas ainda intocadas pelas rodas da minha moto estavam queimando ao Sol, me esperando. Porém a vida me levou por caminhos tortuosos a assumir aquela presidência.

Além daquela mensagem, eu recebi outra bem mais agradável. A mensagem no aplicativo perguntava se eu estava bem, se estava me alimentando, se Bill estava bem. Era Simone, uma amiga mais-que-amiga que eu tive o prazer, aliás muitos dias de prazer, de conhecer em Vila Velha, onde a trip parou há três anos. Sorri. Os cabelos compridos caíram nos olhos enquanto eu digitava uma resposta.

Quando vem me ver?

Está com saudade? Assim que tirar férias

Larguei o celular do lado sorrindo. Estava satisfeito com a resposta. Eu não era um cara de me amarrar mas não por pavor de compromisso. Na verdade eu achava realmente que eles não davam certo. Desde criança presenciei brigas entre meus pais por causa das traições dele e assisti o desespero da minha mãe sempre aos berros quando descobria uma amante nova. Eu achava que por isso não deixava que as mulheres se aproximassem demais de mim. Preferia dar o que elas queriam naquele momento e ir embora. Se fosse muito bom, eu retornava. Mas não era fixo de nenhuma delas e preferia viver minha vida daquele jeito sem laços demais. Eu tinha sido criado por um pai agressivo quando presente e no restante do tempo completamente ausente por meses. Ele tinha me forjado para ser um CEO agressivo e um líder, mas da pior maneira que existia. Ele só queria pular fora e largar tudo nas minhas costas. Durante muito tempo eu fugi. Quase me matei na trip debaixo de uma carreta em uma curva. Sempre buscando o suave beijo da morte na minha Harley Own. Porém ela nunca veio me beijar. Enquanto isso vieram mulheres. Muitas. Eu era um cara que chamava atenção delas. Alto, cabelos compridos até abaixo dos ombros, tatuado, rockeiro com cara de poucos amigos. Eu era o retrato do perfeito cara de coração quebrado que elas queriam consertar. Ou, o perfeito cafajeste que muitas mulheres dizem odiar mas que adoram gemer debaixo dele. Esse era eu, Vitor Ferreira, o herdeiro de uma construtora milionária, cheia de contratos com a prefeitura e com grandes empreiteiras e sem paciência para nada daquilo. A vida era triste dentro de quatro paredes cinzas com chão acarpetado, com poucos móveis gelados tendo reuniões sacais e intermináveis com engenheiros renomados e donos de empreiteiras.

Levantei-me de muito mau humor depois de lembrar daquilo tudo. Tomei um banho, vesti um calça jeans e o colete dos White Wolves com uma leather jacket por cima e saí dali. Era final de semana e eu precisava ir ver o Bill. O velho Bill teve um câncer de pulmão e tratou. Ele vinha bem, porém nos últimos dias estava tossindo bastante. Eu estava preocupado. Ao invès de pegar o carro, peguei a Harley, pois era díficil nos últimos anos pegar tanto na minha menina. Saí do condomínio em bastante velocidade. Como aquilo era gostoso... sentir novamente o vento no rosto, ouvir o ronco do meu motor e poder colocar minhas roupas mais confortáveis. Nada de senhor Vitor, ninguém a minha volta para me bajular, ninguém para encher meu saco. Corri do Leblon até São Cristovão. Sabia que Bill e Fred estariam abastecendo o bar do clube.

Assim que cheguei, desci da moto, tirei o capacete e o levei comigo. Bill estava no bar e ergueu a cabeça para olhar quem entrava. Ele trazia uma expressão preocupada no rosto. Fred me viu e gritou.

— Caiu da cama, lobo?

— Nah, estou preocupado com o velhote ai. — Apontei Bill.

— Velhote é o teu rabo, CEO. — Bill falou e tossiu.

Olhei para Fred, o velho amigo fez uma expressão de reprovação com o rosto, daqueles que você entende que a situação não está nada boa.

— O que você tem agora, Bill?

— Ele não quer te dizer, lobo, mas ele vai se operar.

— Fred, você é um babaca, sabia? — Bill se enfureceu.

— Que adianta esconder do Vitor?

— Ele já tem preocupações demais!

Aproximei-me do bar e falei baixo.

— Vai operar o pulmão?

— É o que parece, né Vitor.

Fiquei em silêncio. A cabeça começou a girar em torno de perder meu melhor amigo. Eu não ia suportar isso. Dois pais doentes era demais.

— Veio só me ver?

— É o que parece, né William?

— Não me chama de William!

— Mesmos direitos, velho. Me dá algo para beber.

— Sabe que não posso. Você vai dirigir.

— Vocês dois andam muito chatos, sabia?

— E você sossega essa bunda quieta porque é perseguido por papparazzi, por todo mundo, senhor bom partido da cidade!

— Eu estou de saco cheio.

Sentei e fiquei olhando para ele. Sentia-me tão impotente de não poder fazer nada para ajudar meu amigo mesmo com todo o dinheiro da minha conta... Nessas horas vemos o quanto somos todos iguais e o quanto não passamos de poeira estelar, flutuando numa cauda de cometa.

— Eu vou ficar bem, Vitor.

— Eu sei que vai.

Dizia coisas nas quais nem acreditava. Simplesmente tinha medo de perder pessoas e voltar a ser o Vitor de três anos atrás, o selvagem da motocicleta, o inconsequente que seu próprio grupo abandonou no meio da trip.

— Então vamos mudar de assunto, como vão os Black panthers, aqueles idiotas? — Perguntei.

— Admitindo garotos novos, instruindo para virem jogar sacos de urina na porta a noite. — Respondeu Fred carregando uma carga de cerveja.

Fui ajudá-lo.

— E não vão chamar a polícia?

— Ah, lobo, acha mesmo que a polícia liga para dois clubes de motos que eles já sabem que são rivais? — Bill respondeu. — Está vivendo demais no mundo empresarial ein.

— É, eu sei.

Conversamos mais um pouco por ali e logo decidi que precisava ir embora ao ver uma notificação no celular.

— Lá vai o CEO motoqueiro atrás de rabo de saia. — Disse Bill rindo.

Sorri para ele.

— Nada.  — Menti.

Olhei para o celular mais uma vez e custava acreditar no que estava vendo ao celular. A notificação era de Bianca, uma loira com quem eu tinha ficado uma vez numa boate e tinha levado para casa, ela precisava urgentemente falar comigo. Fiquei desconfiado.

Ela tinha me enviado uma localização em Ipanema. Assim que cheguei ao edifício, notei que era um prédio residencial. Balancei a cabeça. Não era possivel que nada ali na casa dela fosse urgente. Falei com o porteiro, que me olhou de cima a baixo mas me deixou passar ao ouvir de Bianca quem eu era. Claro que qualquer pessoa se assustaria com a roupa que eu estava vestindo aquele dia.

Ao subir, a porta do elevador se abriu e ela já me esperava na porta do apartamento vestida com uma camisola transparente, encostada ao batente com um sorriso vitorioso. Revirei os olhos e voltei meu corpo ao apertar o botao de novo do elevador para ir embora.

— Não, Vitor!

Ela veio correndo até mim. Eu não sabia porque as mulheres achavam que bastava vestir uma lingerie que eu viraria um cachorrinho. Eu era tão acostumado ás mulheres que a única coisa que me admiraria seria ver uma delas me masturbando de cabeça para baixo, completamente nua, se equilibrando com uma das mãos, mascando chiclete.

Ela segurou meu braço. Eu a olhei com tédio.

— Você disse que era urgente na mensagem. Pediu por favor, isso é o seu urgente?

— Eu preciso falar com você. Vem, vem... — Ela me puxava pelo braço e eu acabei entrando.

Olhei para tudo enquanto me sentava ao sofá. Busquei no bolso da calça o meu maço de cigarros e acendi um. Bianca foi até o bar e buscou dois copos.

— O que quer beber?

— Vai parar com o jogo e falar logo?

Ela veio até mim com um copo de whisky com gelo. Olhei para o copo.

— Eu não bebo com gelo. Fala logo.

Ela se sentou em outra poltrona, tomando uma distância considerável como se estivesse com receio de se aproximar muito.

— Vitor, eu te amo.

Eu já ia me levantar revirando os olhos novamente.

— Não vai embora. Eu conheci seu irmão.

Parei de me mover e a olhei com atenção. Agora tinha entendido a distância.

— O que quer com Vinícius?

— A gente se conheceu na noite, eu já sabia que era seu irmão, me apresentaram. Nós frequentamos a mesma roda de amigos.

— Não, não frequentamos. Os meus amigos de verdade são do meu clube.

— A gente começou a sair.

Fechei os punhos. Sabia bem o que ela queria com aquilo.

— Pois você vai parar de sair com meu irmão agora.

— Vitor eu não acho que ele vai querer isso e eu também gostei dele.

— Exatamente, assim como você gosta tanto de dinheiro.

— Não, eu gosto de você mas você é inacessível, então o único jeito é tentar fazer você voltar para mim.

— Eu nunca estive com você, Bianca.

— Pois é mas eses são meus termos. Sai comigo e eu paro de sair com seu irmão.

Eu dei uma risada alta.

— Está mesmo me chantageando? Isso é baixo demais, garota.

— Eu não acho, eu só quero ficar com você. Só isso.

— Magoando o meu irmão? Você tem noção de que isso só me enoja?

— A gente ainda não começou realmente.

Ela se aproximou de mim vagarosamente e sentou no meu colo. O perfume era forte, o cheiro da lingerie nova também. Os cabelos loiros platinados dela caíram sobre os meus.

— Eu vou parar, eu juro, apenas me dá uma chance, Vitor.

Coloquei a mão no bolso e peguei o celular.

— Certo, então liga para ele agora e diz que não vão mais se ver.

— Agora?

A expressão era de espanto.

— Claro, eu fico aqui o dia todo se fizer isso agora.

— Mas...

— Liga para ele agora, Bianca e diz a ele que não vai mais sair com ele porque quer ficar comigo.

— Eu ligo mais tarde, se você realmente ficar. Vitor, eu te amo...

— Está bem.

Apertei a gravação que acabara de fazer no meu celular. A gravação reproduziu exatamente a conversa do sofá. Ela me olhou com ódio.

— Você é um filho da...

Quando ia bater no meu rosto, segurei sua mão com força e a joguei no sofá.

— Da minha mãe! E você é uma estúpida que acha que pode enganar um cara como eu!

Ela tentava pegar meu celular, em vão. Fazia força e deixava os seios expostos com tanta movimentação.

— Porque me rejeita? — Começou a chorar.

— Ah não, Bianca, eu rejeito todo mundo e você sabe disso. Muita mulher lida bem comigo, menos você.

— Tem dezenas nao é? Cafajeste, desgraçado.

— Cafajeste se eu tivesse prometido algo a você, eu nunca prometo nada a ninguém. Mas já que você é um ordinária que colocou meu irmão nesse rolo, eu vou te dar algo de lembrança.

— O que você pode me dar? O tapa da sua mão pesada?

— Uma coisa que faz bem mais estrago.

Desci o corpo e a imprensei contra o sofá. Tomei sua boca em um beijo indecente. O beijo durou minutos e foi devidamente recíproco. A loira gemia na minha boca e queria me abraçar a todo custo. As pernas enrolaram no meu corpo. Quando me afastei, seu olhar era de súplica e sua boca pedia mais. Ela tentava alcançar meus lábios. Eu sabia que aquilo ia causar um estrago emocional enorme nela. Provavelmente ia ficar sentindo meus lábios nos dela por dias, o meu perfume na sua lingerie por horas. Porém me afastei de vez. A vingança era doce quando se metia com meus irmãos para me atingir. Quando ela percebeu que eu só lhe dera um pouco para não esquecer por dias, ficou irada. A tez do rosto se avermelhou e o olhar modificou. Era bonita demais, mas a raiva tinha transformado seu rosto. Eu me perguntava que mulher estúpida ainda tentava pregar peças em mim...

— Você não tem alma, Vitor Ferreira.

— Eu? A pessoa que ameaça namorar meu irmão sem gostar dele só pra se vingar de mim tem uma alma bondosa não é?

Eu me levantei.

—Ainda posso te acusar de estupro, você esteve aqui.

— É isso que a gravação vai mostrar? A polícia que são meus amigos vão acreditar nos cinco minutos em que estive aqui ou na minha gravação? Aprende uma coisa, meu bem, eu não sou homem de cair em armadilhas.

— Você não vale nada.

— Ah corta esse mimimi... Se você fosse uma boa pessoa, teria me convidado para algo melhor e a gente poderia até transar mas você escolheu ser torta. Aguenta as consequencias.

Fui para a porta e sai batendo-a atrás de mim. Depois daquilo ouvi coisas serem atiradas contra a parede dentro do apartamento dela. O elevador ainda estava no andar, com as portas abertas. Antes que ela viesse atirar algo em mim, entrei correndo e apertei o térreo. Passei pelo porteiro como uma flecha e alcancei a rua onde estava minha moto.

Bianca tinha mexido com o irmão errado, tinha brincado com o homem errado. Queria ser rica as custas de mentiras e chantagens. Ela realmente gostava de mim mas não era daquela maneira que se conquistava um homem. Estava farto de encrencas, talvez fosse realmente a hora de me amarrar em alguém e fazer aquilo tudo parar. Porém eu não devia fazer aquilo pelos outros. Estava começando a ficar um tédio aquelas encrencas com mulheres como antes de assumir a presidência. Entretanto dez vezes pior. Há anos atrás eu fui um ilustre desconhecido dos tablóides de fofocas e das rodinhas dos ricaços. Naquele momento eu figurava como o cara que todos querem. Seria interessante ter um namoro falso. Pensei nisso enquanto pilotava para casa. Podia ser uma boa solução. Faria muita coisa parar de acontecer ao meu redor. Mas quem seria a louca?

Ao chegar em casa, pensei bem naquela hipótese. Será que eu conseguiria mostrar uma garota bonita a sociedade sem que eu mesmo quisesse ficar com ela por uma noite? E quem poderia ser tão confiável assim? Joguei-me na cama e deixei a mente girar com meus problemas de menino rico. Senti até vergonha de pensar naquilo. Se fosse para ter alguma mulher fixa na vida, eu teria que gostar dela. O único problema é que eu não me permitia gostar de ninguém. O tanto que meus pais arrasaram com a minha cabeça somado ao posto que eu ocupava não me permitia confiar em nenhuma mulher. O jeito seria continuar do jeito que estava até que decidissem me deixar em paz. Se é que algum dia isso ia acontecer. O celular tocou. Era Bill na delegacia.

— Mas como foi isso, Bill?

— Um dos garotos dos BP picharam a moto do Fred, ele veio fazer BO. Pode vir aqui, lobo?

Os problemas jamais cessavam. Porque cessariam? A minha vida era aquele turbilhão de coisas loucas acontecendo ao mesmo tempo e eu não via uma saída no fim do túnel.

Fui para a delegacia.

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